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6 de março de 2018
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11:56

Brigada Militar retira famílias de prédios do Minha Casa, Minha Vida ocupados na zona norte

Por
Sul 21
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Da janela de Solange, seus filhos acompanhavam os mais de 500 brigadianos que foram mobilizados para a operação. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Giovana Fleck

Às 6h da manhã desta terça-feira (06), pontualmente, efetivos da Brigada Militar começaram a cercar uma das entradas da Avenida Assis Brasil, na Rua Senhor do Bom Fim. Ali, 364 famílias ocuparam, por um ano e três meses, empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida.

Em um dos primeiros prédios, perto de onde o BOE se reunia, um menino se apoiava na janela do segundo andar para ver a movimentação. “Espera aí que eu vou chamar a minha mãe!”, gritou. Logo, apareceu na janela Solange. Ela já havia sido entrevistada pelo Sul21, em um ato no dia 28 de fevereiro. Na ocasião, contou que procurou diversas instituições públicas assim que soube da reintegração. Como resposta, foi informada que sua única opção seria ir para um abrigo, onde ficaria separada dos três filhos.

Solange e a filha Camila observam os efetivos. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Solange está entrando na fase final de sua gestação. Porém, nos últimos dias, conta ter sentido dores por conta do estresse da reintegração. Em seu apartamento, todos os seus móveis estão organizados perto da porta. Televisão, geladeira, máquina de lavar roupas, sofá – além dos pertences pessoais – foram empilhados para facilitar o transporte. Os três quartos estavam vazios. Da janela de Solange via-se o paredão formado pelo BOE. Até a noite anterior, ela não tinha para onde ir. “Meu compadre conseguiu uma peça alugada pra gente. Senão, a gente ia pra rua”, conta, chorando.

Os condomínios foram construídos como parte de um projeto que implica na retirada de famílias da Vila Nazaré para a ampliação da pista do Aeroporto Salgado Filho. Os apartamentos deveriam abrigar até 1.200 pessoas que seriam removidas antes do início da construção.

Porém, muitas famílias não quiseram sair da Nazaré. A situação fez com que os empreendimentos ficassem vazios, possibilitando que outras pessoas – de diversas partes da cidade – que não tinham onde morar, se organizassem no que virou a Ocupação Senhor do Bom Fim.

Os últimos meses foram marcados por reuniões com a Caixa Econômica Federal e representantes da Prefeitura, onde os moradores tentavam conseguir alternativas de moradia. Porém, nada foi feito e a reintegração de posse foi garantida para o dia 06 de março de 2018.

Centenas de caminhões de mudança foram contratados pela Caixa para remover os móveis durante a reintegração. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Desesperadas e sem perspectiva de ter onde ficar, algumas famílias se mobilizaram na última semana em frente à Prefeitura. Organizaram dois atos para tentar conseguir reuniões com a Fasc, mas sem sucesso.

No final da noite de segunda-feira (05), o Batalhão de Operações Especiais chegou ao local para montar um acampamento dentro da ocupação. “Disseram que se eu filmasse iam quebrar meu celular”, afirma a moradora Tatiane Santos.

Bruna Rodrigues: “Quando morar é um privilégio, ocupar é um direito, né?” Foto: Joana Berwanger/Sul21

O Coronel Otero, comandante da operação, nega qualquer ato de violência por parte dos efetivos. No entanto, mesmo sem mandado, a luz e a água dos prédios foram cortadas na noite de segunda. A eletricidade só retornou após intervenções de deputados e do Ministério Público. O mesmo ocorreu com o abastecimento de água. “Eu só ouvia as crianças gritando”, conta Bruna Rodrigues, funcionária do gabinete da deputada Manuela D’Ávila que acompanhava a ocupação desde seu início. “São pessoas que não têm outra alternativa. Quando morar é um privilégio, ocupar é um direito, né?”, opina.

Por conta disso, cerca de metade dos moradores deixaram as unidades com medo do que poderia acontecer. Os que ficaram tiveram que iniciar o processo de desocupação em torno das 7h da manhã. Segundo Otero, foram mais 500 oficiais da Brigada Militar e 80 agentes da Polícia Federal que realizaram a operação. Todos armados e, ainda, com o auxílio de um helicóptero para monitoramento. “Viemos com um efetivo muito grande para causar um impacto visual e psicológico muito forte para que inibisse qualquer reação.”

“Onde eu vou morar?”, gritava Maria Medianeira para os funcionários da Caixa. Aposentada, ela afirma que não tem condições de pagar um aluguel em um imóvel que possa abrigar ela e seus quatro netos. “Procurei pela cidade inteira. O melhor que eu achei custa R$ 600. Mas daí eu pago a aluguel e não compro comida.”

Adriano, um dos líderes da comunidade, dentro do apartamento que foi sua casa por um ano e três meses. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Centenas de caminhões de mudança contratados pela Caixa se posicionaram para fazer a retirada dos móveis. Nenhum morador tentou resistir. Funcionários da Caixa que acompanhavam a reintegração informaram que uma empresa de segurança particular contratada por eles ficará no local após a desocupação. Um dos líderes comunitários da Senhor do Bom Fim, Adriano Silva, afirma que o mais triste, para ele, é a falta de consideração com as pessoas que já chamavam os empreendimentos de casa. Ele conta que, após a energia geral dos condomínios ter sido desligada, uma senhora idosa passou mal por necessitar de oxigênio constante através de um aparelho elétrico. “Ela saiu de ambulância. Mesmo que hoje tudo esteja tranquilo, a gente não sabia o que fazer ontem.”

“Vocês são de onde?”, perguntou um homem que acendia um cigarro. “Do Sul21.” “Então tira uma foto minha, […] porque agora eu vou morar na Prefeitura”. Ele se apresentou como Eduardo Demarch. Não tem família e morava em Gravataí antes da ocupação. “Perdi tudo.”

Confira mais fotos: 

Os moradores ainda recebiam correspondências. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21
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Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21
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