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17 de setembro de 2017
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15:54

Ocupação do MTST reúne Dique, Nazaré e Progresso: ‘aqui só se cobra luta, presença e resistência’

Por
Sul 21
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Localizada na zona norte da capital, Ocupação Povo Sem Medo de Porto Alegre reúne cerca de 300 famílias. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Marco Weissheimer

Na madrugada do dia 9 de setembro nasceu uma nova ocupação urbana em Porto Alegre. Organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a ocupação foi batizada como Povo Sem Medo de Porto Alegre, reunindo cerca de 300 famílias vindas, em sua maioria, de comunidades da Vila Dique, Vila Nazaré e Ocupação Progresso, localizadas em áreas próximas ao Aeroporto Internacional Salgado Filho, que convivem nos últimos anos com ameaças de remoção. O terreno pertencente à família Dullius, na esquina das ruas Severo Dullius e Sérgio Jungblut Dieterich, zona norte de Porto Alegre, está abandonado há anos, como testemunham o matagal e as dezenas de cupinzeiros existentes no local. Em poucos dias, a área abandonada virou uma pequena vila de barracas de lonas pretas, erguidas em estruturas de taquara e de madeiras. Ao longo da semana, a ocupação cresceu em tamanho e organização.

“Há uma expansão urbana em curso nesta região e os moradores que estão aqui há cerca de 40 anos não têm direito de permanecer morando perto do local de seus trabalhos e de suas raízes. A ideia da ocupação é reunir pessoas que estão sem moradia ou que estão comprometendo sua renda com moradia além do que é possível para sua sobrevivência. Estamos disputando esse território com empresas e corporações. O pessoal que está vindo para cá cansou de esperar e decidiu lutar”, diz Fernando, integrante do MTST, movimento que está se organizando no Brasil inteiro para lutar por moradia, nos âmbitos federal, estadual e municipal.

Fernando, do MTST: “Estamos disputando esse território com empresas e corporações”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

A área onde ocorreu a nova ocupação é caracterizada pelo déficit populacional e por comunidades vivendo em situação de grande vulnerabilidade social. Segundo estimativa do MTST, somente nesta região da Capital, hoje existem mais de 4 mil moradias em situação precária, com mais de 14 mil pessoas residindo em favelas sem acesso a serviços públicos. Segundo dados do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), o déficit habitacional em Porto Alegre é de aproximadamente 50 mil unidades.

“Temos uma grande expansão urbana ocorrendo aqui, com uso de dinheiro público, e só vemos empresas privadas sendo beneficiadas. Muita gente questiona as famílias que querem seguir vivendo na Vila Dique, dizendo que elas, do ponto de vista ambiental, não poderiam estar ali. No entanto, vemos grandes corporações fazendo aterros e desmatamentos por toda a cidade sem nenhum questionamento. Área de risco, para pobre, é uma coisa. Para rico, é outra”, assinala Fernando.

Proposta diferenciada

A ocupação Povo Sem Medo de Porto Alegre também incluiu em sua pauta de lutas a situação dos moradores da Vila Nazaré, ameaçados de remoção pela ampliação da pista do aeroporto, da Vila Dique, onde os moradores estão com uma ação de uso capião, e da ocupação Progresso, no bairro Sarandi, que está em cima de uma área contaminada. Um dos objetivos da nova ocupação é articular e potencializar a luta por moradia dos habitantes da região.

Allen Lens: “Com os moradores se ajudando, conseguiremos conquistar o que a gente quer”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

“Essa ocupação tem uma proposta diferenciada”, enfatiza Fernando. “Normalmente, nas ocupações, o pessoal loteia o terreno e tenta começar a construir suas casas. Aqui não tem venda de nada. A gente não vende lotes e não vende barracos. Aqui dentro da ocupação é proibido usar drogas e bebida alcoólica. Há toda uma organização para que nada de violento ocorra com as famílias que estão aqui”.

