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14 de março de 2018
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21:12

Simpa e oposição vão à Justiça contra lei que exige autorização da Prefeitura para manifestações

Por
Luís Gomes
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Simpa e oposição vão à Justiça contra lei que exige autorização da Prefeitura para manifestações
Simpa e oposição vão à Justiça contra lei que exige autorização da Prefeitura para manifestações
“Lei Antivandalismo” prevê multas de até R$ 400 mil para manifestações sem autorização da Prefeitura | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

O Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) e a oposição na Câmara de Vereadores decidiram ingressar com Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) contra a Lei Complementar 832/2018, chamada de Lei Antivandalismo, sancionada nesta terça-feira (13) pelo prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB). A legislação estabelece multas de até R$ 400 mil para quem obstruir o trânsito em manifestações não autorizadas pela Prefeitura e punição para que for flagrado depredando o patrimônio público ou privado.

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Em conversa por telefone com o Sul21 nesta tarde, o secretário da Segurança, coronel Kleber Senisse, destacou que a lei tem três pontos importantes. O primeiro é colocar multas compatíveis ao estrago nos casos de dano ao patrimônio público, privado e histórico do município. Um segundo aspecto seria a ampliação das atribuições da Guarda Municipal para que ela possa atura na fiscalização e no cumprimento da lei (esse ponto ainda precisa ser regulamentado por outro projeto encaminhado pelo Executivo para a Câmara de Vereadores). O outro ponto seria, nas palavras do secretário, garantir o direito do cidadão de Porto Alegre a ter sua vida, rotina e acesso aos serviços normais. “Ou seja, as manifestações devem ter um entrelaçamento com o poder público para que aconteçam dentro da ordem e não causem prejuízos”, disse.

A chamada Lei Antivandalismo prevê a aplicação de uma série de multas para ações como pichação de monumentos ou prédios, descarte irregular de resíduos, pintar espaços públicos sem autorização, causar dano ao patrimônio público e urinar e defecar em via pública. Contudo, o ponto mais crítico da lei é que prevê a aplicação de multa de R$ 4.014,50 a R$ 401.450 para quem embaraçar ou impedir, por qualquer meio, o livre trânsito de pedestres ou veículos nos locais públicos.

Segundo o secretário, a lei não tem o objetivo de dizer quem pode ou quem não pode se manifestar, mas sim criar a estrutura para que atos “tragam o mínimo possível de dano ao cidadão”. “Se eu vou fazer uma manifestação numa via de Porto Alegre no horário do rush, possivelmente vai causar um grande dano, então tem que ter um contato com o município para que não haja dano para a cidade. A lei visa colocar regramentos para que a cada manifestação que nós tenhamos em Porto Alegre a população não fique desprotegida, sem poder fazer sua rotina por algum assunto específico de um nicho”, disse.

Questionado se a multa irá ser aplicada a toda manifestação que ocorrer na cidade sem a prévia autorização da Prefeitura, Senisse disse que sim. “Se eu resolver trancar a Ipiranga às 18h, isso está previsto na lei que poderá sofrer uma atuação, sanção ou pena”, afirnou o secretário, explicando ainda que isso vale tanto para o trânsito de veículos quanto de pedestres. “Qualquer ato que não tenha autorização, que não esteja ordenado com a Prefeitura, poderá ser sancionada”.

O secretário informa que, ao pedir autorização para realizar atos públicos, será preciso informar quem são os responsáveis, os objetivos, estimativa de público e que tipo de ação irá ocorrer. Segundo ele, isso se deve para que a Prefeitura possa preparar a logística e prever o impacto das manifestações, por exemplo, no recolhimento de lixo. Ele destaca ainda que organizadores de atos também precisarão informar a Prefeitura sobre como será feita a limpeza do local em que ocorrer atos públicos. “Não se pode simplesmente fazer uma manifestação e dizer que é um direito democrático de se manifestar. O contribuinte não pode arcar com toda a responsabilidade financeira de quem resolve se manifestar. Os responsáveis têm que assumir essa responsabilidade”, afirmou.

