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19 de julho de 2017
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11:04

Iluminação, relógios, Mercado Público: conheça os planos de PPPs da gestão Marchezan

Por
Luís Gomes
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Prefeitura está estudando a realização de uma PPP para a administração Mercado Público de Porto Alegre | Foto: Divulgação

Luís Eduardo Gomes

O segundo semestre de 2017 marcará o lançamento das primeiras concorrências para Parcerias Públicas Privadas (PPP) da atual gestão municipal, uma das principais apostas do prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB), senão a principal, para lidar com a falta de recursos para investimentos em infraestrutura em Porto Alegre. Para entender o que está sendo projetado, o Sul21 conversou no dia 11 de julho com o secretário municipal de Parcerias Estratégicas, Bruno Vanuzzi, responsável pela elaboração de projetos de PPPs, que incluem atualmente a renovação do sistema de iluminação pública, a renovação do mobiliário urbano, a gestão do Mercado Público e do Parque da Orla do Guaíba, reforma ou construção de nova sede para o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV) e ampliação na rede de saneamento básico.

Em 2 de maio, o Diário Oficial de Porto Alegre publicou o decreto que institui o Programa de Parcerias do Município de Porto Alegre (PROPAR/POA) e o Conselho Gestor do Programa de Parcerias do Município de Porto Alegre (CGP), órgão que será responsável pelo planejamento e execução, dentro de suas atribuições, de concessões e parcerias público-privadas no âmbito da Administração Municipal. Pelo decreto, o CGP é composto pelo vice-prefeito e pelos secretários de Parcerias Estratégicas, Fazenda, Planejamento e Gestão, Desenvolvimento Econômico, Transparência e Controladoria-Geral e pelo Procurador-Geral do Município. Também neste primeiro semestre, a Prefeitura firmou um acordo de cooperação com a empresa Radar PPP para capacitar servidores municipais nas áreas de Parcerias Público Privadas (PPPs) e concessões públicas, curso com duração de três meses.

Vanuzzi explica que o principal objetivo da atual gestão é adotar o modelo de PPPs em que a empresa vencedora fique responsável não só pela execução de uma obra ou serviço, mas também pela sua gestão durante toda a duração do contrato, que pode ser de 10, 15, 20 ou a mais anos, dependendo do caso. Além disso, explica que a ideia da Prefeitura é elaborar os projetos ela própria, em parceria com organizações de fomento como o Banco Mundial, BNDES, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Corporação Andina de Fomento (CAF), que possuem programas de apoio a elaboração de projetos de PPPs, para garantir “maior transparência” e poder contar com a “expertise já atestada” destas instituições.

Secretário Bruno Vanuzzi durante curso de gestão pública a respeito de PPPs em junho | Foto: Brayan Martins/ PMPA

Ele diz que, na gestão anterior, o método preferencial era o chamamento público, em que as empresas deveriam apresentar projetos para áreas em licitação e ficavam responsáveis, na maioria dos casos, pela execução das obras, ficando a Prefeitura responsável pela manutenção depois de prontas – ou por contratar uma terceira empresa para isso.

“Se quem tem que fazer a manutenção é quem construiu, espera-se que construa melhor”, diz Vanuzzi, acrescentando que este modelo também reduziria o número de problemas que ocorrem entre as fases de execução e manutenção dos serviços e acabaria com o “jogo de empurra” entre as empresas responsáveis por cada parte. “Quem construiu diz que a culpa é de quem faz a manutenção, quem faz a manutenção diz que a construção é errada. A ideia é quem constrói opera, isso gera maior qualidade de operação e diminuiu o grau de incerteza a respeito dos responsáveis quando der algum problema”, afirma.

A outra justificativa para a Prefeitura preferir concessões de execução e gestão casadas é a questão financeira. O secretário diz que, no momento, não há condições de investimento nem de tomar financiamentos para arcar com os custos das obras. Nesse modelo, porém, ele afirma que a responsabilidade pelo investimento inicial recai sobre o setor privado, que vai sendo remunerado pela Prefeitura e pelo lucro da operação durante a duração do contrato, alongando assim os prazos para o pagamento.

