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15 de dezembro de 2017
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09:56

Prevista para 2019, revisão do Plano Diretor ‘engatinha’ sob temor de redução da participação popular

Por
Luís Gomes
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Processo de discussão do Plano Diretor ainda não começou | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Quando assumiu a Prefeitura em 1º de janeiro de 2017, Nelson Marchezan Júnior (PSDB) assumiu também a tarefa de ser o responsável pela revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) de Porto Alegre. Um Plano Diretor é, via de regra, um mapa do planejamento urbano da cidade. É ele que define os regimes urbanísticos, isto é, o que pode ser construído em cada região. Mas, além disso, define quais devem ser os rumos do desenvolvimento da cidade, quais áreas serão priorizadas para receber tal tipo de moradia e empreendimentos comerciais e qual a finalidade. Pela legislação federal, esse processo deve ser participativo, isto é, passar por um processo de discussão com a população — por meio de reuniões, audiências públicas e outros processos — durante suas etapas de elaboração e votação. Até o momento, no entanto, a gestão não apresentou quais serão as diretrizes da revisão e tampouco iniciou o processo participativo, o que liga o sinal de alerta de que a sociedade pode ser acionada para contribuir com a discussão menos do que nas revisões anteriores.

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Tradicionalmente, a cidade tem elaborado novos planos a cada 20 anos. O último, em vigor, data de 1999, ainda na gestão Raul Pont (PT) — os dois anteriores datam de 1959 e 1979. O Estatuto das Cidades, lei de 2001, determina que essas legislações sejam revistas a cada 10 anos. Uma revisão no atual PDDUA ocorreu em 2010, no governo de José Fogaça (PMDB), o que faz com que uma nova revisão precise ser feita até 2020.

A importância do tema e a exigência de participação popular fazem com que o processo de revisão leve vários anos. Na última vez, as discussões começaram em 2007, com a aprovação final ocorrendo apenas em 2010. Ao longo das últimas semanas, a reportagem fez uma série de contatos com a Prefeitura em busca de um posicionamento sobre a questão, mas não obteve retorno. Por meio da assessoria de imprensa, o secretário municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smams), Mauricio Fernandes, informou apenas que a revisão será iniciada no próximo ano com “diretriz do prefeito para ampla participação”.

Em reunião realizada na Câmara de Vereadores no último dia 12, o secretário informou que a proposta do Executivo para revisão do PDDUA deve ser entregue à Câmara apenas no final de 2019, com previsão de ser votada e aprovada em 2020. Fernandes, contudo, destacou que o processo de discussão deve ser iniciado em 2018. Na ocasião, ele fez uma crítica à última revisão, dizendo que foi muito focada em questões relativas à construção civil, e defendeu que a próxima discussão também seja voltada para a gestão do uso do solo e a qualidade de vida das pessoas. “A agenda global estabelece que o desenvolvimento econômico deve estar junto com o social e ambiental”, disse.

No mesmo encontro, o presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Câmara, vereador André Carus (PMDB), disse que a Casa instalará já em janeiro de 2018 uma comissão revisora do Plano Diretor para fazer uma análise prévia do tema, mas salientou que os debates entre os vereadores só deverão ser intensificados a partir do envio do projeto do Executivo.

Diminuição na participação

Apesar de a Prefeitura manter a posição de que o processo de revisão contará com ampla participação, isso não é o que tem se visto até o momento. Presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Rafael Passos destaca que entidades de urbanistas têm tentado manter um diálogo com a Prefeitura sobre o tema há meses, mas pouco tem avançado. “Essa é uma preocupação principal nossa, mas temos uma crítica à administração pela falta de transparência, que fica comprovada pelo fato de que ninguém consegue ter acesso ao que está sendo tratado”, diz.

Na mesma linha, o presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA), Luiz Antonio Marques Gomes, diz que já se reuniu com o prefeito Marchezan e aliados e pressionou-os para começar a discussão do Plano Diretor, mas que pouco ou nada foi feito até agora. Gomes destaca que um indicativo da falta de ação é o fato de que o Executivo sequer convocou a eleição para os representantes do conselho que serão responsáveis por debater o tema. O pleito já deveria ter acontecido, mas a Smams informou que o edital de convocação para as eleições deve ser lançado ainda em dezembro, estabelecendo prazo para inscrição das chapas até fevereiro e marcando a eleição para março. As datas para essas etapas ainda não são definitivas.

