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27 de novembro de 2017
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19:14

ATP defende redução de isenções nos ônibus; vereador diz que sem transparência não se pode cortar direitos

Por
Luís Gomes
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Comissão Especial criada pela Câmara Municipal para debater o pacote de projetos do Executivo para a área do Transporte Público em Porto Alegre ouviu empresários do setor nesta segunda | Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

A comissão especial criada para tratar dos projetos do Executivo que tramitam na Câmara de Vereadores buscando mudanças no sistema de transporte coletivo de Porto Alegre, a Cetranscoletivo, voltou a ouvir representantes das empresas operadoras no sistema na manhã desta segunda-feira (27). Assim como havia ocorrido na sexta-feira (24), o diretor executivo da Associação das Empresas de Transporte de Passageiros de Porto Alegre (ATP), Gustavo Simionovschi, fez uma apresentação representando as empresas MOB, Vivasul, Via Leste e Mais. Além dele, o diretor técnico da Carris, Flávio Barbosa, também se manifestou. O encontro teve como saldo uma espécie de consenso de que é preciso rever o sistema de transporte coletivo da Capital, seja através da qualificação dos coletivos, da revisão de isenções ou da adoção de subsídios para ajudar a financiar o sistema, sendo esta última opção defendida por vereadores e representantes das empresas.

Em julho, o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) encaminhou ao Executivo uma série de projetos que tem como medidas a retirada de isenção para pessoas de 60 a 64 anos, o fim da universalidade da passagem escolar e para professores, a redução do número de viagens isentas para idosos acima de 65 anos e portadores de deficiência, o fim da obrigatoriedade dos ônibus circularem com cobradores, o aumento do tempo de vida útil dos ônibus e a exigência de que agentes de segurança utilizem cartões validadores em vez de terem direito a isenção só por estarem fardados.

Em sua fala, Flávio Barbosa destacou que há décadas Porto Alegre não apresenta inovações para a qualificação do transporte público, sendo a instalação dos corredores de ônibus – em sua maioria nos anos 1980 – ainda o que impediria a colapso total do sistema. “Se não fossem os corredores, Porto Alegre não andaria mais”, disse. Contudo, ele destaca que, mesmo nos corredores a velocidade de circulação dos coletivos caiu pela metade nos últimos anos.

Flávio Barbosa falou como representante da Carris | Foto: Maia Rubim/Sul21

Segundo ele, não é o ônibus que está defasado, mas a maneira como a cidade trata o sistema. Ele ponderou que os principais sistemas de transporte coletivo do mundo utilizam alguma forma de subsídio público – em São Paulo chegariam a casa dos R$ 3 bilhões -, enquanto Porto Alegre não possui uma política de subsídio, com os recursos públicos sendo utilizados apenas para “cobrir rombos” da Carris.

Sobre a perda de passageiros, uma das principais queixas das empresas, Barbosa citou uma pesquisa recente realizada com usuários de ônibus de todo o país que destacou que o fato que mais leva os usuários a deixarem o ônibus é o valor da tarifa, seguido de tempo de viagem, falta de flexibilidade de linhas e itinerários e falta de segurança. Contudo, a mesma pesquisa teria identificado que 20% de antigos usuários de ônibus não voltariam a utilizar o transporte coletivo sob qualquer circunstância.

Barbosa defendeu que o sistema, na sua atual configuração, tem condições de ser eficiente, visto que há linhas que chegam a sair de cinco em cinco minutos, o que rivalizaria com horários de metrôs, mas que eles logos se encontram devido à lentidão do trânsito. “Se a gente conseguir que o ônibus seja 20% mais rápido que o carro, o passageiro volta para o sistema”, opinou.

Assim como havia feito na sexta-feira, Simionovschi defendeu que é preciso encontrar um equilíbrio no sistema e que isso passaria sim pela aprovação dos projetos encaminhados pelo Executivo. “Não pode 65% dos usários pagarem uma tarifa e meia mais para que determinados categorias tenham isenção. Não é ser contra a isenção, é ser contra que somente o usuário pagante do ônibus subsidie a isenção”, disse. Segundo ele, caso os projetos fossem aprovados, poderiam levar a uma redução imediata de R$ 0,40 no valor da tarifa, que poderia chegar até R$ 1 com o tempo – uma vez que algumas das gratuidades continuariam valendo para os atuais usuários, como a isenção para quem tem entre 60 e 65 anos.