Por fim, afirma que os contratos de PPPs em gestação são mais modernos porque definem melhor as matrizes de risco, isto é, o que é responsabilidade de quem no contrato, o que facilitaria a fiscalização e o controle sobre as concessionárias. Na prática isso significa, segundo ele, que, se há erro de projeto feito pela Prefeitura, a responsabilidade é do poder público. Se o erro é de execução, a responsabilidade é do setor privado.

Prefeitura pretende modernizar rede de iluminação pública de Porto Alegre em um prazo de 2 a 3 anos | Foto: Luciano Lanes/PMPA

Seis projetos prioritários

1) Iluminação pública

A ficha um do ‘cardápio’ de obras e serviços a serem oferecido para PPPs é a iluminação pública. O processo licitatório deve iniciar ainda no início do segundo semestre. A ideia da Prefeitura é substituir o atual modelo por lâmpadas de LED, implantando também um sistema de telegestão, que, teoricamente, permitirá fazer o acompanhamento à distância e, segundo Vanuzzi, melhor controle sobre a iluminação das vias e a redução do consumo. Ele diz que o sistema permitirá, por exemplo, identificar pontos de grande circulação de pedestres durante a noite e melhorar a iluminação nesses locais para aumentar a segurança. A empresa que firmar a PPP será responsável pela substituição do parque, pela manutenção e gestão do novo sistema.

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A remuneração da concessionária viria de uma margem de eficiência gerada pela redução de gastos da Prefeitura com o ganho de eficiência esperado a partir da realização do serviço pela iniciativa privada. Isto é, parte desse ganho de eficiência esperado voltaria para a Prefeitura em economia e parte seria destinado à remuneração/lucro da empresa responsável pela obra. Além disso, a empresa recebe ao longo do contrato uma remuneração fixa. A vantagem para a Prefeitura, segundo Vanuzzi, é não ter que fazer o aporte inicial e ser mais barato que a tomada de um financiamento.

2) Relógios e mobiliários urbanos

Também encaminhada para os próximos meses está a concessão da operação dos relógios de rua da Capital, desativados desde julho de 2015. A gestão de José Fortunati (PDT) tentou por duas oportunidades licitar este serviço, primeiro em conjunto com todos os outros que compõem o pacote de mobiliário urbano – junto com placas de identificação de ruas (toponímicos), abrigos de ônibus e bancas de revista -, mas não apareceram interessados. Posteriormente, licitou-se o direito à exploração dos relógios digitais com a contrapartida de implementação e troca de 8 mil toponímicos, mas a licitação foi suspensa após o Ministério Público de Contas (MPC) pedir impugnação do processo.

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Vanuzzi explica que a atual gestão fará concessões separadas para cada um dos serviços. O primeiro a ser licitado será os relógios de rua. A empresa vencedora ficará responsável pela instalação de 150 equipamentos em locais pré-definidos em projeto da Prefeitura e obterá sua remuneração da exploração de espaços de publicidade. Na sequência, será licitada a instalação e manutenção de 14 mil toponímicos, com a concessionária sendo remunerada pelo direito de exploração de pequenos espaços publicitários no topo de cada placa. Segundo o secretário, a ideia é que, assim, este se torne um “negócio autossustentável”.

Ele justifica a separação por se tratarem de negócios “essencialmente diferentes”, uma vez que os relógios têm um espaço maior de publicidade, voltado para anunciantes de médio e grande porte, alto custo de implementação e baixo de manutenção, e o segundo com pequenos espaços voltados para publicidade de “negócios de bairro”, baixo custo de implementação por unidade, mas um elevado custo de manutenção, uma vez que as placas estão mais sujeitas a deterioração temporal, climática e por ações de vandalismo.

