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27 de dezembro de 2017
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18:27

Marchezan diz que não fará ‘maquiagem’ ao remover moradores de rua; movimento teme ação higienista

Por
Luís Gomes
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Viaduto Otávio Rocha seria o primeiro alvo se ação da Prefeitura | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior (PSDB), afirmou na manhã desta quarta-feira (27) que está buscando uma “solução estruturante” para as pessoas que vivem em situação de rua na Capital. Segundo Marchezan, o objetivo não é realizar uma mera “maquiagem” em pontos como o Viaduto Otávio Rocha, no centro de Porto Alegre. Notícia publicada no site GaúchaZH na terça-feira afirma que a Prefeitura realizará, a partir de janeiro, uma ação para a desocupação de espaços usados por pessoas em situação de rua e que o viaduto seria o primeiro alvo. O Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) vê com ceticismo as políticas da atual gestão e teme a implantação de medidas higienistas.

O prefeito argumentou que, atualmente, existem 5 mil pessoas em situação de rua na Capital — estudo feito pela UFRGS divulgado em 2016 apontava 2.115 pessoas identificadas como vivendo em situação de rua –, que incluem diversas realidades e que, por consequência, exigem diferentes soluções.

“Há pessoas do interior que a gente tem que localizar a família, entrar em contato com a assistência social e encaminhar de volta aqueles que querem voltar. Há alguns poucos que a gente consegue em curto prazo recuperar, para que eles possam a curto e médio prazo entrar na atividade laboral e se viabilizarem, eles próprios, financeiramente. E há uma grande parte que a gente tem que buscar tratamentos específicos no que se refere à utilização de drogas. Aí é um tratamento mais específico para cada um, é um tratamento mais caro e uma boa parte deles têm um tratamento mais longo. A gente fazer disso um exemplo para sair na imprensa de um local ou outro específico de Porto Alegre e não resolver o problema humano, é um paliativo que já foi tentado várias vezes e a cidade já não aguenta mais paliativos em nenhuma área. Essa questão dos moradores de rua é uma área em que a gente realmente precisa de uma ação em grupo, multissetorial, que envolva muitas partes da Prefeitura e que tenha uma disponibilidade de recursos ou parcerias com outras estruturas públicas e privadas maiores do que aquelas que, até o momento, a gente conseguiu fechar”, afirmou.

Marchezan garantiu que a proposta da Prefeitura não é tratar a questão como uma desocupação, mas como acolhimento e encaminhamento para tratamento. “Não é normal uma pessoa morar na rua naquela situação. E o direito individual que ela tem, também não pode esbarrar no direito individual fundamental que outros têm. E aquilo ali não é normal, a gente não acha normal, a gente não está entendendo que deve ficar assim, mas a gente quer tentar dar para essas pessoas o acolhimento e o tratamento adequado que elas enquanto ser humano merecem”, disse.

O prefeito destacou que já fez diversas reuniões para tratar desse assunto e que trata-se de uma questão “muito cara a ele”. Em outubro, foi divulgado que a então secretária Maria de Fátima Paludo deixou o comando da pasta do Desenvolvimento Social e Esporte porque Marchezan teria vetado uma ação de revitalização do Viaduto Otávio Rocha combinada com a remoção dos moradores de rua que dormem sob as marquises do monumento. O prefeito classificou esta versão dos fatos como uma “lenda urbana”.

Prefeito Marchezan em ato no Salão Nobre do Paço Municipal nesta quarta | Foto: Ricardo Giusti/PMPA

“O que houve naquela época foi que não era algo que desse o atendimento completo para as pessoas e que eu ainda não tinha visto esse início, meio e fim. Acho que a gente já fez mais de uma dezena de reuniões sobre esse assunto, que é um assunto caro para nós, uma situação delicada, que a gente não quer que fique assim, mas a gente também não quer tapar o sol com a peneira, não quer fazer maquiagens, porque a gente sabe que cinco mil pessoas em situação de rua não é algo que tu vai ali e diz ‘sai daqui, vai para a outra esquina’ e o problema está resolvido”.