Gomes, no entanto, diz que o CMDUA decidiu já iniciar a discussão sobre o novo Plano Diretor por estar claro, desde dezembro do ano passado, a “falta de iniciativa” do novo governo. Ainda assim, mesmo já esperando problemas, ele diz que foi surpreendido negativamente pela lentidão e confusão do governo e destaca ainda que tem percebido um ataque às estruturas de participação democrática da cidade, o que afeta diretamente os conselhos municipais. Está tramitando na Câmara um projeto que busca mudar as regras de composição dos conselhos municipais, o que pode afetar diretamente o CMDUA. “Ideologicamente, é um governo com a preocupação de retroagir as conquistas que Porto Alegre teve no campo da democracia participativa. É uma pauta objetiva, existe um projeto do governo na Câmara no sentido de reduzir a autonomia dos conselhos”, diz.

Hoje, o conselho é composto por 27 membros, sendo um terço de representantes governamentais, outro de entidades da sociedade civil e o terço final de representantes eleitos pelas regiões do orçamento participativo da cidade. Gomes avalia que, com o projeto em tramitação na Câmara, o governo quer mudar essa estrutura para metade de representantes governamentais e metade da sociedade civil.

Professor John Würdig, da UniRitter |  Foto: Maia Rubim/Sul21

Professor e coordenador do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da UniRitter, John Würdig, que tem estudado a questão dos planos diretores no Brasil, explica que o Estatuto das Cidades traz a determinação de que a sociedade deve ser consultada para elaboração e aprovação dessas políticas. Segundo ele, no entanto, com frequência o Ministério Público acaba ajuizando Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) para questionar municípios que elaboraram seus planos sem a participação popular obrigatória.

Este não foi o caso de Porto Alegre nas últimas revisões, mas John pondera que os processos participativos na cidade poderiam ser aprimorados. Para ele, já poderiam estar sendo realizados, por exemplo, debates sobre o tema dentro das universidades, nos cursos de engenharia, arquitetura e urbanismo e outras áreas afins. “Por que não tem uma audiência pública aqui no auditório lotado para discutir o Plano Diretor? No momento em que eu tenho um processo mascarado, em que é muito fácil lotar um auditório só com quem eu queira, o que me impede de aprovar um Plano Diretor dessa forma?”, questiona.

Expansão desordenada

O Plano Diretor é um mapa das estratégias de planejamento urbano da cidade. O professor John pondera que os planos diretores devem ter por objetivo desenvolver as potencialidades das cidades, induzir o desenvolvimento, identificar áreas irregulares para transformação em áreas de interesse social, etc. Por exemplo, um dos conceitos previstos no Estatuto das Cidades é a questão da função social da propriedade — a determinação de que imóveis e terrenos devem cumprir uma função social, não ficarem abandonados –, que deveria estar contemplada no Plano Diretor, segundo ele.

Quando o Plano Diretor é mal feito ou não é seguido acaba em resultados negativos para a cidade que vão além da construção civil. Em 2007, durante as discussões da última revisão, o vereador Adeli Sell (PT) pareceu antever o que viria a acontecer nos anos seguintes. “Um Plano Diretor pode significar a vida ou a morte de uma cidade”, disse na ocasião.

O que se viu, de lá para cá, foi uma grande e rápida expansão para as periferias de Porto Alegre, com o trânsito se transformando em um verdadeiro caos, um problema de mobilidade causado por um planejamento equivocado e que agora resulta na falência do sistema de transporte público da Capital. Essa avaliação é compartilhada pelo arquiteto Antônio Carlos Zago, diretor de Assuntos Imobiliários do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS). “O que nós pensamos 10 anos atrás, que reflexo está tendo hoje? Talvez a aplicação do arcabouço tenha dado um resultado que não é o melhor que esperávamos”, diz, destacando que é preciso agora, então, pensar um novo arcabouço que traga melhores resultados no futuro.

Zago avalia que Porto Alegre teve uma expansão territorial desnecessária, em especial com o avanço da cidade em direção à zona sul. Ele destaca que o bairro Restinga, por exemplo, virou uma espécie de cidade dormitório. Além disso, no Centro, onde muitos edifícios residenciais ao longo do tempo foram adaptados para salas comerciais, hoje há milhares de espaços ociosos que poderiam ser alvo de uma política habitacional diferente do que a levada a cabo.

“Talvez tenha faltado lá atrás uma visão em relação ao tempo, entender que as nossas ruas estariam mais congestionadas, que o acesso dessas pessoas ao trabalho estaria dificultado, poderia ter gerado esses lugares mais próximos. Eu não diria que chegou no limite, acho que foi feita essa expansão desnecessária que, para tu chegar na Restinga, tu passa por várias vazios urbanos”, destaca.