Relógios de rua estão desativados desde 2015 | Foto: Guilherme Santos/Sul21

3) Mercado Público

A ideia da Prefeitura é fazer a concessão da administração do Mercado Público e garantir sua reforma, que ainda não foi concluída mais de quatro anos depois do incêndio do segundo andar. No entanto, Vanuzzi nega que a intenção seja transformar o local em um shopping, como temem clientes e os atuais permissionários do Mercado. “Não há a menor intenção por parte da Prefeitura de transformar o Mercado Público em um shopping center. Acho que isso está totalmente descartado e nem seria viável do ponto de vista jurídico, porque o Mercado é um patrimônio histórico tombado”, afirma.

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Segundo ele, inicialmente será feito um chamamento público para que sociedade e empresas apresentem modelos de gestão para o Mercado e para que se possa fazer um “amplo debate para que sociedade e Prefeitura definam como o Mercado será gerido nos próximos anos”. Vanuzzi afirma que a pasta está em fase avançada do termo de referência para o chamamento público, que terá como premissas a manutenção da identidade cultural do Mercado Público, o integral cumprimento dos contratos em vigor com os permissionários e o respeito ao patrimônio histórico.

Obras de revitalização da Orla iniciaram no primeiro semestre de 2016 | Foto: Joana Berwanger/Sul21

4) Orla do Guaíba

O Parque da Orla do Guaíba, entre o Usina do Gasômetro e a Rótula das Cuias, está com obras em andamento desde o ano passado e, segundo a atual gestão, já está mais de 80% concluído. Vanuzzi afirma que a empresa contratada para a obra, a partir de um financiamento do CAF, é responsável apenas pela execução do projeto, de autoria do ex-prefeito de Curitiba e arquiteto Jaime Lerner.

Ele diz que o conceito da atual gestão é que, concluídas as obras, seja contratada uma consultoria para auxiliar na elaboração de um modelo de gestão para o parque, que não necessariamente significará uma PPP, podendo ser seguido o modelo da adoção de espaços por empresas. “A consultoria vai ter como uma de suas primeiras tarefas análise de diagnóstico e cenários. Queremos ouvir o que a sociedade espera e quais são as possibilidades de arranjos que vislumbra. Claro, nem tudo que for proposto é viável, uma das tarefas da consultoria é fazer a triagem”, diz o secretário.

Vanuzzi afirma ainda que inicialmente a Prefeitura está analisando apenas projetos para o primeiro trecho, entre o Gasômetro e a Rótula das Cuias. A ideia é que, posteriormente, passe a pensar no trecho 3, do Arroio Dilúvio ao Parque Gigante, que também tem um projeto assinado por Lerner, com viés de parque esportivo. Para este novo trecho, a ideia seria já pensar a execução da obra e manutenção em uma mesma concessão. “A ideia, até por questão de respeito ao dinheiro público que foi investido na contratação daquele projeto, é manter. O que nós podemos discutir é algo que não envolve descartar o projeto que foi feito, pensar na gestão e operação”, diz Vanuzzi.

HMIPV está localizado em um prédio do governo federal | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

5) HMIPV

Vanuzzi explica que o hospital Presidente Vargas está instalado hoje em um prédio federal, construído há mais de 50 anos, cuja estrutura física é “altamente deficitária” e não atende os “mínimos requisitos” de conforto e operacionais para profissionais da saúde e pacientes. Segundo ele, a ideia é viabilizar junto ao Banco Mundial a construção de uma nova estrutura física – ou ao menos de uma reforma -, que poderá oferecer melhores condições. Ele afirma, no entanto, que o hospital deverá continuar sendo “100% SUS”. “O Hospital Presidente Vargas é um hospital de atendimento gratuito à população e assim continuará”, diz.