Diretor executivo da ATP, Gustavo Simionovschi. Foto: Maia Rubim/Sul21.

Simionovschi também defendeu a implementação de subsídios, mas disse que primeiro é preciso rever a questão das isenções, uma vez que, enquanto a média nacional de gratuidades seria de 16% de todos os usuários, em Porto Alegre seria de 36%. Segundo ele, seria possível adotar a utilização do chamado subsídio cruzados, que seria utilizar fontes de receitas para cobrir as passagens de isentos, como estacionamentos públicos, parquímetros, taxas sobre a gasolina, pardais urbanos. “Existe uma série de alternativas que, normalmente, fazem o automóvel contribuir um pouco, tentando retirar a atratividade do automóvel e aumentar do transporte coletivo”, disse.

Questionado se só mexer nas isenções não poderia afastar ainda mais os passageiros do sistema e se não seria o caso de se buscar uma maior qualificação do sistema em si, Simionovschi voltou a defender a regulação das isenções, mas reconheceu que também é preciso adotar ações para valorizar e priorizar o transporte coletivo. “Um ônibus articulado consegue transportar a mesma quantidade de pessoas que 100 automóveis. E o automóvel gera poluição, acidente, problemas dentro da cidade. Então, tu tem que repensar o modelo”, disse, salientando a necessidade, por exemplo, de adoção de um maior número de faixas exclusivas para a circulação de coletivos. Ele ainda criticou o fato de que, em vez de políticas de priorização do transporte coletivo, o que se viu no País foi a concessão de benefícios para a compra e utilização de automóveis. “De 1999 para cá, o diesel cresceu 195% a mais do que o custo da gasolina. Ou seja, o combustível para o transporte privado tem subsídio. Para o público, não tem”.

“Fazer o possível”

Relator da comissão, Clàudio Janta (SD), que entrou na Justiça para barrar o fim da gratuidade da segunda passagem, disse que não se opõe a discutir a questão das gratuidades, mas defendeu que também é preciso discutir fontes de financiamento alternativas. Segundo ele, há quase um consenso sobre a necessidade de subsídios ao sistema, que poderiam vir de percentuais de multa, taxação de aplicativos, táxis, etc., e que Porto Alegre vem cometendo vários erros há muitos anos na área do transporte público, com projetos que poderiam melhorar o sistema ficando pelo caminho, como o Portais da Cidade – projeto apresentado ainda no governo de José Fogaça e que previa a instalação de terminais de integração pela cidade, mas que nunca saiu do papel.

Clàudio Janta | Foto: Maia Rubim/Sul21

Janta ainda destacou que a Câmara está disposta a propor melhorias no sistema, mas salientou que os vereadores têm atribuições limitadas e que cabe ao Executivo implementar grande parte das mudanças, como melhorar a acessibilidade e a qualidade dos modais. Ele afirmou que a comissão irá ouvir todos os setores da sociedade – empresários, EPTC, usuários, beneficiários de isenções, estudantes, idosos pessoas com deficiência, etc. – e que, a partir disso, elaborará um parecer com sugestões que poderiam ser adotadas pela Prefeitura e pelas empresas para qualificar o transporte coletivo. “Hoje as pessoas andam até duas ou três horas por dia em um sistema que não atende suas necessidades. Temos ônibus com ar condicionado e com televisão. É isso que a população realmente quer? Ou é um ônibus mais rápido, mais prático, mais limpo, mais acessível?”, disse.

Sobre os projetos apresentados pelo Executivo, o verador Cassiá Carpes (PP) afirmou que o problema do governo é que “ele quer que a Câmara faça tudo que ele quer” sem discussão. Ele afirmou que o sistema está piorando há muito tempo e que algumas modificações são sim necessárias, mas que os empresários não deveriam esperar que tudo fosse aprovado. “Vamos fazer o possível”.