Gomes concorda que a cidade se espalhou demais e reconhece que o CMDUA, devido à falta de planejamento, acabou tendo participação nisso. Cita como exemplo ocupações que acabaram sendo regularizadas pelo conselho e que se desenvolverem em lacunas da cidade, mas que não poderiam ser removidas pois não há alternativas para as famílias. Isso, no entanto, traz consequências para a cidade. “Quanto tu vê, tens uma mancha de população aqui, outra ali. E a infraestrutura para isso? Esgoto, água, luz? É uma cidade burra”, diz.

Para ele, esse desordenamento urbanístico só pode ser revertido com uma tomada de posição do poder público. “Hoje, tu tens o raio-x da cidade em diversos registros, tu tens é que tomar uma posição e uma posição forte, enquanto governista, que a cidade vai densificar aqui, vai crescer para cá, aqui não vai crescer”, diz.

Para Rafael Passos, um dos grandes problemas dessa expansão é que não se buscou complementar o crescimento da cidade com o desenvolvimento de polos comerciais próximos. “Tu tens bairros planejados que não condizem em nada com os princípios do Plano Diretor. Um Terraville, um Alphaville, o Central Parque, que tu tens que sair de casa de carro para comprar pão. Me explica onde é que está sendo atendido os princípios da prioridade ao transporte público e ao pedestre nesses empreendimentos? Isso passou pela CMDUA, para tu ver como a regra é permissiva. Permitiu tudo aquilo. Então, é uma falácia dizer que esse plano restringe o desenvolvimento”.

Condomínio Central Parque, na Ipiranga, é um verdadeiro bairro projetado, mas não há comércio a curta distância | Foto: Maia Rubim/Sul21

Ele avalia que o atual PDDUA não é ruim em termos de estratégias propostas. Defendia, por exemplo, uma maior densificação da cidade, um conceito que é considerado moderno. O problema, porém, é que não trazia as regras para garantir a implementação destes princípios. “Quando tu tens um Plano Diretor e tens regras, não dá para dizer que não tens um planejamento, agora esse planejamento vem mudando ao sabor dos interesses de grupos com alto poder de influência política, tanto sobre o executivo, como sobre o legislativo”, diz.

Passos cita como exemplo da influência do poder econômico no regime urbanístico da cidade uma decisão tomada pela Câmara em outubro de 2015, que reverteu para regime urbano parte da área rural da Fazenda Aras do Arado, localizada entre Belém Novo e Lami, com o objetivo de permitir a construção de condomínio de luxo.

O presidente do IAB avalia que uma parte do senso comum em Porto Alegre já começa a perceber que muitos dos problemas da cidade — em termos de mobilidade e falta de acesso a serviços e infraestruturas — foram criados, ou ao menos amplificados, pelo crescimento desordenado da cidade. Contudo, ele avalia que este é um processo de difícil reversão, uma vez que o mercado da construção civil é um dos pilares do desenvolvimento econômico brasileiro desde a ditadura militar, tendo sido fortalecido a partir do segundo governo Lula e no primeiro governo Dilma, com políticas como o Minha Casa Minha Vida.

“É curioso que um dos princípios do PDDUA é a cidade compacta, que é justamente o contrário desse crescimento para a zona sul, que é uma cidade que se espalha, e sobretudo num modelo que acaba exigindo que a mobilidade se concentre no transporte individual, o que encarece o transporte público também. Se tu tens uma grande parte da cidade que está se constituindo com menor densidade e com modelo de tarifa única, que a gente defende por conseguir manter alguma justiça, acaba fazendo com que essa parte da cidade encareça o sistema como um todo. Além disso, essa parte da cidade também cresce com pouco avanço de espaços públicos. Qual é o grande parque criado, de uso comum, na zona sul nesse mesmo período? Não há. Praças? Pequenas praças que são doação por parte do empreendedor e que o poder público acaba não equipando”, diz.

Para o arquiteto, o atual modelo de expansão do mercado imobiliário, voltado para as classes médias e altas, está produzindo uma “não cidade”. “Uma cidade que está cara, que não favorece o pedestre, que não é miscigenada como se propôs, em que vários empreendimentos habitacionais saem sem ter um comércio de rua. Basta ver por exemplo a Carlos Gomes, em comparação com outros trechos da cidade. A Carlos Gomes é uma avenida que não cria um polo atrator de comércio local para toda uma área estritamente residencial”, diz.