6) Saneamento básico

Após as obras do Projeto Integrado Socioambiental (Pisa), feito ainda nas gestões da Frente Popular e concluído na segunda metade do governo Fortunati, Porto Alegre passou a tratar cerca de 70% do esgoto que produz, com a capacidade instalada para alcançar o índice de 80%. Para chegar à universalização da coleta e tratamento de esgoto, Vanuzzi afirma que a Prefeitura estuda realizar uma PPP em que a iniciativa privada ficará responsável pela ampliação da rede, especialmente pela interligação dos atuais sistemas de encanamento. Ele afirma que ainda não há projeto para área e que a pasta está em fase de identificação de necessidades junto ao BNDES.

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Controle social

Pesquisador do Observatório das Metrópoles, Núcleo Porto Alegre, e pós-doutor em Sociologia, o professor Milton Cruz, da Unisinos, salienta que políticas de co-responsabilização da gestão das cidades entre o setor público e privado ganharam força na Europa e nos EUA a partir dos anos 1970, com a justificativa de que o Estado já não tinha mais capacidade de arrecadação para realizar obras de infraestrutura.

Avaliando a intenção da atual gestão de apostar na elaboração de projetos com instituições de fomento e de fazer concessões de construção e manutenção de infraestrutura e serviços, Cruz avalia que uma das preocupações que surge diz respeito ao controle social destes processos e à adequação aos instrumentos de indução ao desenvolvimento urbano e participação previstos no Estatuto da Cidade.

“O controle da operação deve ser obrigatoriamente compartilhado com representação da sociedade civil. Este é um ponto chave para definir o caráter democrático da operação. A gestão compartilhada da operação engloba: a fiscalização da aplicação das regras definidas pela lei que criou a operação, a avaliação precisa das contrapartidas extra-monetárias, o controle dos fluxos de dinheiro e suas aplicações para evitar desvios para outras finalidades que não da própria operação, a resolução de conflitos e controvérsias que surgirem ao longo do processo de implementação, e a promoção permanente da operação”, afirma Cruz.

Sociólogo Milton Cruz, em imagem de arquivo | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Ele defende que seja criado um organismo gestor permanente e autônomo que possa atuar no controle da operação. Também pondera que o Orçamento Participativo, tecnologia social que também foi apoiada pelo Banco Mundial no passado e na atual gestão está suspenso sob a argumentação de falta de recursos, pode cumprir um papel importante no controle social das PPPs.

“O Orçamento Participativo mostrou a possibilidade de se combinar a expertise dos técnicos que elaboram o projeto com a participação dos moradores que conhecem e vivenciam o bairro e os usuários da infra-estrutura urbana. Esta tecnologia social que leva os técnicos responsáveis pelos projetos ao encontro de moradores, usuários e da cidadania, retirando-os dos gabinetes, promove a mudança de percepção tanto dos técnicos quando da população a respeito das melhores soluções para os problemas da cidade”, afirma Cruz.

O professor defende que o monitoramento social garante melhor execução de obras que se estendem por longos períodos e sugere a criação de mecanismos de prestação de contas e acompanhamento dos projetos, da concepção ao funcionamento pleno, para evitar distorções e problemas que já ocorreram no passado em obras como o Conduto Forçado da Álvaro Chaves, nos Corredores de Ônibus, no túnel da Anita Garibaldi, entre outras. “Caso este ajustamento das PPPs aos dispositivos legais contidos no Estatuto da Cidade e aos ensinamentos trazidos pela experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre não seja realizado, então continuaremos enfrentando graves problemas de gestão na implementação dos projetos, como os citados anteriormente, que se propõem a qualificar a infra-estrutura urbana e melhorar a qualidade de vida na cidade”, diz.

Cruz ainda pondera que os casos do Mercado Público, da Orla do Guaíba e também do Quarto Distrito – sobre o qual há um projeto de revitalização desde a gestão passada, pela sua importância, “devem ser vistos como projetos complexos que impactam a cidade e a Região Metropolitana pelos próximos 50 anos” e “dizem respeito ao conjunto da cidadania e não apenas ao poder púbico e ao setor privado, que ainda não desenvolveram tecnologia de implementação e de gestão para esse tipo de intervenção urbana”.


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