Cidades|z_Areazero
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8 de novembro de 2017
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10:20

Estudantes relatam rotina de assaltos diários no entorno da UFRGS, mas BM diz que não há registros

Por
Luís Gomes
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Rua Avaí é apresentada como um dos locais mais perigosos no entorno do Campus Central da Ufrgs | Foto: Maia Rubims/Sul21

Luís Eduardo Gomes

O caso de um estudante de 19 anos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) esfaqueado na Rua Avaí, enquanto aguardava na fila do Restaurante Universitário (RU) próximo o Campus Central da instituição, reacendeu uma pauta que volta e meia aparece no noticiário da Capital: os assaltos nos arredores das universidades. O caso chamou a atenção pela gravidade: o jovem foi levado para o Hospital de Pronto Socorro (HPS) e precisou passar por uma cirurgia às pressas, mas estudantes e comerciantes relatam que assaltos na região são rotineiros e contam estratégias que precisaram desenvolver para se proteger. O comando da Brigada Militar, no entanto, afirma que são raras as ocorrências registradas na região e que a comunidade universitária precisa dialogar mais com a corporação para que esta possa desenvolver estratégias de combate ao crime.

Por volta do meio-dia desta terça-feira (7), a reportagem do Sul21 foi até a fila do RU, que começava na João Pessoa e se estendia por dezenas de metros até a Avaí, e conversou com diversos estudantes. O que ouvimos foram relatos de jovens que temem andar sozinhos, que apressam o passo, desconfiam de tudo e buscam nunca andar com o celular à mostra. Um estudante de Engenharia relatou que sempre anda com o “celular do ladrão”, uma versão antiga para entregar prontamente em caso de assalto enquanto o aparelho novo fica bem escondido. Seu colega diz que da turma de 30 que ingressou com eles, em 2013, só dois não tinham sido assaltados nos arredores do Campus Central até o momento.

A avaliação é de que as vítimas mais comuns são estudantes de fora da Capital, que, por não estarem tão acostumados com a violência local, não tomam as medidas de segurança que depois acabam desenvolvendo para evitar assaltos. Há divergência entre estudantes quando perguntamos se a situação está pior nos últimos tempos ou sempre foi ruim. Uns dizem que definitivamente tem piorado, até nos últimos meses, outra estudante diz que o pior ano foi 2015. Todos concordam que notícias de assaltos e furtos são frequentes, sendo espalhadas diariamente em grupos nas redes sociais.

Mekenni diz que vê assaltos ocorreram todos os dias na Avaí | Foto: Maia Rubims/Sul21

Essa percepção é compartilhada por comerciantes da Rua Avaí. Mekenni Araújo, que há 23 anos trabalha em um comércio de chaves, diz que nunca foi assaltado, mas que presencia ocorrências do tipo quase todos os dias. Em geral, são agressores com faca, por vezes de cozinha, em busca de celulares e carteiras. Um assalto rápido. Ele diz que até já conhece quem são os assaltantes que atuam na região, mas diz não ter conhecimento de arrastões, como foi noticiado inicialmente sobre o caso do jovem esfaqueado.

Mekenni avalia que a região é propícia a assaltos porque há próximo, sob o viaduto da João Pessoa, uma espécie de boca de fumo de tráfico, onde muitos dos itens roubados são negociados rapidamente. Também destaca que a proximidade com o Parque da Redenção permite que os assaltantes consigam fugir rapidamente e desaparecer entre as árvores. Ele relata que os comerciantes da rua chegaram a fazer um abaixo-assinado em agosto de 2016, que ele ainda guarda, cobrando ações da Brigada. A situação, diz, melhorou por um tempo, mas depois voltou a piorar.

Luís Carlos Treviso, dono do Armazém Treviso, diz que está no local há 11 anos e já foi assaltado pelo menos cinco vezes, sendo a última há dois anos. “No início, nós não nos preocupávamos com nada. De uns cinco anos para cá, a coisa piorou muito”, afirma, acrescentando que acredita que o número de assaltos, ou pelo menos o medo, era maior em 2015, especialmente em função das primeiras paralisações das polícias, mas que agora já estão acostumados.

Ele diz que não viu o caso de segunda-feira, mas que roubos de celular ocorrem diariamente na Avaí, sendo os estudantes da UFRGS as vítimas preferenciais e os horários do meio-dia e final de tarde, na saída das aulas, os mais perigosos. Treviso ainda opina que, à noite, há o problema de que a iluminação da rua, que foi trocada recentemente, ilumina bem apenas a calçada do outro lado da rua do seu negócio e a parada, que fica do seu lado da rua e onde há a maior concentração de pessoas, permanece sendo um local escuro.

Na parada da Avaí, que fica diante do Armazém e por onde passam ônibus e lotações que vão em direção à zona sul da Capital, o sentimento dos transeuntes era de que a situação está piorando, especialmente de 2016 para cá, e que é preciso cada vez mais ter cuidado, não andar sozinho e evitar locais mais perigosos.

Mercadinho de Luís Carlos Treviso (dir.) já foi assaltado pelo menos cinco vezes | Foto: Maia Rubims/Sul21

Levou até o salgadinho

Kevin Pires, estudante do Direito da UFRGS em seu primeiro ano, foi assaltado à mão armada na semana passada na Redenção, quando chegava à universidade. O assaltante levou R$ 20 e um pacote de salgadinho que Kevin levava na mochila. Para tentar disfarçar o crime, abriu o pacote e ofereceu um pouco do produto roubado ao dono original.

