Cidades|z_Areazero
|
9 de junho de 2017
|
18:51

Estudantes fazem ato em apoio a ocupação: ‘Não é papel da UFRGS colocar 98 famílias na rua’

Por
Luís Gomes
[email protected]
Estudantes participam de protesto contra a ação de reintegração de posse movida pela universidade | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) realizaram na manhã desta sexta-feira (9) um ato de apoio aos moradores da comunidade Vila Boa Esperança, que ocupa um terreno de propriedade da UFRGS localizado no Morro da Companhia, na altura do número 7.233 da Bento Gonçalves, próximo ao Campus do Vale. Eles pedem que a universidade, que exige a reintegração de posse do terreno na Justiça, aceite negociar para que as quase 100 famílias que moram na região possam permanecer em suas casas e não ser despejadas.

Leia mais:
Defensoria pede que terreno da UFRGS, ocupado por 70 famílias, vire concessão para fins de moradia
Movimentos protestam em apoio a Ocupação Nova Esperança na UFRGS

Secretário da associação de moradores da Vila Boa Esperança, Cleuton da Silva Lima, 34 anos, diz que os primeiros moradores começaram a ocupar o local nos anos 1960, quando trabalhavam na retirada de saibro da região. Ele morou no local na infância, depois foi viver de aluguel em Viamão. Há cerca de 15 anos, foi convidado para retornar por uma líder comunitária. Atualmente, mora na comunidade ao lado da mulher e dos três filhos do casal.

“Em Viamão era horrível para morar, o deslocamento era muito ruim”, diz Cleuton, que trabalha na fábrica da Vonpar no bairro Sarandi. Apesar de precisar pegar dois ônibus – faz uma troca no Terminal Triângulo -, diz que a maior diferença é para seus filhos, que agora podem ir à escola a pé e têm acesso a um posto de saúde próximo, localizado na Av. Antônio de Carvalho. Caso precisasse pagar passagens de ônibus, diz que talvez eles não conseguissem ir para a escola, o que já ocorreu em anos anteriores.

Cleuton da Silva Lima falou com aos estudantes durante o ato | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

A UFRGS alega que o terreno, de 43,4 hectares e localizado diante da Faculdade de Agronomia, foi cedido pela União nos anos 1940 como parte da área destinada para a construção do Campus do Vale e que nunca foi utilizado por se tratar de um corredor ecológico destinado à preservação ambiental. Por esse mesmo motivo, não haveria nenhum projeto para ocupação da área.

A universidade entrou com o processo de reintegração de posse em 2009 após o Ministério Público exigir informações quanto a possíveis ocupações irregulares em seus terrenos. À época teria sido feito um mapeamento do local em que está localizada a Vila Boa Esperança e constatado-se que se tratava de uma ocupação irregular. Os moradores, no entanto, afirmam que, durante o processo de cadastramento das famílias, a universidade havia indicado que pretendia regularizar a ocupação. A Prefeitura de Porto Alegre, inclusive, já teria feito obras para instalação de bueiros e estrutura hidráulica no Morro.

Em fevereiro deste ano, o processo de reintegração de posse foi retomado e a UFRGS chegou a ganhar a ação em primeira instância, mas o Ministério Público pediu a suspensão do processo para que fossem realizadas audiências de mediação. Até o momento, aconteceram dois encontros e está em vigência um prazo para que a universidade apresente mais informações sobre a questão.

Cleuton salienta que a comunidade deseja negociar com a UFRGS e que, se necessário, está disposta a pagar pela utilização do terreno, mas que pretende resistir à reintegração de posse, uma vez que a maioria das famílias não teria para onde ir. “As pessoas falam em programas de moradia, mas não é tão fácil conseguir financiamento da Caixa. O aluguel social também está bem complicado”, pondera. “A UFRGS não quer negociar nada. Só quer o terreno e pronto, mas nem tem projeto para ele”, questiona.

O líder comunitário reivindica a permanência no local como um direito à moradia. Ele defende que, ao contrário da remoção, o poder público deveria trabalhar para urbanizar a comunidade. Atualmente, apenas as casas mais próximas da Bento Gonçalves têm acesso regular a água e luz. A identificação das ruas foi feita pelos próprios moradores, mas não é reconhecida pelo poder público. Há um único endereço que recebe as correspondências dos moradores e dali elas são distribuídas. Cleuton, no entanto, salienta que isso nem sempre acaba dando certo. “Cartão eu
nem mando para a minha casa. Fica no envelope lá na rua, pega uma chuva e deu. Muitas correspondência tu vai ver lá na caixa e está tudo molhado”.

Djeison Diedrich, integrante do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (Saju-UFRGS), que presta assessoria jurídica à comunidade, pondera que a universidade tem demonstrado intransigência para lidar com a questão. “A comunidade está lá há décadas. Eles têm o direito real de uso de permanecer lá, mas a UFRGS fica buscando pretextos para tirá-los de lá, não reconhece a legislação urbanística, não reconhece o direito à moradia, alega que é área de preservação ambiental, área de risco, mas não tem nenhuma comprovação disso”, pondera. “Eu não consigo entender qual é a motivação, porque não tem nenhum projeto da universidade, não tem qualquer interesse da universidade em utilizar aquele espaço e simplesmente querem tirar os moradores”.

Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

A UFRGS de fato alega, entre os motivos para pedir a reintegração de posse, que a comunidade está em uma área de risco e que poderia ocorrer escorregamento de solos e pedras para a avenida, já haveria registro de deslizamentos e uma parte das moradias estaria localizada em uma área em que seria necessária a construção de um muro de arrimo para conter um talude remanescente. “Como se trata de uma área de risco, do ponto de vista legal, não existe a possibilidade de regularização, pois apresenta clara ameaça de deslizamentos da encosta e, principalmente, à integridade das pessoas”, diz a universidade em nota.

Cleuton, no entanto, afirma que os moradores estão no local há décadas e que não haveria notícias de problemas decorrentes de deslizamentos. Ele afirma que fez, pessoalmente, uma pesquisa no posto de saúde que atende a região e não encontrou nenhum registro de vítimas de deslizamento. “Olha a chuva que deu nessa semana. Não caiu nenhuma telha das casas”, afirma.

Na defesa da comunidade, a Defensoria Pública da União afirma que a UFRGS não apresentou até o momento nenhuma comprovação de que o Morro da Companhia configura uma área de preservação ambiental e nem que o local em que as casas da Boa Esperança estão construídas corre risco de desmoronamento, o que seria referente a outra parte do terreno da universidade.

Os estudantes presentes no protesto desta sexta também questionam a falta de diálogo da universidade sobre o assunto. “A gente não consegue dialogar com eles para saber o motivo. A reitoria se nega a qualquer forma de diálogo com os moradores, com a comunidade acadêmica e com a Defensoria”, diz Luíza Karana, estudante do curso de Ciências Sociais. “Eu acho que é importante que a gente tome consciência enquanto estudantes. A gente não acha que é necessário que essas pessoas sejam removidas para que possamos estudar”, complementa Bárbara Gonçalves, estudante de História.

Djeison, que recentemente concluiu o curso de Direito na UFRGS, pondera que não é o papel de uma universidade pública, que pretende cumprir um papel social importante, ser ela própria geradora de exclusão social. “Deveria ser o contrário, deveria ser a forma com que as populações mais vulnerabilizadas têm acesso a direitos”, diz. “A UFRGS trabalha tanto com educação e quer botar 70 crianças na rua?”, questiona ainda Cleuton.

Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21
Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora