Cidades|z_Areazero
|
10 de março de 2018
|
16:28

Nove propostas para melhorar o transporte público de Porto Alegre

Por
Luís Gomes
[email protected]
Porto Alegre tem quantidade insuficiente de corredores exclusivos de ônibus | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Nesta sexta-feira (9), o Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu) aprovou o reajuste da passagem de ônibus dos atuais R$ 4,05 para R$ 4,30, desde que seja retomada a cobrança de 50% do valor segunda passagem, anteriormente gratuita. Caso contrário, o aumento pode ser ainda maior, para R$ 4,50. A elevação da tarifa para R$ 4,30 representa um aumento de 6,17%, mas a inflação do último período esteve abaixo dos 2% (os rodoviários ganharam reajuste de apenas 1,87%).

Leia mais:
Reunião acaba em briga após Conselho aprovar aumento da passagem de ônibus para R$ 4,30
Com abandono dos BRTs, Porto Alegre segue ‘tradição’ de priorizar transporte individual

O que explicaria o aumento acima da inflação é o argumento da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP) de que o sistema está perdendo passageiros e é preciso encontrar um equilíbrio financeiro. Como solução, mais um vez a Prefeitura opta por enfrentar o problema  aumentando o preço da tarifa em vez de buscar soluções que tornem o sistema mais produtivo ou tirem do usuário todo o peso do reajuste, não atacando os problemas estruturais do sistema que levam à queda de passageiros. A seguir, compilamos nove propostas de estudiosos e pessoas que trabalham na área, feitas em entrevista recente ao Sul21 ou no passado, inclusive pela ATP e pela EPTC, mas que nunca saíram do papel, para qualificar o sistema.

1) Otimização das linhas

A urbanista Clarice Misoczky de Oliveira, vice-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), defende que o sistema poderia ser qualificado com a otimização de linhas. Ela explica que, atualmente, há uma grande sobreposição de ônibus fazendo o mesmo trajeto nas proximidades do Centro, mas, por outro lado, poucas linhas na periferia. “Acaba que ficam muitos ônibus andando vazios nos corredores na área central e agora não se pode colocar mais linhas na periferia porque, quando chegar no Centro, vai engarrafar na parada. Os corredores também têm limitação de capacidade de carros”, diz. A sugestão é que essa lógica seja invertida, mais linhas buscando passageiros nas periferias e os deixando nos corredores onde possam fazer uma rápida baldeação para ônibus que os levarão à região central. “Com isso, teríamos menos ônibus andando vazios”.

2) Dificultar o acesso do automóvel ao Centro

Clarice também lembra que, em alguns lugares do mundo, como Londres, existe uma taxa que os motoristas de carros privados precisam pagar para acessar o centro das cidades. Na capital inglesa, chama-se de “taxa de congestionamento”. Dificultar o acesso do carro ao centro significa priorizar o transporte público, o que também poderia valer para táxis e aplicativos, estimulando as pessoas a voltar para o sistema e incrementando a velocidade de circulação dos coletivos.

No Centro Histórico, ônibus trafegam em meio a mar de carros | Foto: Guilherme Santos/Sul21

3) Faixas e corredores

Quando se fala em incremento da velocidade dos coletivos, a principal alternativa que se tem é a criação de corredores ou faixas exclusivas para a circulação de ônibus. Atualmente, a cidade tem cerca de 70 km de corredores e mais áreas voltadas para a circulação exclusiva em determinados horários. Em 2013, foi implementada uma dessas faixas entre as avenidas Cavalhada e Teresópolis, na zona sul. Segundo a EPTC, antes da faixa, os coletivos faziam o trajeto de 5,6 km em aproximadamente 30 minutos. Com a restrição de circulação dos carros, esse tempo foi reduzido para 15 minutos. Em 2016, uma medição da EPTC apontou que, graças a essa mudança, houve um aumento de 4% nos passageiros das linhas beneficiadas.

No ano final da última gestão, a Prefeitura pretendia instalar faixas exclusivas nas avenidas Assis Brasil, Icaraí, José do Patrocínio, Loureiro da Silva, Ipiranga e Mauá, o que não saiu do papel. Pelo contrário, no início do ano, o prefeito Marchezan fez a opção de utilizar recursos que seriam destinados para a conclusão das obras do sistema BRT para obras viárias que afetarão prioritariamente o transporte individual.

4) Integração dos modais

Em entrevista concedida em 2016, Mauri Cruz, ex-secretário de Transportes de Porto Alegre durante a gestão da Frente Popular e professor de pós-graduação em Direito à Cidade e Mobilidade Urbana, defendeu que o sistema poderia buscar a integração dos diversos modais da cidade: ônibus, lotações, Trensurb, catamarã, estacionamentos rotativos, etc. “A licitação congelou um modelo de transporte já saturado, precisaria modicar o sistema integrando os diversos modais”, afirma Cruz.