Kevin diz que, também na semana passada, uma colega lhe contou que foi assaltada na Av. Paulo Gama, quando chegava à UFRGS vinda da Av. Osvaldo Aranha. No começo do ano, ele mesmo havia sido assaltado na esquina entre as ruas General Lima e Silva e André da Rocha. Ele ainda diz que estava na fila nesta segunda quando o rapaz foi esfaqueado, mas mais à frente, por isso não viu o ocorrido, apenas a correria que fez com que todo mundo pensasse que estava ocorrendo um arrastão, o que não se confirmou.

Seu colega no Direito, Rodrigo Leal, ainda não foi assaltado depois de ingressar na universidade, também em 2017, mas conta que já foi vítima, nos arredores da UFRGS, antes mesmo disso, em 2015, quando ele e três amigos foram assaltados nas proximidades da Paulo Gama com a Osvaldo por dois homens, um deles armado com uma faca de churrasco, e tiveram celulares roubados.

Estudantes de Direito Kevin (esq.) e Rodrigo (dir.) relatam terem sido vítimas nos arredores do Campus Central |  Foto: Maia Rubims/Sul21

Kevin e Rodrigo dizem que tentam evitar andar sozinhos, não utilizam o celular na rua e tomam sempre precauções, especialmente nos arredores da Reitoria, na Sarmento Leite e na João Pessoa, locais que identificam como mais perigosos e onde, segundo relatam, dificilmente veem policiamento ostentativo, só brigadianos de passagem. Dentro da universidade, eles dizem que há maior segurança, porque os locais são vigiados por guardas.

Um grupo de alunos da Veterinária, que tinha aulas no Campus Central na terça, relata que a situação é semelhante nos arredores da sua faculdade, que fica próximo ao Campus do Vale, em Viamão. Segundo eles, já teriam ocorrido tiroteios dentro das dependências, casos de assalto dentro de sala de aula e o diretório acadêmico também  teria sido alvo de criminosos. O problema, de acordo com os estudantes, é que a Faculdade de Veterinária, por abrigar um Hospital de Clínicas Veterinárias, não tem um controle efetivo do acesso, o que faz com que muita gente de fora circule pelo local. No entanto, o local mais temido seria uma parada de ônibus localizada na Bento Gonçalves.

Bárbara Belle, estudante da UFRGS desde 2015, diz que já foi vítima de uma tentativa de assalto na parada junto com outras 10 colegas, mas que o crime não se consumou porque os agressores se assustaram com gritos das vítimas. Victória Poliana, estudante desde 2014, diz que todo mundo conhece alguém que já foi assaltado diante da Favet.

Sarmento Leite também é apontada como local de incidência de assaltos e furtos | Foto: Maia Rubims/Sul21

Falta de registros

Na manhã de terça, o comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar, tenente coronel Eduardo Amorim, esteve na região do crime desta segunda e no entorno da UFRGS conversando com comerciantes e estudantes. Ele reclama que há um grave problema de subnotificação dos casos de assaltos e furtos na região e que raras são as vezes em que a polícia é acionada. Nesta segunda, quem alertou a corporação foi um agente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), via WhatsApp. O BPM não tinha, por exemplo, registro de ocorrências no mês de setembro e foi informado apenas hoje sobre outro caso de esfaqueamento, este na João Pessoa, em que a vítima foi levada para o hospital. A data: 25 de julho. Ele ainda critica, inclusive, comerciantes que alegam ter imagens de câmeras de segurança de crimes diários mas que nunca encaminharam à polícia.

Amorim diz que, a partir do caso de segunda, a BM vai adotar estratégias para combater o crime, mas pondera que, entre elas, não deve estar a presença de um policial fixo na Avaí, porque isso só faria com que o crime mudasse para outra esquina. O tenente coronel defende, na verdade, uma maior colaboração entre a comunidade universitária e a corporação para que estratégias possam ser melhor desenvolvidas. Segundo ele, ações nesse sentido, até com comunicação via grupos de WhasApp, já vem ocorrendo em regiões do Centro Histórico, Cidade Baixa e Moinhos de Vento, entre outras, com resultados positivos de queda nos índices de criminalidade.

Na 15ª Delegacia de Polícia, que atende a região do Campus do Vale, a informação passada para a reportagem é de que também não há aumento nos registros de assalto recentes. Um policial civil que conversou com a reportagem informou que a DP mantém contatos com a segurança da UFRGS e que as denúncias, pelo contrário, têm diminuído.

Comandante do Policiamento da Capital, coronel Jeferson Jacques também corrobora que há um grande problema de falta de registros desse tipo de assalto e que é preciso que as vítimas registrem ocorrências para que a Brigada possa mapear os locais de maior incidência e desenvolver ações adequadas. “Os nosso registros apontam hoje que existe a queda de ocorrências”, diz.

A estudante de Veterinária Bárbara Belle reconhece que são raros os estudantes que registram ocorrência e diz que até já ouviu da polícia essa queixa. O comerciante Treviso acredita que poucas pessoas registram porque muitas das vítimas não são de Porto Alegre.

O registro de ocorrências pode ser feito online.


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