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14 de agosto de 2017
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15:11

Na capital da Aids no país, Gapa/RS perde sua sede

Por
Sul 21
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Foto: Maia Rubim/Sul21

Gregório Mascarenhas

Em Porto Alegre, cidade com maior número de óbitos decorrentes da Aids no país, e com uma taxa de detecção do vírus quatro vezes superior à média nacional, a sede de uma organização com 28 anos de luta contra a doença será devolvida a seu proprietário. Fechada há mais de dois anos por falta de condições estruturais, a casa que abriga o Grupo de Apoio e Prevenção à Aids no Rio Grande do Sul (Gapa/RS), sofreu um processo de reintegração de posse — o governo estadual, que alugava o imóvel, não paga as contas há pelo menos oito anos, de acordo com a ONG.

Carla Almeida: “Temos aqui documentação de mais de 10 mil pessoas, e esses documentos, que são de possa da entidade, envolvem quebra de sigilo sorológico”. Foto: Maia Rubim/Sul21

Na sexta-feira passada (11), moradores do entorno da residência, que fica na Cidade Baixa, enviaram mensagens à presidente do Gapa, Carla Almeida, avisando que pessoas estiveram na casa e lacraram o imóvel, com correntes e cadeados. Havia a informação de que na manhã desta segunda (14), o Estado estaria na sede para retirar os pertences de lá. “Aí nos mobilizamos para vir aqui”, conta Carla, que estava entre o grupo que foi até o imóvel para verificar a situação. Nenhum representante do governo apareceu, até o final da manhã, para remover o que está dentro da casa. A maior boa vontade e transparência, disse a ativista, veio do próprio dono do prédio. “Uma das preocupações é que temos aqui documentação de mais de 10 mil pessoas, e esses documentos, que são posse da entidade, envolvem quebra de sigilo sorológico. Isso é uma questão importante e que nos deixa preocupados”, afirmou.

As atividades na sede já vinham diminuindo pelo menos desde 2012, mas a entidade calcula que já atendeu a pelo menos 50 mil pessoas com acolhimento e informação sobre a doença. No começo dos anos 2000, o Gapa chegou a ter 120 voluntários e realizava em média três mil  atendimentos mensais. Já havia uma negociação para que a organização deixasse a casa, e outros espaços vinham – e vêm – sendo avaliados para sediar o grupo.

“A gente não recebeu nenhuma informação sobre o que iria ocorrer”, disse Costalunga. Foto: Maia Rubim/Sul21

“As portas do Gapa foram abertas e não tivemos aviso. Sabíamos que haveria um desfecho do processo que corria, de o dono da casa ficar com ela porque não estava sendo paga há muitos anos. Mas a gente não recebeu nenhuma informação sobre o que iria ocorrer. Começamos a falar com o pessoal para vir hoje para cá e ver o que iria acontecer”, contou Zé Hélio Costalunga, também do grupo e também membro do Conselho Municipal de Saúde. “A nossa biblioteca é vastíssima e conta toda a história da Aids, de maneira muito completa. Estamos pleiteando outro local para funcionar, e, até hoje não conseguimos nem com o Estado nem com o Município”, disse.

Outras entidades que eram sediadas na casa também se sentiram prejudicadas. Para o representante da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids (RNP+Brasil), Antônio Carlos Charqueiro, a desocupação também é preocupante: “Estamos com todo material de cadastro, de todas as pessoas do Rio Grande do Sul. Não tivemos tempo hábil para retirar, como vocês estão vendo. São coisas sigilosas, que, se vazarem, causam situações complicadas para nossa rede estadual. Até por questão de confiança. É um acervo de 15 anos, tem muita coisa”, alerta o ativista.

Coordenadora do Conselho Municipal de Saúde, Mirta da Rosa Zenquer também foi à sede do Gapa nesta manhã. Ela diz que os “movimentos sociais e espaços de controle social estão sendo de todas as formas desarticulados” e que o Gapa ”é algo histórico dentro dos dois controles sociais – os conselhos estadual e municipal – que existem. Aí está a importância. O poder público está novamente abrindo mão de um movimento que faz muito para a política de DST e Aids. Estamos vendo em todos os níveis de governo o descaso com essa patologia”, avaliou.

Carla Almeida: A casa tem um valor histórico muito grande. Dentro dela está toda a história da luta contra a Aids no RS, o Gapa foi pioneiro nessa questão ao ser fundado em 1989. Foi pioneiro em pautar essa questão junto à sociedade e pioneiro na luta pela garantia dos direitos das pessoas atingidas direta ou indiretamente pela epidemia. Ao longo desses anos, muitas outras instituições se formaram a partir daqui.

A Secretaria Estadual de Saúde informa que financiou o aluguel do imóvel para sediar o Gapa de 1991 a 2008, ano em que encerrou o contrato de locação. “Desde então, o Estado não efetuou mais pagamentos de aluguel, bem como providenciou inúmeras notificações à ONG para que desocupasse o imóvel. Em 07 de dezembro de 2015, o proprietário ingressou na Justiça com uma ação de despejo, o que foi concretizado na última sexta-feira (11)”, informou a pasta, em nota.

O texto diz que o objetivo inicial que motivou a realização do convênio não mais se justifica, “uma vez que hoje existem inúmeras organizações sociais que trabalham em ações de apoio aos portadores do vírus HIV. A última atividade convenial entre o GAPA e a SES encerrou em 2013”.

Grupo esteve, nesta manhã, em frente à sede para verificar situação. As vereadoras Fernanda Melchionna (Psol) e Sofia Cavedon (PT) também foram ao local. Foto: Maia Rubim/Sul21

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