Cidades|z_Areazero
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3 de março de 2018
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11:01

Lideranças comunitárias repudiam extinção da Fasc: ‘prefeito não sabe o que é assistência social’

Por
Luís Gomes
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CMAS convocou uma plenária às pressas para debater a extinção da Fasc | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Em reunião extraordinária convocada em razão da defesa feita pelo prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB) da extinção da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), o Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) aprovou uma carta de repúdio a esta possibilidade e a elaboração de um pedido de esclarecimentos à Prefeitura sobre o seu plano para a instituição.

Na abertura da reunião, a presidente do conselho, Maria de Fátima Cardoso do Rosário, disse que recebeu com “extrema tristeza” a fala do prefeito sobre a possibilidade de extinção da Fasc, o que considerou ser um “retrocesso lamentável”. Ela também lamentou o ato de a notícia ter chegado via imprensa ao CMAS, órgão responsável pelo controle social das políticas de assistência social do município e composto por representantes de órgãos governamentais, de trabalhadores da assistência social e de lideranças comunitárias.

Durante a reunião, foi feita a leitura de duas matérias do Jornal do Comércio a respeito desta possibilidade. A primeira, publicada na quarta-feira (28), que relata a fala do prefeito em reunião Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA), ocasião em que expressou a intenção de acabar com o órgão para tirá-lo “da mão de uma estrutura partidarizada” e de entregar a gestão da assistência social para organizações da sociedade civil. A segunda, publicada nesta sexta (2), trouxe a fala da ex-secretaria de Desenvolvimento Social e Esporte Maria de Fátima Paludo de que a instituição só serviria para dar emprego a assistentes sociais, reverberando ainda a fala de Marchezan ao afirmar que a os funcionários da Fasc são ideologicamente partidários.

Maria de Fátima (centro), presidente do CMAS, disse que foi lamentável saber da notícia pela imprensa | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Maria de Fátima, que é representante comunitária da zona norte, reconheceu que o trabalho da assistência social apresenta deficiências, mas ponderou que isso ocorre pelo sucateamento da instituição que vem ocorrendo há anos. Contudo, destacou que os servidores municipais da assistência social vêm denunciando, também há anos, desvios de recursos por pessoas indicadas pelo Paço Municipal e contingenciamento de verbas vindas do governo federal pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Além disso, Maria de Fátima defendeu que é preciso olhar não apenas para os problemas, mas para a construção de todo um trabalho de assistência social que vem sendo construído no Brasil e no município desde a Constituição de 1988 e da criação do SUAS, em 1993.

“Não podemos aceitar que um prefeito chegue com medidas para precarizar toda uma estrutura de assistência social e que desmereça o trabalho”, disse Maria de Fátima. Ela trouxe como exemplo da falta de conhecimento da atual gestão sobre o trabalho da assistência social o fato de que, em 2016, o CMAS aprovou a compra de balanças para pesar crianças de famílias beneficiárias do Bolsa Família, o que seria essencial para o acompanhamento da saúde delas, mas que, depois de passar o ano de 2017 inteiro sem ser realizado, o pedido teria sido cancelado pela Secretaria da Fazenda porque não seria necessário. “Tu não permitir a compra de balanças pra bebês, é desconsiderar o que está sendo feito e não saber o que é a assistência social”, disse, acrescentando ainda que acabar com a Fasc e passar a gestão para OSSs é voltar a um modelo assistencialista que vigorava antes da Constituição de 1988.

Conselheira representante dos usuários da assistência social da Restinga, Claudia Maria da Cruz diz que, após a divulgação da notícia, a comunidade do bairro tem lhe procurado para entender o que vai acontecer com os serviços prestados atualmente. “A precarização já existe há muito tempo, mas só piorou com o Junior”, disse Claudia, concordando que antes de 88 as políticas da área eram apenas de caráter assistencialista.

Claudia, da Restinga, foi uma das lideranças comunitárias a criticar a possível extinção da Fasc | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Ângela Maria Comunal Gomes, representante da União das Associações de Moradores de Porto Alegre (UAMPA), destacou também que a ex-secretaria Paludo nunca compareceu às reuniões do CMAS e nunca discutiu as políticas para a área com a comunidade. “Ela nem sequer nos chamou para tomar um cafezinho no corredor.

Presidente do Conselho Regional de Serviço Social (Cress-RS), Agnaldo Engel Knevitz, considerou “leviana e irresponsável” a fala da Paludo e também lamentou o desconhecimento do prefeito sobre a área da segurança social, sobre legislação da assistência social e sobre a capacidade de mobilização da categoria. “O prefeito desconhece a nossa capacidade de resistência e luta. Mas essa notícia talvez tenha vindo para a gente acordar. É uma convocação para a luta”, disse. Ele ainda ponderou que a categoria não é partidarizada, mas sim faz a defesa das políticas públicas para a área.

Ângela Maria de Aguiar da Silva, representante do Fórum Municipal dos Trabalhadores da Assistência Social (FOMTAS), também destacou que os trabalhadores vêm denunciando os desvios na Fasc e a precariedade das condições do trabalho, bem como a precarização do atendimento à população do Cadastro Único – que reúne todos os serviços públicos de assistência social, incluindo o Bolsa Família. Por outro lado, salientou que o CMAS não obteve retorno da Prefeitura a respeito de pedido de informações feito sobre os resultados da sindicância interna que apurou os desvios de recursos da Fasc. Ela ainda salientou que há 599 aprovados em concurso aguardando por convocação para atuar na Fasc – sendo que haveriam 820 cargos vagos na instituição -, mas que a atual gestão sequer está repondo os trabalhadores que pedem exoneração, o que não traria custos adicionais para a gestão.