Contudo, Senisse descarta que a Prefeitura fará qualquer tipo de filtragem política sobre quem pode ou não se manifestar, mesmo para os casos em que o ato for contrário ao governo municipal. “A lei não tem viés político. O que será feito é a análise do impacto para o cidadão, tanto em nível de patrimônio quanto da pessoa, o enfoque é a preservação da vida e do patrimônio, não tem outro viés”.

Ação de inconstitucionalidade

Alberto Terres, diretor do Simpa, informou que o sindicato ingressou nesta tarde na Justiça com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) para questionar a legalidade da lei. Para Terres, a legislação recém sancionada fere a Constituição federal em seu artigo 5º, inciso XVI, que garante o direito à livre manifestação a qualquer cidadão de forma individual ou coletiva sem pedir autorização para o gestor, prefeito, governador ou presidente. “Isso é garantido pela Constituição. Portanto, essa lei não pode ser chamada de Lei Antivandalismo, mas sim de uma lei que persegue os movimentos sociais e quem luta pelos seus direitos”, diz Terres.

O inciso XVI diz o seguinte: “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. Os incisos IV (“é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato”) e XVII (“é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”), também garantem o direito à livre manifestação.

Para o diretor do Simpa, essa lei é resultado da dificuldade do prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB) de dialogar com os movimentos sociais e aceitar o contraditório, não só de parte do sindicato, mas de qualquer outra fonte. Ele destaca, por exemplo, que tem sido comum moradores da Lomba do Pinheiro protestarem contra a constante falta da água na região e que, com essa lei, poderão ser multados. “Nenhum cidadão irá fazer uma manifestação porque gosta de sair na rua e se manifestar, ele normalmente luta porque teve o seu direito violado e pelo abandono da cidade”, diz Terres.

O sindicalista ainda pontou que, além de questionar a legalidade da lei, os municipários, quando sua assembleia assim determinar, continuarão fazendo movimentos de rua sem se preocupar com a nova legislação porque acreditam que a Constituição federal traz a garantia da liberdade de manifestação e de pensamento.

A vereadora Fernanda Melchionna (PSol) avalia como um “escândalo” a sanção da lei, a qual classificou como reacionária e recessiva. “O Marchezan, na medida que tem sido contestado na rua, tem tentado combater as manifestações”, diz.

Ela também informa que o seu partido está estudando a possibilidade de ingressar na Justiça com uma ADIN para questionar a legislação. “É uma lei claramente inconstitucional. O artigo 5º dá a garantia do direito de manifestação independentemente de autorização. Eles querem que o município inclusive diga o que pode e o que não pode em uma manifestação. Mas o artigo é muito claro ao dizer que é garantida a livre manifestação pública de forma pacífica e sem armas. Isso está escrito”, afirma a vereadora, que está convocando para o próximo dia 22 de março uma plenária popular intitulada “Vandalismo é o governo Marchezan”.

Eduardo Carrion, professor titular de Direito Constitucional da UFRGS e da Fundação Escola Superior Ministério Público (FMP), destaca que existem “indícios de inconstitucionalidade” na legislação. Em tom irônico, ele também diz que caberia a quem assume importantes responsabilidades na administração pública buscar conhecimentos básicos sobre direitos, competências e atribuições previstas na Constituição.

“O inciso XVI do artigo 5º da Constituição é claro, não é necessária a autorização prévia da autoridade municipal, mas simplesmente prévio aviso”, diz Carrion. “É previsível que uma rápida manifestação pública possa provocar circunstancialmente e provisoriamente algum transtorno à livre circulação. Cabe então a autoridade administrativa, previamente informada, administrar a circunstância. Qualquer excesso por parte dos manifestantes, por exemplo, bloqueando completamente a via pública, quando houver possibilidade de compatibilizar a manifestação com a circulação ao menos parcial de pessoas e veículos, poderia ser criticado, eventualmente, utilizando-se a força pública para manter a manifestação dentro dos limites da razoabilidade, inclusive reprimindo atos de vandalismo. Isso considerado, a lei recentemente sancionada parece ser excessiva do ponto de vista constitucional, podendo-se eventualmente questionar a sua constitucionalidade”, complementou.


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