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21 de janeiro de 2018
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11:13

Sob o viaduto do Brooklyn, ocupação de espaço público com batalhas de MC’s

Por
Sul 21
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Confronto dos finalistas na Batalha do Brooklyn. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Giovana Fleck

Quando Marlon Fernando era criança, escutava rap americano com o pai: Ice Cube, Eminem, N.W.A. Não demorou para começar a escrever. Descobriu, assistindo vídeos na internet, que aconteciam batalhas de rap em Porto Alegre. Virou ‘MF’ e, desde então, se desloca do bairro Medianeira até o Centro para batalhar. “Os manos acolhem todo mundo, é uma família mesmo”, resume.

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Há dois tipos de batalha de rap: a do conhecimento e a de sangue. Na primeira, os MCs têm que desenvolver as rimas a partir de temas que podem ser pré-estabelecidos pelos organizadores ou escolhidos pela plateia no momento do evento. Já na segunda, os MCs devem atacar verbalmente o seu adversário. Ambas são duelos de improvisação baseados na espontaneidade.

As batalhas ocorrem semanalmente, embaixo do viaduto. Foto: Guilherme Santos/Sul21

O hip hop é uma força cultural global. Pode remeter à ostentação, ao luxo. Mas seu começo foi baseado em improvisos criativos de pessoas com poucos recursos. Por muito tempo, o Parque Farroupilha – ou Redenção – concentrou boa parte dos eventos do hip hop na cidade. “Só que, quando chovia, o pessoal corria aqui pro Brooklyn”, lembra MF. Na João Pessoa, entre o Centro e a Cidade Baixa, o viaduto Imperatriz Dona Leopoldina perdeu o nome imperial e se transformou no Brooklyn. Desde o final da década de 1990, é ponto de encontro para skatistas da cidade, que ali construíram rampas, ergueram postes e muros.

Há dois anos, MF se perguntou porque o viaduto não tinha batalhas fixas. “Ninguém tinha se dado conta, então eu organizei um evento no Facebook e muita gente aderiu”. A Batalha do Brooklyn é semanal, tem o final de tarde de sexta-feira reservado. “É sexta, sabe? Os caras podiam estar fazendo mil coisas, mas estão aqui. Saem do trabalho ou da aula correndo para apoiar a cultura”.


“Sangue”, ecoa em sonoro e uníssono grito pelo Brooklyn. “Quando os soldados vão pra guerra, precisam gritar algo forte, algo que fique com eles. A gente batalha, então ‘sangue’ é a nossa palavra de incentivo”, explica Rafael Delgado. As mais de 30 pessoas em círculo, embaixo do viaduto, aplaudem e se preparam para o início do confronto. MF tira da mochila o caderno onde estão anotados os nomes dos desafiantes da vez. “São quatro rodadas de cinco rimas cada”, explica, se colocando em destaque encima de um dos muros do skate.

Além de batalhar, Rafael Delgado também é organizador do Slam Matriz. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Delgado não só batalha, como também é um dos criadores do Slam Matriz, de Viamão. Ele lembra como o Brooklyn acolheu esse outro expoente da poesia e do improviso. “Muitas vezes, a gente não sente que a cidade nos pertence. É fácil passar por aqui e ignorar. Mas o hip hop é da rua e existe pra levar as pessoas para as ruas”, afirma, ao listar os eventos que frequenta só no Brooklyn: slams, batalhas e, até, cumbias e sambas. O público é diversificado. Fora os eventos, feiras de rua são organizadas embaixo do viaduto algumas vezes por ano além das feiras de vinis – organizada pela loja vizinha.

O fato de a musicalidade no rap vir das rimas abriu espaço para a evolução de outras expressões: mestres de cerimônias, ou MCs, começaram a mandar chamados rimados ao público no microfone; passos e movimentos de dança específicos se desenvolveram, com as rodas formando “palcos” paralelos onde brilhavam pessoas do público, ganhando o nome de “breakdancing”. O grafite, o DJ, o MC (ou rapper) e o breakdancing juntos formam os quatro pilares da cultura hip hop. “No Rio Grande do Sul, a cultura hip hop ainda é fraca. Mas quem tá aqui, tá fora de coisa errada. Tão aprendendo, porque isso é troca de experiências e de informações”.

O rimador Seco de Fênix foi o ganhador das batalhas do dia. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Seco de Fênix foi o vencedor da noite. Ele não revela o nome de registro. Seco era apelido de criança, que ele odiava. “Mas pegou, e eu tive que aceitar”. Fênix também remete à infância: seu personagem preferido do desenho Cavaleiros do Zodíaco se chamava Ikki de Fênix. Ele vê a ocupação de espaços como o Brooklyn como algo “extremamente necessário”.”O rap é a voz do hip hop, então ele não pode estar distante dos outros elementos. E é interessante, porque são princípios de paz, da igualdade e da diversão”.

Natural de Pelotas, mas criado em Rio Grande, Seco dedicou seus últimos anos a percorrer o Brasil por meio do projeto Alquimia Espiritual para disseminar o hip hop. “Por mim, teríamos rap em cada rua e quem estaria batalhando não seriam só os MCs; seriam as mães, as tias, os pais – porque todo mundo pode batalhar”, termina, com um sorriso largo.

Confira a galeria:

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

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