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12 de março de 2018
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21:29

Câmara de Vereadores derruba veto de Marchezan e mantém recursos para ‘Adote um Escritor’

Por
Sul 21
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Escritores e professores protestam na Câmara durante sessão que derrubou veto do prefeito aos recursos para o Adote Um Escritor | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

A sessão desta segunda-feira (12) foi a terceira em que o auditório do Plenário Otávio Rocha teve professores, escritores, apoiadores da comunidade segurando a mesma placa amarela nas mãos: #souadote. O protesto era a defesa ao programa Adote Um Escritor, que existe há 17 anos nas escolas municipais de Porto Alegre, ameaçado por um corte de verbas que, segundo a Associação Gaúcha de Escritores (AGE), dificulta sua execução de maneira efetiva.

Em votação, os vereadores derrubaram o veto do prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB) à emenda nº 86, que encaminha R$ 400 mil para o projeto. O valor corresponde a 40% do que orçamento pago até o governo de José Fortunati (sem partido), segundo a vereadora Fernanda Melchionna (PSol).

“Para o programa acontecer da maneira que deve acontecer é necessário o valor total que era destinado, em torno de R$ 900 mil ou R$ 1 milhão. No ano passado, para não decepcionar as escolas que aguardam muito esse programa, a gente conseguiu fazer, não de uma maneira efetiva, com os R$ 200 mil liberados”, explica o presidente da AEG, Christian David.

Na tribuna, ele foi contundente no apelo aos vereadores: “Uma criança com um livro na mão não tem espaço para uma arma”.

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Fernanda Melchionna é presidente da Frente Parlamentar do Livro e da Leitura | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A emenda à qual se refere o veto foi proposta por Melchionna, que preside a Frente Parlamentar em Defesa do Livro e da Leitura, junto a Reginaldo Pujol (DEM), Sofia Cavedon e Adeli Sell (PT), com apoiadores entre oposição e base do governo. Na segunda vez em que a pauta foi colocada e não teve tempo de ir para apreciação, na quarta-feira (07), o governo anunciou que teria R$ 300 mil para destinar ao programa.

“Essa verba é bem clara, ela é retirada da publicidade. Nós nunca retiramos verbas de áreas sociais ou áreas que necessitam de recursos como educação, como as creches, outros equipamentos que também estão sucateados no governo Marchezan. O fato é que ele tem tentando desmontar as políticas de leitura. Ano passado, só houve o Adote porque tivemos uma mobilização de nove meses em Porto Alegre, com escritores, bibliotecários, comunidade”, afirma Fernanda Melchionna.

Segundo a Secretaria Municipal de Educação (Smed), ao contrário do que dizem os vereadores que pedem a derrubada do veto, “não há redução” na verba do programa. Ele passaria de um orçamento de R$ 214 mil, em 2017, para R$ 300 mil, em 2018. A comparação, porém, analisa apenas números do próprio governo Marchezan.

A redução dos quase R$ 1 milhão, pagos pelo governo anterior, para a verba de R$ 214 mil, se deve “à crise financeira da prefeitura”, segundo o órgão. “O objetivo é manter o foco do programa, que é o contato do aluno com o escritor. Em 2017, mesmo com a redução do valor, 98 das 99 escolas realizaram o programa – só uma não, por vontade da escola. Foram repassados valores para pagamento do cachê do autor, aquisição de livros e visita à Feira do Livro”, disse a Smed ao Sul21.

Para o vereador Luciano Marcantônio (PTB), que falou pelo governo na tribuna, a emenda proposta pelos vereadores teria “vício de origem técnico”. Segundo ele, não poderia vir de recursos que já estão comprometidos para outra área, que é a verba publicitária. “Ele não pode ser mexido, legalmente”.

“O projeto existe há várias gestões, é importantíssimo. Inclusive, o secretário municipal de educação, que é um apoiador e incentivador do projeto, está disposto a se reunir com os vereadores que trabalham com esse segmento para potencializar, buscar mais recursos”, diz o vereador.

Presidente da Associação Gaúcha de Escritores, Christian David | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Programa trabalha em 99 escolas

Criado há 17 anos, na prefeitura de Tarso Genro (PT), o Adote Um Escritor leva escritores para dentro de escolas municipais para conversar com estudantes. Além disso, ele inclui atividades e debate e aquisição de livros para o acervo das bibliotecas das 99 escolas municipais da Capital.

“A verba é usada para vários fins. Uma, para compra de livros para as escolas do autor e para abastecer a biblioteca. Também prevê gastos com ônibus que levam crianças à Feira do Livro, muitas dessas crianças da periferia nunca têm a chance ir ao Centro. Inclui ainda um cachê para os escritores. A Câmara Rio-grandense do Livro se encarrega de outros valores, não é apenas a Prefeitura”, explica David.

O programa atende alunos de primeiro a nono ano, além de ajudar com alfabetização e interpretação de texto. Segundo a professora Anna Beatriz Domingues, que coordena a biblioteca da Escola Municipal Alberto Pasqualini, na Restinga, ele também influencia na sensibilidade.

“Eu tenho pasta na biblioteca, em que os alunos sugerem títulos. A verba que a gente tinha na escola, com 1,4 mil alunos, era de R$ 8 mil e não dava conta. Eles da rede leem. Eles conhecem os escritores, eles têm desejos de conhecer os livros, eles pedem”, diz ela. No ano passado, a verba caiu para R$ 1 mil, o que exigiu cortes de atividades.

Em agosto de 2017, a prefeitura chegou a apresentar um aplicativo que supostamente substituiria o Adote: Elefante letrado. Ela diz não ser contra a iniciativa, mas lembra que a escola não teria estrutura para implantar a mesma. Sem wi-fi, a escola teria 10 computadores no laboratório de informática e apenas um na biblioteca. O que faz com que a relação dos alunos com os livros, em papel, sejam ainda mais significativa.

“Como uma criança que não dormiu, porque teve tiroteio no bairro, vai para a escola no outro dia e aprender como outra criança? Depois querem falar de ‘índices’. Quando tu vai para a biblioteca, tu lê um livro, vai para um mundo de fantasia”.


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