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24 de outubro de 2017
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14:11

Vagas fechadas pela Prefeitura em escola infantil Pica-Pau Amarelo revoltam pais e mobilizam Centro

Por
Luís Gomes
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EMEI JP Pica-Pau Amarelo é uma das escolas de educação infantil mais tradicionais do Centro Histórico | Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Cristiane Sobrosa Souza é mãe de Davi. Quando ele completou três anos, em setembro, começou a ficar ansiosa para inscrevê-lo para uma vaga na Escola Municipal de Educação Infantil Jardim de Praça Pica-Pau Amarelo, situada na rua Fernando Machado. Fundada há 91 anos, é a escolinha mais conceituada do Centro Histórico de Porto Alegre, onde Cristiane os irmãos haviam estudado. Logo que as inscrições para a educação infantil foram abertas, no início de outubro, ela foi tentar inscrevê-lo. Sabia que não tinha a garantia de vaga no local, uma vez que são limitadas, mas não deixaria de ao menos buscar essa possibilidade. “Aí fui informada que não poderia inscrevê-lo porque, para 2018, não haveria mais o maternal, só para as crianças dos Jardins A e B, a partir dos 4 anos”, diz.

Conversou então com outras mães que também estavam nessa situação, com filhos em idade a serem inscritos no maternal no ano que vem. Nessas conversas, descobriu que não só as vagas para as crianças de três anos estavam sendo fechadas, como o turno integral também seria extinto, com o Jardim A e o Jardim B passando a ter só meio turno. Ela fez então um desabafo no grupo Vizinhos do Centro Histórico, do Facebook, expondo sua frustração. “Eu nem tinha ideia de tentar a reabertura de outras vagas. Mas outras mães começaram a falar e surgiu a ideia do abaixo-assinado, a ideia de contatar vereadores, Conselho Tutelar, Secretaria de Educação”, afirma.

Desabafo de Cristiane no grupo Vizinhos do Centro | Foto: Reprodução

Cristiane iniciou um abaixo-assinado virtual pedindo a reabertura das vagas, que já conta com quase 5 mil assinaturas. As mães também mobilizaram-se para realizar um abaixo-assinado físico. No último domingo (22), montaram uma banca na Praça Júlio Mesquita para coletar assinaturas. Antes, na sexta-feira (20), já tinham conseguido a realização de uma reunião na Escola Porto Alegre, que contou com a participação de pais, da vereadora Sofia Cavedon (PT), assessores de outros vereadores e do Conselho Tutelar. Graças a este movimento, também será realizada, na tarde desta terça-feira (24), uma visita de vereadores da Comissão de Educação da Câmara à Pica-Pau.

Diretora da escola, Denise Ayala explica que a turma de Maternal 2, para atender crianças de 3 anos, foi aberta em 2010 após uma grande mobilização da comunidade. “É uma procura muito grande que nós temos na comunidade e agora vai ser extinta”, afirma. Já o turno integral na escola funciona desde 2016, quando foi alugada uma casa ao lado da escola, o chamado anexo, com cozinha e outras infraestruturas necessárias para atendimento diário de crianças das 8h às 17h, uma vez que era preciso servir café da manhã, almoço e lanche da tarde para quem fica no espaço durante todo o dia.

Ela diz, no entanto, que não há falta de condições no prédio, mas trata-se apenas de uma questão de legalidade, uma vez que precisaria ser fundada uma nova escola no local do anexo. Esta é posição que ela defende, inclusive, pois considera que a equipe que trabalha atualmente na instituição é muito pequena: apenas 25 pessoas, incluindo estagiários e terceirizados, sem sequer contar com o cargo de vice-diretor(a). Para ela, a situação depende apenas de vontade política em resolver a situação da escola. “O problema não é na casa. Ela foi adaptada para escola, tem cozinha, quatro salas de aula, dois banheiros”, diz.

Vagas estão sendo fechadas em casa anexa alugada para receber turmas do turno integral | Foto: Maia Rubim/Sul21

Vagas fechadas

O tema do fechamento das vagas está ganhando força desde a última semana. Em nota divulgada no dia 18, a Associação dos Trabalhadores em Educação Municipal de Porto Alegre (Atempa) informou que 85 das 160 vagas da escola estavam sendo fechadas. A diretora Denise Ayala afirma que o número de vagas reduzidas será de cerca de 80, uma vez que 74 dos atuais alunos permanecerão na escola em 2018 e serão abertas apenas cinco novas vagas. Das oito turmas atuais, ficarão apenas quatro, atendendo crianças de 4 e 5 anos, das 8h ao meio-dia, sem nenhuma turma de turno integral.