Porto Alegre tem serviço de transporte fluvial, mas não há integração som o resto do sistema | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

5) Flexibilização das tarifas

Mauri também defende a flexibilização das tarifas como forma de atrair mais público para o transporte coletivo. Segundo ele, a passagem poderia ser reduzida em horários de entrepico, isto é, de menor ocupação. Além disso, poderia ser diferenciada de acordo com a distância. Ele também sugere que, em áreas centrais, poderiam se utilizados ônibus menores e/ou elétricos para reduzir os custos.

6) Subsídio público

O economista André Augustin, da Fundação de Economia e Estatística do Estado (FEE), apresenta uma proposta que vai na contramão do já conhecido interesse do Executivo em privatizar a Carris, empresa pública de transporte da Capital. Ele destaca que muitas cidades do mundo subsidiam o transporte público por entender que ele cumpre um papel essencial no desenvolvimento da cidade.

O economista também destaca que, no Brasil, se gasta muito dinheiro para subsidiar o transporte privado, seja através de políticas de estímulo à indústria automobilística (redução de ICMS e IPI) ou de investimentos diretos em obras de infraestrutura que beneficiam o carro. “O governo não se incomoda em gastar alguns milhões para fazer um viaduto para os carros passarem, mas acha absurdo subsidiar o transporte público. A ideia é que o passageiro têm que arcar com os custos do transporte público, só que a maior parte do custo dos carros, que é toda a infraestrutura urbana, é paga pelo dinheiro público”, ressalta.

7) Revisão da planilha

Augustin diz que a planilha utilizada para calcular o valor da tarifa costuma sempre apresentar problemas, com valores de insumos superfaturados. Ele ainda não teve acesso à atual, mas destaca que, nos últimos anos, o valor do diesel na planilha esteve sempre acima do valor de fato cobrado.

Augustin também destaca que outro fator que pesa no valor da tarifa é o fato de que ele é calculado pelo custo do sistema dividido pelo número de usuários pagantes. Prefeitura e ATP alegam que o problema do sistema é que tem aumentando o número de passageiros isentos, o que ele diz não ser verdade. Para Augustin, devido ao fato de que o número de passageiros pagantes vem caindo sistematicamente nos últimos 20 anos, a proporção de isentos de fato têm aumentado, mas isso ocorre porque os pagantes estão deixando de usar o ônibus. “Acabar com as isenções não vai resolver o problema, só vai fazer com que mais pessoas deixem os ônibus.

8) Aplicar a licitação de 2015

A licitação do sistema de transporte público previu alternativas de financiamento do sistema além da passagem. Contudo, Augustin destaca que essas opções não estão sendo aplicadas, como a reversão das receitas de publicidade nos ônibus e nas paradas. Outra opção importante de financiamento seria a utilização do rendimento dos juros das milhões de passagens do vale antecipado que ainda não foram utilizadas pelos usuários. “Pela licitação, esse dinheiro deveria estar na conta da Prefeitura e os juros seriam utilizados para subsidiar as passagens, só que esse valor está numa conta da ATP. Então, a Prefeitura está descumprindo a legislação e dando esse dinheiro de forma ilegal para as empresas de ônibus”, diz Augustin.

9) Subsídios cruzados

O curioso da situação do transporte público de Porto Alegre é que, já há alguns anos, a própria ATP vem sugerindo ações que poderiam resultar no barateamento da tarifa ou consistir em alternativas de financiamento ao sistema, mas sem serem ouvidos neste ponto. Em 2016, o diretor-executivo da ATP, Gustavo Simionovschi, defendeu que as isenções dos usuários poderiam ser financiadas com a cobrança de um valor adicional nos parquímetros da cidade, implementação de uma taxa sobre a gasolina ou a já citada cobrança de pedágio urbano para acesso a determinadas áreas por veículos privados. “Não é ser contra o automóvel, é usar racionalmente o automóvel. Temos que definir que modelo de transporte a cidade quer, um transporte racional, integrado, menos poluente, ou uma pessoa sozinha dentro de um automóvel e todo mundo parado no trânsito”, disse Simionovschi à época.

Também na ocasião, o então diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, destacou que a Prefeitura defendia junto ao Congresso Nacional a aprovação de uma legislação que permitisse a cobrança de uma Cide (Contribuição de intervenção no domínio econômico) sobre o combustível cujo valor poderia ser revertido para subsidiar o transporte coletivo. Segundo ele, caso fosse imposta uma taxação extra de 10% sobre o valor do combustível, entrariam nos cofres públicos R$ 200 milhões por ano e isso, se aplicado ao transporte coletivo, poderia levar à uma redução considerável no valor da tarifa.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora