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8 de setembro de 2017
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12:21

Com atrasos do aluguel social, famílias recorrem a casas de parentes e voltam para ocupação

Por
Sul 21
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A recicladora Núbia foi despejada da casa onde morava com os dois filhos por atrasos no pagamento do aluguel social | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

O capítulo mais recente da história de Núbia Luísa Vargas dos Santos, 28 anos, atrás de um teto para ela e os dois filhos, a levou de volta para a casa da mãe. Desde que foi removida do leito da Voluntários da Pátria, para abrir caminho à construção da nova Arena do Grêmio, em 2007, Núbia espera por uma casa. Há três semanas, ela foi despejada do imóvel que alugava. O motivo: o atraso frequente no pagamento do aluguel social, do qual é beneficiária há dois anos. Os repasses do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) ao proprietário do imóvel, segundo ela, costumavam atrasar entre dois e quatro meses.

“Esse ano piorou muito a coisa, foi o mais sofrido que a gente já viveu. Não ter tranquilidade, um lar, para estabelecer tua família, pensar que hoje eu estou aqui, amanhã posso não estar, é muito cruel”, conta Núbia, que sustenta os filhos de 10 e 5 anos como recicladora em uma cooperativa localizada no bairro Navegantes.

Nos meses de junho e julho, denúncias sobre atrasos no pagamento do benefício – que funciona como “recurso assistencial mensal destinado a atender, em caráter de urgência, famílias que se encontram sem moradia”, segundo o site da Prefeitura – cresceram na Capital. Casos que chegaram à Defensoria Pública do Estado (DPE) foram reunidos em uma ação coletiva que aguarda julgamento no Tribunal de Justiça. A liminar que pedia urgência para a análise foi rejeitada.

Os números de pessoas afetadas pelos atrasos é controverso, de acordo com a defensora Patrícia Ketterman. Enquanto o Demhab atual aponta 1.800 famílias recebendo aluguel social em Porto Alegre, a administração anterior falava em 2.300 e o plano plurianual, votado na Câmara de Vereadores, traçava como meta, para 2017, atendimento a 3.500 famílias.

Os beneficiários dizem ouvir como justificativa do poder municipal que os pagamentos estariam sendo suspensos para apurar supostas irregularidades, por exemplo, casos de pessoas que receberiam o benefício sem se qualificar para tal, que moram em outras casas e usam o dinheiro do aluguel para outros fins. No entanto, segundo as denúncias, para investigar as irregularidades de parte dos contratos, o Demhab tem suspendido pagamentos de boa parte dos beneficiários sem aviso prévio.

“Os pedidos da Defensoria são muito singelos. Pedimos que os contratos sejam cumpridos e que, quando o Demhab identificar alguma situação de irregularidade, notifique as pessoas para que elas possam se defender antes da suspensão do pagamento”, explica Patrícia. “Eles suspendem sem notificar. As pessoas descobrem que não está ocorrendo o pagamento do aluguel social, quando o proprietário da residência, que é para quem o Demhab paga diretamente, chega e diz que está três ou quatro meses sem receber. Quando o proprietário pede para a pessoa sair, já está com meses de atraso. Isso fere o princípio de ampla defesa e o princípio do contraditório, que são princípios constitucionais”.

Despejo, aluguel, despejo

Ênio e Sônia, dois ex-moradores do Centro de Passagem, mostram a planta do projeto de apartamentos que o Demhab prometeu à comunidade | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O aluguel social foi criado como um subsídio que, a princípio, seria concedido pelo prazo máximo de seis meses, até que as famílias conseguissem se manter sozinhas. O valor é de R$ 450, o equivalente a “um aluguel popular”, segundo a Prefeitura. No caso de Núbia, porém, o aluguel foi oferecido pelo próprio Demhab sem um prazo fixado, mas com estimativa de duração de dois anos. Um caso específico pela situação das famílias removidas da Voluntários da Pátria para acomodar a construção da Arena do Grêmio.

Em 2007, as famílias foram retiradas da região e levadas para um terreno, cortado por uma estrada de chão poeirenta, é um corredor de casas que começa na rua Frederico Metz e termina na Voluntários, com a nova ponte do Guaíba ao fundo. O local, um Centro de Passagem de propriedade do município, abrigou antes as famílias da Vila dos Papeleiros, que aguardavam a construção de suas casas pelo programa Minha Casa, Minha Vida. A promessa da Prefeitura era de que as famílias deslocadas da Arena ficariam cerca de dois anos no local, até que pudessem encontrar uma nova moradia para elas. Sem estrutura, a nova vila passou a ser chamada de “Carandiru” pelos moradores.

