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26 de janeiro de 2018
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21:11

Artistas cobram da Prefeitura dívidas de R$ 6,8 mi e retomada de fundos de incentivo

Por
Luís Gomes
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Representantes de cinco entidades culturais protocolaram pedido de investigação junto ao MP | Foto: Divulgação

Luís Eduardo Gomes

No último dia 18 de janeiro, representantes de cinco entidades de artistas e profissionais ligados à cultura protocolaram junto ao Ministério Público um pedido de investigação para que a Promotoria de Defesa do Patrimônio de Porto Alegre averigue irregularidades e desvios de recursos que deveriam ser destinados ao Funcultura e ao Fumproarte pela Secretaria Municipal da Cultura. As entidades cobram o pagamento de cerca de R$ 6,8 milhões destinados a projetos e prestadores de serviços referentes ao fundo e a retomada da contratação de produções artísticas, que foi congelada em 2017.

Segundo as entidades, a gestão do prefeito Nelson Marchezan Júnior, logo no início, anunciou aos artistas que iria congelar por três meses todos os pagamentos a prestadores de serviços e projetos contratados, mas este congelamento teria permanecido durante todo o ano de 2017 sem que a Prefeitura se manifestasse oficialmente sobre como e quando irá quitar as dívidas.

Fábio Cunha, presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado RS (Sated-RS), diz que as entidades culturais têm duas pautas com a Prefeitura, o pagamento das dívidas atrasadas com produtores culturais da cidade e que a legislação que rege os fundos para a cultura seja aplicada. Segundo ele, a lei que estabeleceu o Funcultura (Lei 6.099/88) diz que o fundo deverá ser financiado com valores equivalentes a 3% dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), feitos pelo governo federal. Segundo o Observatório da Cultura, esse montante, em 2017, giraria em torno de R$ 7,5 milhões. A lei que criou o Fumproarte (Lei 7.328/93) estabelece que o valor do fundo é igual ao Funcultura.

Cunha destaca que o Funcultura é uma verba destinada à Secretaria da Cultura para gerenciar repasses a projetos de seu interesse – como o Porto Alegre em Cena, Cine Esquema Novo, Usina das Artes e Prêmio Açorianos -, enquanto o Fumproarte tem por objetivo que artistas e a comunidade artísticas disputem financiamento via edital.

As entidades dizem que o orçamento de 2017 da Prefeitura previa a destinação de R$ 1 milhão para o Fumproarte, mas que nem este valor foi repassado, o que estaria levando ao “colapso extremo” do fundo, que, desde 1994, financiou cerca de 1 mil projetos culturais, movimentando a economia cultural da cidade e se tornando um premiado modelo de incentivo para outras instituições no Brasil.

“A gente sabe que tem crise, só que o dinheiro do fundo é repassado pelo governo federal para o município. Independente da crise, a cultura gerou R$ 7,5 milhões. Houve esse repasse. O que estamos pedindo é para o MP investigar isso. O que aconteceu com esses R$ 7,5 milhões”, afirma Cunha.

Ele explica que, em 2017, houveram duas audiências com a Secretária de Cultura, uma específica sobre o Fumproarte, em que a pasta informou que iria priorizar os pagamentos atrasados até 2019 e que só então voltaria a lançar editais. Contudo, Cunha destaca que os fundos deveriam ser alimentados anualmente com os repasses federais. “O que acontece é que a Prefeitura trabalha hoje com a conta única e a Fazenda não faz o repasse”, diz.

Segundo ele, a dívida do Fumproarte referente aos anos de 2013 e 2016 seria de R$ 2,2 milhões, segundo teria informado a própria Secretaria da Cultura em reunião. Cris Reque, diretora do Sindicato da Indústria Audiovisual do RS, diz que as entidades culturais estimam que a Prefeitura deva cerca de R$ 6,8 milhões em valores atrasados do Fumproarte e do Funcultura, entre repasses a projetos e prestadores de serviço que ainda não receberam.

Reque tem dois projetos audiovisuais aprovados pelo Fumproarte no edital de 2016 que aguardam os repasses de contrapartida da Prefeitura para terem verbas da Ancine liberadas.

Apresentação do espetáculo Silêncio Enlouquecedor, do grupo Cie Kumulus, dentro da programação do Porto Alegre em Cena de 2015 |Foto: Guilherme Santos/Sul 21

Artistas não verão projeto ser finalizado

Um dos projetos que há mais tempo está na fila para ser pago pelo Fumproarte é o livro “A Casa do Artista Riograndense e a Memória Viva do Radioteatro em Porto Alegre”, que contaria a história da entidade fundada em 1949, na rua Anchieta nº 280, em Porto Alegre, para abrigar artistas idosos e em final de carreira que passam por dificuldades financeiras. Presidente da Casa e um dos responsáveis pelo projeto, Luciano Fernandes, destaca que o projeto começou a ser pensado em 2013 e venceu um edital do fundo em 2014.

Uma verba inicial foi repassada para a fase de produção do projeto, que já teve todos os seus textos escritos e as vozes a serem utilizadas em uma gravação de radioteatro já captadas, mas, como ficou faltando de 30% a 40% dos repasses – um total de R$ 32 mil – o projeto nunca foi finalizado. “Ele está pronto para ser lançado, mas faltam recursos para a última fase, editoração e impressão”, diz Luciano.

Ao todo, sete artistas gravaram vozes para o radioteatro ou textos para o livro, mas dois deles já faleceram antes mesmo de ver a obra pronta. “É um projeto super interessante, porque muita gente nem conhece a Casa. Tínhamos a intenção de ajudar a Casa a se reerguer e é muito frustrante”, diz Luciano. “Eu entendo as questões econômicas, mas o que eu fico mais sentido é que está prejudicando artistas que já estão numa fase da vida que não é legal ter desilusões. Isso causa até depressão neles. Eu fico mais triste porque é uma injustiça com eles”.

Posição da Prefeitura

Em nota divulgada na última quinta-feira (25), a Secretaria da Cultura do Estado argumenta que a atual gestão recebeu a Prefeitura no início de 2017 com mais de R$ 500 milhões em dívidas com fornecedores e fundos e que tem encontrado dificuldades para cumprir com serviços básicos, como capina e merenda escolar. Contudo, informa que a atual gestão da pasta tem se empenhado em pagar as despesas deixadas desde 2013, com prioridade para as mais antigas e que vários pagamentos já foram realizados.

Com relação ao Fumproarte, diz que foram feitos pagamentos na ordem de R$ 157.747,32 relativos ao período entre 2013 e 2016. Com relação ao Funcultura, os pagamentos somados seriam da ordem de R$ 737.140,05. A SMC diz que, somente em relação a projetos contemplados em 2016, a gestão anterior deixou uma dívida de R$ 1,42 milhões.

A nota finaliza dizendo que gestão está comprometida e empenhada em manter e aprimorar a gestão dos fundos, que considera uma conquista da cidade e da comunidade cultural de Porto Alegre. A reportagem encaminhou à Secretaria da Cultura uma série de outros questionamentos sobre o Funcultura e o Fumproarte, mas até a publicação desta matéria não haviam sido respondidos.


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