Segundo Marchezan, está sendo realizado um trabalho de acompanhamento e acolhimento em albergues das pessoas que têm interesse nesses serviços, mas é necessário aumentar as ações de acolhimento e de tratamento em clínicas de reabilitação ou nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) para preparar e qualificar as pessoas para o mercado de trabalho. “É um conjunto de questões que a gente sabe que não vai conseguir resolver de imediato, mas quando a gente começar a encaminhar, vamos estar fazendo algo estruturante, que vá resolver os problemas das pessoas e da cidade, não apenas dar uma boa manchete que vá durar uma semana, quinze dias, um mês, ou que vá simplesmente liberar a consciência de algumas pessoas que passam por aquele local, quando na verdade esse é um problema crônico da nossa cidade”, disse.

Questionado se esse acolhimento será voluntário ou compulsório, o prefeito respondeu: “Em alguns locais, as pessoas atrapalham o trânsito, atrapalham a mobilidade, a mobilidade não é só de veículos, a mobilidade de pedestres. Quando a gente tiver o tratamento adequado, o acolhimento adequado, o encaminhamento adequado, se essa pessoa estiver ferindo o direito fundamental de outros, a gente vai fazer com que ela se retire”.

Atual secretária interina do Desenvolvimento Social e do Esporte, Denise Ries Russo disse que a intenção é iniciar as ações no início do ano. “A gente está buscando as soluções para que as pessoas possam ter mobilidade nesses espaços. Esse é o desafio e é isso que a gente vai trabalhar para o início do ano”, disse.

Mais uma ação higienista?

Apesar de o prefeito falar em buscar ações estruturantes, Veridiana Farias Machado, educadora social do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), vê com ceticismo as políticas da atual gestão para a população em situação de rua, especialmente porque diz que, até o momento, não há nenhuma política pública concreta voltada para essas pessoas.

Ela pondera, por exemplo, que nenhum representante do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) participou, em 2017, de reuniões do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê POPRUA), órgão criado em 2015 com o objetivo de organizar as políticas públicas para estas pessoas e do qual Veridiana participa como representante do MNPR. “O Demhab não aparece para oferecer nada de habitação. Não tem nada de política concreta para oferecer para essas pessoas”, diz. “Os aluguéis sociais cessaram, não tem nada voltado para geração de renda e trabalho. Inclusive a Guarda Municipal, que antes participava do comitê, não tem aparecido desde que esse governo entrou. A gente está esperando, enquanto movimento, que as ações sejam higienistas e vamos denunciar, que é o nosso papel”, complementa.

Veridiana Machado vê com ceticismo as promessas do prefeito | Foto: Maia Rubim/Sul21

Segundo Veridiana, pelo que se sabe, a Prefeitura pretende usar recursos da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) para as ações voltadas para os moradores de rua. Contudo, ela diz que estes recursos são referentes a um projeto que terá um ano de duração e que depois será encerrado. Além disso, destaca que a Prefeitura não entrará com recursos nesse projeto.

Por outro lado, destaca que a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) está sem condições adequadas de dar atendimento às pessoas em situação de rua e que os atuais três Caps – no IAPI, Partenon e Vila Cruzeiro – são insuficientes para prestar um atendimento adequado para aqueles que se encontram em situação de dependência química. “A região do Centro está totalmente descoberta, que seria a mais importante, porque é onde mais as pessoas permanecem em situação de rua. E existe agora um empoderamento da Guarda, que vai ter mais poder para criminalizar, do nosso ponto de vista”, afirma. “A Fasc está aos pedaços, a bangu, não tem nem presidência, com serviços precarizados. Para te dar uma ideia, não tem água, estão cortando a luz e não tem telefone há tempos. Como uma assistente social vai fazer a comunicação com a rede sem telefone?”.

Ela ainda pondera que a atual rede de acolhimento também não tem condições de atender a demanda de pessoas que estão sem moradia. Segundo Veridiana, o Albergue Municipal, por exemplo, está com elevador quebrado, sem condições de atender a cadeirantes e pessoas com problemas de alcoolismo, e o proprietário do imóvel alugado pela Prefeitura estaria se recusando a realizar as benfeitorias necessárias no local em razão de atrasos nos pagamentos do aluguel. “A gente não vê perspectiva nenhuma. De novo, vai ser uma questão de limpar espaços públicos da cidade, sem ter condições de oferecer nada em troca de concreto”, afirma.


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