Cidades|z_Areazero
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2 de agosto de 2017
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10:58

Prefeitura muda ‘Adote um Escritor’ e lança plataforma da iniciativa privada, mas nega relação

Por
Sul 21
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A secretaria anunciou na semana passada sua decisão de não comprar livros novos para as bibliotecas, um dos eixos do Adote um Escritor. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Gregório Mascarenhas

Duas recentes mudanças na política de incentivo à leitura dentro da rede pública de ensino, propostas pela Secretaria Municipal de Educação (Smed), têm causado algum alvoroço nos círculos literários porto-alegrenses. Embora com finalidades próximas e realizadas ambas no mês de julho, a Prefeitura nega a relação entre as duas ações. De um lado está a adoção da plataforma ‘Elefante Letrado’, um programa de leitura desenvolvido por entidades privadas, nas escolas do município; do outro está o cancelamento da compra de livros por meio do programa Adote um Escritor, uma iniciativa que promove o encontro entre autores e alunos da rede municipal desde 2002.

Ainda que a Smed se refira à questão do Adote um Escritor como uma “mudança” – e não como uma extinção ou substituição –, a decisão causou protestos e será inclusive tema de um debate na Câmara de Vereadores nesta semana. O programa, mais do que oportunizar a compra de obras locais para escolas da rede, tem o objetivo de incentivar a leitura e o debate pedagógico através de um contato mais profundo com as obras literárias. Desde quando foi criado, há cerca de 15 anos, mais de 200 escritores já participaram. A secretaria, porém, anunciou na semana passada sua decisão de não comprar livros novos para as bibliotecas. Escritores dizem que há uma “conversa” a respeito de que o Adote seria “substituído” pelo Elefante Letrado.

Rafael Guimaraens diz que o Adote um Escritor proporciona um contato “muito rico, forte, algo muito emotivo para nós. Trata-se de saber que a obra tem consequência, por isso estamos lutando”. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Rafael Guimaraens é escritor e jornalista; está há 14 anos participando do Adote. Através do programa, alunos da rede pública municipal leram alguns livros de sua obra, conversaram com ele, criaram mapas e linhas do tempo dos casos abordados por Rafael em determinados trabalhos. “Para o escritor, é um momento muito especial, de perceber a utilidade social para além da obra sem si. De conhecer pessoas, trabalhar para que se aumente o índice de leitura”, conta ele.

Houve uma “estranheza” no mundo literário porto-alegrense ao se noticiar as mudanças do Adote um Escritor, e, para Rafael, não haveria motivos para tal – “é um programa que dá certo”, diz o autor. Ele explica que não se opõe à adoção da plataforma Elefante Letrado – pois “é mais um programa de leitura” – e que, na verdade, as duas iniciativas, embora tenham como objetivo o estímulo de um hábito que se perde, não têm a ver uma com a outra. “O Adote se difere pela presença do autor”, diz Rafael, que define o contato entre autores e leitores como “muito rico, forte, algo muito emotivo para nós. Trata-se de saber que a obra tem consequência, por isso estamos lutando”.

A Câmara Rio-Grandense do Livro escreveu, em nota, que recebeu “com surpresa a informação de que, em função da crise financeira que enfrenta a Prefeitura de Porto Alegre e de alterações decididas pelo Departamento Pedagógico da Smed (…), não serão alocados recursos às escolas para a aquisição de livros dos autores adotados, nem para a visitação escolar durante a 63ª Feira do Livro”.

Para a vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), que lidera uma frente parlamentar pelo incentivo à leitura, o Adote é uma “política pública fundamental que ajuda na formação de leitores e na garantia de auto-estima, uma política pública de ponta reconhecida no Brasil inteiro, por várias entidades e defensores de uma luta em defesa da leitura como parte da redução à desigualdade de acesso à informação”. O governo, afirma Fernanda, diz que vai não acabar com o Adote, mas antigamente a compra do acervo já começava desde abril, com políticas integradas. “As escolas produziam trabalhos belíssimos com os escritores escolhidos, uma parceria que envolve até a ida à Feira do Livro, que envolve a Câmara Rio-Grandense do Livro, que envolve o fomento à leitura junto com os professores”, argumenta.

Marchezan, no evento que marcou a disponibilização do Elefante Letrado ao poder público, disse que governo deve ultrapassar “burocracias e corporativismos” para oferecer tecnologia no aprendizado. Foto: Joel Vargas/PMPA

Enquanto isso, a plataforma Elefante Letrado, desenvolvida por uma empresa privada, já está sendo oferecida na EMEF Ildo Meneghetti, no Rubem Berta, como piloto. Trata-se de um acervo de centenas de livros de literatura infantil oferecidos digitalmente, em vários níveis de proficiência. Na Ildo Meneghetti, de acordo com uma notícia veiculada pelo site da Prefeitura, os tablets necessários para a leitura foram doados pela iniciativa privada. Marchezan, no ato de lançamento, ocorrida no Paço Municipal no dia 14 de julho, disse que é preciso vencer “burocracias e corporativismos” para que alunos da rede pública tenham mesmo acesso à tecnologia no aprendizado. A assessoria de comunicação da Smed afirmou, em nota, que a plataforma é oferecida gratuitamente ao poder público.

 

 


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