Em resposta a questionamentos enviados pela reportagem, a Secretaria Municipal de Educação (Smed), confirmou que serão cortadas 68 vagas de turno integral que eram oferecidas no prédio anexo da Pica-Pau. Na justificativa para o fechamento das vagas, respondeu: “O funcionamento do prédio anexo da escola, onde estão quatro turmas de pré-escola, é considerado irregular pela Smed, pelo Ministério Público e pelo Conselho Municipal de Educação”.

No entanto, a Smed diz que a Prefeitura já abriu um edital de chamamento público oferecendo 50 vagas de pré-escola, que seria a previsão de demanda da região baseada em dados referentes a 2016, e que as inscrições para a rede municipal de educação já estão abertas, com as matrículas na educação infantil a serem realizadas em dezembro. A secretaria diz que, caso haja maior procura por vagas na pré-escola, elas serão ampliadas. “Toda a demanda manifesta de pré-escola será suprida no município”, diz a Smed.

O Conselho Municipal de Educação, no entanto, não confirma a versão da Prefeitura. Presidente do CME, Isabel Letícia Pedroso de Medeiros explica que todas as escolas de educação infantil do município, para estarem regularizadas, devem pedir credenciamento e autorização de funcionamento ou a renovação de funcionamento ao conselho, processo que deve ser encaminhado pela Smed. A renovação do funcionamento da Pica-Pau foi analisada e aprovada em 27 de setembro de 2012, mas, por encontrar problemas, o CME fez recomendações à escola. “Em 2014, como nenhum retorno das recomendações chegou ao CME, foi realizada visita ao local por conselheiros e emitido novo parecer. A Smed dizia que o prédio era tombado, por isso não poderia realizar obras de adequação, o que não se confirmou”, diz.

Parecer encaminhado pelo CME sobre a Pica-Pau em 2012 | Foto: Reprodução
Último parecer do CME sobre a Pica-Pau, datado de 2014 | Foto: Reprodução

Este parecer de 2014, encaminhado à Smed com novas recomendações, foi o último do CME sobre a Pica-Pau. Isabel salienta que o Conselho Municipal de Educação nunca encaminhou qualquer processo sobre o prédio anexo, que recebe as turmas de turno integral. “Assim, tanto o atendimento em prédio anexo como a cessação de atividades de atendimento não passaram pelo CME, o que configura procedimento irregular nas duas ações”, afirma.

Ela pontua ainda que o Plano Nacional de Educação determina que os municípios sejam responsáveis por universalizar o atendimento à pré-escola e que as metas não estão sendo cumpridas pela Prefeitura. “Assim, o fechamento de escola e de vagas é uma ação gravíssima, na contramão dos planos e das obrigações do município, que sequer cumpriu a universalização da pré-escola. O CME orientou, em seus pareceres, que o atendimento fosse em conformidade com a legislação. Não orientou atendimento em anexo nem diminuição de vagas, tampouco permite cessar atividades sem que seja observada a Resolução 17/2016”, diz.

Mães dizem que não há outra escola de educação infantil capaz de abrigar 50 novas vagas em turno integral | Foto: Maia Rubim/Sul21

Para onde irão as vagas?

Outro questionamento feito por mães e pelo próprio CME é sobre o local em que as novas vagas serão ofertadas. Pais dizem que, na verdade, sequer há escolas municipais capazes de oferecer essas vagas em turno integral nos bairros próximos. A creche conveniada Sagrada Família, que ficava na Cidade Baixa, fechou no início ano. Os outros jardins de praça e escolas municipais e conveniadas da região só atenderiam em meio turno.

Cristine diz que não conhece nenhuma instituição que poderia abrigar as crianças. “A escola mais próxima que a gente tem conhecimento fica lá perto da Ipiranga. Essa promessa da Prefeitura de 50 vagas acho muito difícil. A única coisa que temos aqui são escolas particulares, e escola particular em turno integral é mil e quinhentos reais por aí, para mais. Então, se a Prefeitura não tem como regularizar o prédio, ou, se for questão de verba de aluguel, não condiz, porque que valor eles vão pagar para comprar vaga em escola particular? Bem estranho”, diz Cristiane.

Isabel também pondera que “não é do conhecimento deste CME que existam escolas de educação infantil públicas ou conveniadas no bairro Centro” e que não há informações sobre que estejam previstas parcerias público privadas com instituições no bairro.

A preocupação que fica para mães e pais é se conseguirão se organizar para o próximo ano diante das incertezas sobre a oferta de vagas em turno integral – e se é que elas existirão.


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