Em evento da Agas, Marchezan defendeu que elites devem tocar reformas da cidade| Foto: Eduardo Beleske/PMPA

O que vem por aí

Como vimos, ainda se sabe muito pouco sobre quais serão as diretrizes do governo Marchezan para a revisão do Plano Diretor, mas a expectativa é que ela venha enquadrada na ideologia que vem regendo sua gestão até agora, isto é, a priorização do mercado. Em novembro, o prefeito deixou escapar o que pensa da participação popular no futuro da cidade quando disse que as reformas que o município precisa são de responsabilidade das elites. “Não será ninguém mais do que a elite da comunicação, a elite empresarial e a elite política que farão as reformas tão necessárias. Delegar isso ao ‘seu João’ e à ‘Dona Maria’ é irresponsabilidade”, afirmou.

Para Gomes, a revisão do Plano Diretor deveria ser uma oportunidade de grande participação popular, com os habitantes das diversas regiões de Porto Alegre elencando quais são suas carências, o que falta em seus bairros e quais seus desejos. A partir disso, construiria-se um projeto urbano para cada área da cidade.

“Vou te dar um exemplo, o pessoal da zona sul tem a maior preocupação com o meio ambiente, porque é uma característica do pessoal da zona sul a preservação do meio ambiente. Quem vai morar na região, uma das coisas que leva em contra, geralmente, é estar indo para um lugar onde a qualidade de vida é diferente. Então, como é que nós vamos traduzir isso para os limites da construção para que não seja permitido cada vez mais intervenções de grandes empreendimentos que vão atrapalhar a qualidade de vida que se quer lá? Lá, deveria se projetar outras coisas, áreas reservadas, parques, o aproveitamento do rio, pensar em transporte, oportunizar o Catamarã para outros pontos. No Centro, oportunizar que se venha a construir um projeto que qualifique melhor a convivência nos finais de semana, que o Centro não fique só com a imagem de uma cidade funcional”, diz o presidente do CMDUA.

Apesar de a linha de raciocínio do prefeito já ser bastante conhecida, Gomes destaca que ainda não é possível saber quais são as diretrizes que a sua gestão dará ao Plano Diretor. Ele acredita que, na verdade, o governo sequer tem conseguido se organizar para elaborar o seu planejamento de cidade — o planejamento urbano perdeu o status de secretaria no governo Marchezan e agora é apenas uma parte da Smans. “Ele está se demonstrando um incapaz de gerenciar os seus próprios interesses ideológicos. Não consegue hoje nem colocar o seu programa de governo. A gente percebe nos olhares das pessoas que achavam que ele seria o salvador da pátria do neoliberalismo em geral, setores importantes, grandes construtores, que o apoiaram, eles reparam que é um governo incomunicável. Ele tem uma ideia de alguma coisa, mas não te traz isso como projeto, com estratégias para tu implementar”, afirma.

Rafael Passos destaca que, pelo que sabe, uma das conclusões da gestão é de que o plano atual regra demais o privado e trata pouco dos espaços públicos. O arquiteto avalia que essa é uma leitura que não encontra respaldo na prática. “Para nós, é uma falácia dizer que esse plano restringe demais o uso privado do solo”, diz. “É um plano que, na questão dos usos, por exemplo, deixa tudo bastante aberto. Claro, ele restringe atividades que têm de ser restringidas, como atividade industrial, mas, por exemplo, nada exige na questão de fachadas ativas, de miscigenação dos usos, que está no princípio do plano, mas não se transformou em regra. Esperava-se que as iniciativas do mercado viessem a responder a esses princípios e a gente vê que não, com projetos que, na maioria das vezes, não constituem uma boa relação com a cidade na escala do pedestre”.

Rafael Passos, presidente do IAB-RS | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Passos avalia que a atual gestão trabalha com uma confusão proposital ao falar que há um excesso de regras sobre a edificação e atribui isso ao PDDUA, quando, na verdade, essa questão tem muito mais a ver com o Código de Edificações de Porto Alegre. “Tem um caldo aí de desinformação e até mesmo de contrainformação com o intuito de aplicar uma ideologia. Um lado do campo político, e essa administração compõe esse campo, tenta desconstruir propostas do outro campo dizendo que são meramente ideológicas, mas a proposta que parece surgir aí também é carregada de ideologia, uma ideologia de que o mercado deve tomar as decisões e de que o Plano Diretor trava o desenvolvimento econômico. A gente discorda frontalmente”, diz.