Assessor jurídico do CMAS, Rogério Rodrigues Ferreira foi outro a destacar o desconhecimento da atual gestão sobre o trabalho da assistência social, que refletiria-se no fato de que, por lei, há áreas em que apenas servidores podem atuar, como seria no atendimento dos centros de referência de assistência social (Cras). Para ele, levar a gestão da assistência social de volta para uma secretaria seria um retrocesso. “O que está por trás disso não é acabar com a Fasc, é acabar com o Suas”, disse.

Representante da Fasc e vice-presidente do Conselho, Rodrigo Scaravonato destacou que a própria instituição foi pega de surpresar com a fala do prefeito, incluindo o atual presidente interino Rodrigo Adriano Maciel. Segundo Scaravonato, a direção da entidade irá buscar o diálogo para entender os planos da Prefeitura para a assistência social, uma vez que até agora só foram informados pela imprensa.

Rogério (dir.) questionou a legalidade da intenção do prefeito Marchezan | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Um questionamento feito durante todas as falas na reunião foi ao fato de que Marchezan teria apresentado como argumento para a extinção o fato de que a Fasc dá R$ 200 milhões de prejuízos à Prefeitura. Os conselheiros ponderaram que investimentos em assistência social são uma obrigação constitucional do poder público e um direito dos cidadãos, que não podem ser simplesmente cortados, bem como não seria o objetivo da fundação gerar receitas. Ainda foi destacado que parte dos recursos da instituição são oriundos do governo federal e que parte dessa verba já estaria contingenciada. Segundo a presidente do CMAS, há R$ 14 milhões que teriam a destinação aprovada pelo conselho e que não foram liberados pela Prefeitura.

Como encaminhamentos, os conselheiros aprovaram a divulgação de uma carta de repúdio à declaração do prefeito (ver abaixo), a elaboração de um ofício pedindo esclarecimentos sobre a declaração dele e sobre os dados que apresentou, um pedido de reunião com o próprio Marchezan, a realização de plenárias regionais nas comunidades e de um ato de protesto diante da Prefeitura. Além disso, pretendem se reunir com vereadores para debater a questão e solicitar a implementação de uma resolução para que o CMAS seja sempre consultado primeiramente sobre quaisquer mudanças que envolvam a área de assistência social e não venham a saber de informações pela imprensa.

Os encaminhamentos foram aprovados por 17 conselheiros – incluindo toda a representação de trabalhadores e lideranças comunitárias -, com seis abstenções de representantes de órgãos governamentais.

Confira a carta de repúdio:

Prefeito, a FASC não foi criada com fins lucrativos e não está a venda!

O Conselho Municipal de Assitência Social de Porto Alegre vem a público repudiar as declarações do Prefeito Marchezan Jr. no dia 27/02/2018 em reunião almoço com os empresários, onde noticiou sua intenção de extinção da Fundação de Assistência Social e Cidadania – FASC, afirmando como um dos motivos o saldo negativo de R$ 210.000,00 (duzentos e dez milhões).

Viemos informar a sociedade portoalegrense e ao Prefeito que a politica pública de assistência social prevista na Constituição Federal/88 e regulamentada pela Lei de SUAS, é gratuita, universal e não visa lucro, sendo, dever do Estado e direito do cidadão.

Este Conselho reafirma que assistencia social é política de Proteção Social e atende a quem dela necessitar, por meio da oferta de serviços e benefícios que estão sob a gestão pública estatal. Daí a necessidade da FASC enquanto órgão gestor e executor da política.

Portanto, discordamos do argumento de que a FASC apresenta déficit, já que o valor apresentado pelo prefeito se refere, na realidade, ao orçamento previsto para o exercício de 2018 que é de R$ 212.786.426,00, para a execução da política no Município. Fica evidente que Marchezan Jr. desconhece a política de assistência social. É importante ressaltar que este recurso também é composto com verba do governo federal, uma vez que Porto Alegre aderiu ao SUAS desde 2010.

A prática desta gestão está levando a cidade de Porto Alegre ao retrocesso, significando voltar aos tempos em que a Assistência Social não era considerada como política de direito, e sim utilizada como moeda de troca e com fins assistencialista, segundo a vontade dos governantes.

Um dos argumentos do Prefeito de acabar com a FASC “é tirá-la da mão de uma estrutura partidarizada”, nos surpreende esta afirmação uma vez que é de sua competência nomear o Gestor e os 44 cargos de confiança da Fundação, salientando que todos estão completos. O Conselho pergunta: a que isso se refere e o que isso tem a ver com a extinção da FASC?

Da mesma forma indagamos: quando o Prefeito se refere “precisamos extinguir com o formato juridico correto”. Isso demonstra mais uma vez a sua negação quanto a existencia da Lei de Reordenamento da FASC, aprovada na Câmara de Vereadores em 8 de Outubro de 2014, fruto de um processo amplo e democrático, construido com este conselho, gestão, trabalhadores e sociedade civil.

As suas falas expressam que mais importante do que atender o público da assistência social, é “tapar buracos e capinar”. O CMAS lamenta repudia a sua escolha.

E finalmente gostaríamos de lembrar ao Prefeito e dizer à sociedade, que este conselho ainda não recebeu, apesar de várias vezes ter cobrado oficialmente, o resultado das sindicâncias e inquéritos administrativos que se tem noticia sobre ao mau uso dos recursos da FASC até então.


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