O vereador Alvoni Medina (PRB) lembrou que idosos e deficientes, que podem ter isenções revistas caso o pacote de Marchezan seja aprovado, contribuem para o desenvolvimento da cidade e podem ser prejudicados, diminuindo a sua circulação com a retirada de isenções, o que, consequentemente, poderia ser prejudicial para a cidade.

Sucateamento da Carris?

O vereador Aldacir Oliboni (PT) ponderou que a questão sobre os subsídios gira em torno das fontes de financiamento dessa ferramenta, que, segundo ele, poderiam ser a tributação dos aplicativos de transporte individual ou parte das multas de trânsito. Ele também questionou Barbosa, da Carris, sobre as denúncias feitas por servidores de que a companhia estaria passando por um processo de sucateamento, como a falta de compra de insumos que estaria deixando dezenas de ônibus em condições de circulação parados nas garagens.

Respondendo ao questionamento de Oliboni, Barbosa reconheceu que a Carris passou por um problema de frota parada, mas negou que se tratasse de um processo de sucateamento, e sim uma decorrência do fato de que mais de 20 contratos com fornecedores de insumos e prestadores de serviços venceram da segunda metade de 2016 para cá e que alguns demoraram até oito meses para serem renovados. ele garantiu que a questão já foi regularizada e a situação da frota deverá ser normalizada em um prazo de 15 dias. Barbosa ainda reclamou da necessidade de fazer licitações, que impediria a Carris de ter a mesma agilidade de empresas privadas na manutenção dos veículos, uma vez que não poderia “só atravessar a rua e comprar uma peça”, como fariam as privadas.

Vereador Roberto Robaína apresentou uma série de questionamentos aos empresários do transporte coletivo | Foto: Maia Rubim/Sul21

Sem favores

O principal contraponto ao posicionamento das empresas privadas veio do vereador Roberto Robaina (PSOL). Em sua fala, ele afirmou que concorda que o transporte público precisa de algum tipo de subsídio, mas se disse contrário a fazer favores aos empresários. “Eu acho que a toda a reunião com a ATP tem como dificuldade que eles são um sindicato reivindicatório, estão sempre reclamando, dizendo que o negócio está dando prejuízo, fazendo promessas que depois não cumprem. A maior delas, por exemplo, o representante da ATP chegou a dizer que a tarifa seria reduzida de R$ 4,05 até para R$ 3 se não tivéssemos os 35% que não pagam onerando os 65% que pagam”, disse. “Se o negócio deles fosse tão ruim, eles teriam abandonado esse negócio. Se eles querem prestar esse serviço público, têm que oferecer um melhor serviço. Se eles oferecem um melhor serviço, então nós podemos ter uma política de prestigiar o transporte público, porque eles vão estar fazendo por merecer. A população merece um transporte público melhor, mas eu não quero fazer um favor para os empresários. Por isso que eu separo a política da Carris da política das privadas”.

Robaina, que defendeu de que o transporte coletivo deveria ser público, disse que mantém um patamar inicial de desconfiança em relação aos empresários do setor em Porto Alegre e no Brasil. “Não faço acusações aos empresários daqui, mas os proprietários das empresas de ônibus do Rio de Janeiro passaram anos dizendo que tinham prejuízo e agora estamos vendo que quem deu prejuízo ao Estado do RJ, comprando políticos, fazendo falcatruas inacreditáveis, foram eles”, afirmou.

O vereador ainda defendeu a necessidade de o município aumentar o controle sobre os resultados e as gestões da Carris e das empresas privadas, que, segundo ele, estão deixando muito a desejar e seriam “caixas-pretas”. “Enquanto não tiver muita transparência não se pode discutir redução de direitos”, disse. “Eu não quero melhorar o sistema de transporte público em abstrato só cedendo às reivindicações das empresas privadas, porque nós não temos um controle real das empresas privadas. Temos muitas reclamações dos trabalhadores que dizem que não há uma contabilidade bem feita nas empresas, que há fraudes, etc”.


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