O professor John destaca que o Plano Diretor a ser elaborado não pode ser tratado sob a ótica de terra arrasada, mas sim ser uma evolução do plano anterior. “Ele tem que considerar a lei anterior e atualizar, o que eu acho bem difícil esse governo considerar. Não quero dar conotação, mas ele não tem uma linha participativa e de ouvir os técnicos, ele vai atender aos interesses que vierem da indústria imobiliária e de outros setores econômicos”, acredita.

Prioridades

Mas quais então deveriam ser as prioridades da revisão do Plano Diretor? Para o professor John, a pauta ambiental. “Porto Alegre pincela a pauta ambiental no seu Plano Diretor e ela não dá uma leitura de que cidade é essa. O PDDUA de Porto Alegre não traz números, não traz mapas decentes das áreas. Ele é muito carente, eu não consigo fazer a leitura do território de Porto Alegre. Mesmo ele sendo um Plano Diretor Urbano e Ambiental, o ambiental ficou só no nome da lei. É um mapa aqui, outro ali, mas não traz quais são as áreas contaminadas, quais são as áreas de resíduos sólidos, como é que está o saneamento no Plano Diretor, resíduos sólidos, coleta e tratamento de esgoto, drenagem urbana e o abastecimento de água potável. Hoje, 40% da água tratada pelo DMAE se perde. Então, é um sistema muito ineficiente e deveria estar presente no plano”, diz.

Zago diz que o Sinduscon ainda não tem um cronograma ou uma pauta já estabelecida, mas possui um “norte” a seguir, que é a busca pelo “melhor para a cidade”. Segundo ele, o arcabouço normativo, composto por legislações e regulamentações, precisa dar segurança jurídica para todas as construções da cidade. “Nós entendemos que o melhor para a cidade é aquilo que vai favorecer não só o povo, em geral, mas ao mercado imobiliário e os negócios imobiliários, o que pode trazer desenvolvimento, não só crescimento para a cidade”, diz.

O arquiteto, que representa o Sinduscon no CMDUA, destaca que a entidade está avaliando essa revisão do Plano Diretor sob três eixos: viver, desenvolver e gerir Porto Alegre. Ele defende que se crie uma cidade mais participativa, com maior integração das atividades e melhor aproveitamento das densidades, para facilitar investimentos em infraestrutura e o aproveitamento da infraestrutura já existente. Zago destaca que uma cidade mais densa tem como benefícios, por exemplo, a necessidade de menores deslocamentos. “A mobilidade urbana é uma coisa que a gente tem que levar em conta. Cada vez que tu aumenta a cidade, tu gera maior necessidade de linhas de ônibus. Quanto mais racionalmente tu projetas a densidade da cidade, junta e miscigena as atividades, gera menor necessidade de deslocamentos e outros modais passam a ser possíveis”.

Ele pondera que essa cidade mais densa e miscigenada também resultaria em uma cidade mais segura. “Na medida que a gente projeta uma cidade mais participativa, mais miscigenada, em que morar, trabalhar e se divertir sejam atividades que fiquem mais próximas, isso gera mais segurança”, diz.

Passos avalia que o aumento da densidade tem limite: um cálculo técnico que vai determinar a capacidade da infraestrutura instalada para alimentar as redes de água, luz, esgoto, e capacidade viária. “Aí, numa cidade que claramente optou pelo carro, tu adensar demais vai criar esses problemas. Nós não podemos adensar demais. A questão de altura é um debate de paisagem e conceito de cidade. A cidade decidiu, lá em 1999, que a altura teria limite”, diz.

Na questão da altura, Passos destaca ainda que já há um desrespeito aos atuais limites, que deveria valer para as margens das das avenidas, diminuindo na direção dos bairros, o que não se viu nos últimos anos, quando prédios cada vez mais altos passaram a ser construídos no interior de zonas que deveriam ser residenciais. “Essa é uma decisão equivocada e demonstra que não é a soma das decisões individuais do mercado que constrói um conceito de cidade”, diz.

Para Passos, o Plano Diretor deveria ser um acordo firmado entre os diversos setores da cidade sobre os rumos da cidade. “Só que se esses acordos são rompidos ao sabor das vontades e não são cumpridos, aí a democracia foi para o saco. O governo não cumpre, o mercado não cumpre porque não quer e o pobre não cumpre porque não pode”, diz.

| Foto: Camila Domingues/Palácio Piratini

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