Os primeiros dias da ocupação registraram uma dificuldade adicional. Na madrugada de segunda-feira (11), um vendaval destruiu vários barracos que tinham sido construídos no dia anterior. No mesmo dia, começaram a ser reconstruídos. Todos os dias, os integrantes da ocupação reúnem-se em uma assembleia no início da noite para conversar sobre a organização do território e os próximos passos do movimento.

Participando do movimento desde o primeiro dia, Allen Lens veio da ocupação Progresso e dedica-se agora ao trabalho de organização da Povo Sem Medo Porto Alegre. Ele relata a sua expectativa com a luta iniciada no dia 9 de setembro:

“A gente tenta se organizar da melhor forma possível para conseguir esse território. Com os moradores se ajudando, conseguiremos conquistar o que a gente quer. Acredito que a maior parte do pessoal que está aqui participa pela primeira vez de uma ocupação. São trabalhadores que não têm teto e que estão lutando por seus direitos. Na comunidade onde moro, a Progresso, o Estado não chega. Não tem luz, não tem água, os moradores têm que se virar como podem. Essa ocupação serve para lutarmos para conquistar aquilo a que temos direito, a começar por uma moradia digna”.

Moradores organizaram cozinha coletiva que prepara três refeições por dia para centenas de pessoas. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Cozinha coletiva e postos de coleta de doações

Dona Marta Machado conta que decidiu se juntar à ocupação porque está precisando de moradia e não tem onde morar. “Aqui, temos a oportunidade de lutar para conseguir uma moradia. Vim para cá com umas amigas minhas e as pessoas estão se ajudando umas às outras, pois todos que estão aqui precisam de moradia. A ocupação está se movimentando e cada vez chegam mais pessoas, todo mundo com um objetivo. Estou gostando daqui. É tudo muito organizado. Antes de decidir se juntar à ocupação Povo Sem Medo Porto Alegre, Dona Marta estava morando em Alvorada, em uma área que, segundo ela, está sempre cheia de água e não garante condições mínimas de moradia. “Não tem como morar lá, pois sempre enche de água”, afirma.

Os moradores da nova ocupação organizaram uma cozinha coletiva, que já está preparando três refeições por dia para centenas de pessoas. No dia 13 de setembro, eles receberam a doação de uma geladeira, o que vai facilitar a conservação e preparação das refeições. O MTST-RS está articulando, por meio de sua página no Facebook, uma campanha de doações para as famílias acampadas. “A gente necessita de alimentos como leite, pão, bolacha, café, farinha, etc. Qualquer tipo de doação será bem vinda. Precisamos também de roupas, roupas de cama e colchões, pois tem gente dormindo em papelões”, diz Janaina Silva de Oliveira.

Pontos de coleta de doações foram organizados na Comuna do Arvoredo (Fernando Machado, 464), no Sindicato dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul – Sindsepe (Avenida Otávio Rocha, 161), na Associação dos Servidores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Assufrgs (Avenida João Pessoa, 1392) e na Ocupação Mulheres Mirabal (rua Duque de Caxias, 380).

Ao longo da semana, a ocupação cresceu em tamanho e organização. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Além de agradecer pelas doações que já chegaram, Janaina faz um convite para as pessoas que estão sem moradia e quiserem se juntar à ocupação. “O MTST não cobra nada. Às vezes, o pessoal fica meio recuado achando que vai chegar aqui e vai ter um líder cobrando dinheiro. Não tem nada disso. O MTST só cobra luta, presença e resistência. Quem quiser se somar a nós para lutar será bem vindo. Nós ficamos sempre escondidos e isolados. Eles colocam a gente sempre pra trás. Vamos mostrar cada vez mais que temos direitos e vamos continuar lutando por moradia digna, saneamento, escola e saúde”.

Até a última quinta-feira, a Prefeitura de Porto Alegre, não havia feito nenhum contato com a ocupação. Os moradores só receberam algumas visitas da polícia que apareceu para “saber o que estava acontecendo”.

Galeria de fotos

Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Janaina Silva de Oliveira: “O MTST não cobra nada, só luta”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Dona Marta Machado decidiu se juntar à ocupação porque não tem onde morar. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

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