“Quando viemos para cá, não tinha água, não tinha luz, foi a gente que colocou. O banheiro era comunitário, para todo mundo tomar banho, as esposas iam tomar banho e tinha que ficar na porta cuidando, senão ficavam espiando”, lembra Ênio da Silva Alves, 48 anos.

Em 2015, o Demhab apresentou uma nova proposta aos moradores. A construção de 11 blocos, com 5 andares acomodando 4 apartamentos em cada um, que seriam encaminhados às famílias. A previsão era de que os imóveis fossem construídos no terreno da Prefeitura, onde as famílias viviam até então, e que elas aceitassem sair do local e ir para o aluguel social até a construção ser concluída.

As casas que estavam no local chegaram a ser demolidas por máquinas da Prefeitura, mas, dois anos depois, o terreno está novamente ocupado por moradores que não quiseram ir para o aluguel social e outros que vieram de outras regiões da Capital. “Muitos estão voltando, por causa do atraso. O aluguel atrasa, proprietário coloca o pessoal para a rua e muitos teriam que voltar para cá. O Demhab disse que não era pra voltar, porque perderiam o direito do aluguel. Mas eles tiraram o pessoal daqui para construir as casas e até agora não construíram”, diz Ênio. “Eles prometeram para nós, que iriam retomar o projeto e construir o nosso local. Mas já faz dez anos, vamos esperar mais quanto? A minha esposa faleceu aqui dentro, esperando ir para uma casa”.

Ênio conta que seu aluguel está com pagamento atrasado há três meses. Ele não foi despejado porque o proprietário entende a situação, afirma. Uma ex-vizinha dele, Terezinha de Lourdes, 59 anos, segue no terreno da Prefeitura e não aceitou a proposta do subsídio. “Eu não fui pro aluguel social porque eles só pagam 400 pila, água e luz é a gente quem paga a diferença”, explica ela.

À espera de solução

Obras no local deveriam ter começado em 2015 | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A reportagem buscou contato com o Demhab, durante três dias, mas não obteve resposta às perguntas enviadas até a publicação. Segundo a assessoria, o diretor Mário Marchesan estaria com agenda cheia e não poderia atender ao pedido de entrevista.

Na sexta-feira, depois da publicação desta reportagem, o departamento respondeu ao email do Sul21. Segundo o Demhab, Porto Alegre tem hoje 900 famílias cadastradas para receber o aluguel social e 300 em análise. Os atrasos no pagamento do subsídio seriam causadas por uma auditoria aberta no Tribunal de Contas do Estado (TCE), no início do ano, para apurar irregularidades nos contratos. A ação já estaria em sua fase final e, quem não está recebendo os pagamentos em dia, pode procurar o departamento para esclarecer a situação.

Sobre o caso específico das famílias que foram removidas da região da Arena, o departamento municipal disse que “aparentemente”, eles fariam parte da Vila Liberdade e pertenceriam à Cohab, administrada pelo governo do Estado. “Estas famílias serão atendidas no empreendimento e deverão aguardar no local da regularização da área que está sendo designada pelo município. Todas as famílias cadastradas serão atendidas quando for liberada a verba federal do programa MCMV”.

A Defensoria Pública salientou que as ações que vêm sendo adotadas pelo poder municipal, para combater fraudes e irregularidades, é “louvável”. O problema é como elas repercutem nas vidas de pessoas que dependem do aluguel social e estão com os contratos regulares. “A Defensoria concorda com o que o Departamento está fazendo. O que não pode é, simplesmente, suspender o benefício para todos, enquanto a Prefeitura faz grupo de trabalho para identificar as irregularidades. Não dá para suspender serviço básico, como é o caso da moradia”, diz a defensora Patrícia.

Segundo ela, a Defensoria chegou a enviar ofícios ao Demhab pedindo informações e reuniões, mas não obteve retorno. Os próprios moradores reconhecem a necessidade de investigação e também dizem não ter soluções diretas do poder público.

“Atrasou muito mais, pela questão desses cortes que estão acontecendo. Tem coisas que a gente concorda em ter cortes, mas outras que são essenciais ao ser humano. Não fui eu quem pediu para ir para o aluguel social. Eu morava em uma área verde, eles me removeram para construir a Arena do Grêmio, então eles que têm que dar solução para o problema”, afirma Núbia.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

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