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21 de março de 2017
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17:25

Professores, servidores e comunidade se unem em defesa de Secretaria de Esportes

Por
Luís Gomes
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Fórum em Defesa da SME: Pelo Direito Social ao Esporte, Lazer e Recreação reuniu dezenas de pessoas no Plenário da Câmara de Vereadores | Foto:Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Dezenas de pessoas lotaram na manhã desta terça-feira (21) as galerias do plenário da Câmara Municipal de Vereadores de Porto Alegre. Eram professores universitários, servidores, líderes comunitários ou simplesmente pessoas preocupadas com a extinção da Secretaria Municipal de Esportes (SME), aprovada pela Casa em 2 de janeiro, na votação da reforma administrativa encaminhada pelo prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB). Em pauta, o temor de que a perda de status da pasta, ainda a ser ratificada em lei, leve à redução das atividades de lazer, recreação e esportes oferecidas pela Prefeitura.

Apesar da extinção da SME ter sido autorizada em janeiro, ainda não foi efetivada porque a Prefeitura tem um prazo de 12 dias, ainda não concluído, para regulamentar uma lei específica extinguindo a pasta (o mesmo vale para outras secretarias extintas em janeiro) e determinar de que forma suas funções e pessoal serão absorvidos pela Secretaria do Desenvolvimento Social, secretaria “guarda-chuva” criada por Marchezan que já engloba a pasta dos esportes.

Enquanto essa regulamentação não ocorre, a SME continua, na prática, existindo. Ainda que não tenha mais um secretário específico, ainda possui um adjunto e os demais cargos, incluindo profissionais cedidos por outras áreas. Para tentar reverter a extinção e manter a secretaria existindo de forma autônoma, foi criada na Câmara a Frente Parlamentar em Defesa do Esporte, Recreação e Lazer – com assinaturas de 25 vereadores de oito partidos – e o Fórum em Defesa da SME, que realizou o encontro nesta terça com apoio das faculdades de Educação Física da UFRGS, PUCRS, Unisinos, IPA e Ulbra.

Hamilton Toldo fala durante o Fórum em Defesa da SME | Foto: Maia Rubim/Sul21
Hamilton Toldo fala durante o Fórum em Defesa da SME | Foto: Maia Rubim/Sul21

“Nós nos contrapomos ao argumento da racionalização administrativa tendo em vista que a SME conta com cerca de 100 professores concursados (cerca de 30 cedidos pela Secretaria Municipal de Educação e outra pastas), um conjunto de funcionários administrativos de no máximo 25 e o orçamento total é 0,37%. Sendo que 88% dessa percentagem é destinado à folha de pagamento e os funcionários vão continuar, porque são concursados. Se não for aqui, vai ser em outro órgão”, afirma Hamilton Toldo dos Santos, professor da SME e um dos palestrantes do fórum nesta manhã.

A vereadora Sofia Cavedon (PT) também critica a falta de diálogo por parte da Prefeitura sobre o processo de extinção e de como será o futuro das políticas de recreação, esporte e lazer na atual gestão. “Ele vai tirar do nada, de uma gaveta, uma nova estruturação? Não tem nem um processo participativo”, diz. “Nós esperávamos, durante esses 120 dias, um diálogo com a sociedade, de tomada de conhecimento, o que não aconteceu. Infelizmente, é a marca do Marchezan. Na educação também, sem conhecer as escolas e sem ouvir as comunidades, ele impôs uma nova rotina”.

Questionada sobre a possibilidade de reversão da extinção, Cavedon respondeu: “Eu acredito na força da cidadania, não no perfil democrático do prefeito, lamentavelmente. Mas nós aprovamos a criação da frente parlamentar. Tem uma maioria de vereadores que está incomodada com essa forma de mudar as políticas públicas”.

Vereadora Sofia Cavedon (PT) participou dos debates do fórum | Foto:Maia Rubim/Sul21
Vereadora Sofia Cavedon (PT) participou dos debates do fórum | Foto:Maia Rubim/Sul21

Continuidade das ações

Como a Prefeitura ainda não regulamentou a extinção da SME, oficialmente ainda não se sabe o que será feito das atividades e programas realizados pela SME junto à comunidades, parques e praças da cidade. Os membros do fórum, porém, temem que a perda de status reflita uma falta de interesse da Prefeitura na área.

“Há pessoas que têm o argumento de que acaba a SME e não acaba o serviço. Mas ao recuar de secretaria para uma condição de departamento tu perde status no campo das disputas internas dos lugares”, diz Marco Paulo Stigger, professor da UFRGS.

Hamilton também diz que o entendimento dos profissionais que atuam na SME é que a perda de status prejudique a continuidade dos programas atuais. Ele cita, como exemplo, o programa “Em Cada Campo uma Escolinha”, do qual ele faz parte, que, em parceria com comunidades, ajuda a organizar escolas de futebol em campos da cidade. “Nós entendemos que as ações vão sofrer prejuízo de continuidade sim. Podem ser prejudicadas ações do dia a dia das unidades recreativas, parques e praças, onde estão as equipes de trabalho”, afirma.

Motivados por esse temor de prejuízo aos programas esportivos municipais, diversos representantes comunitários participaram das atividades na Câmara nesta manhã.

Nelci Girardi, frequentadora do parque Alim Pedro, no bairro Passo D’Areia, explica que ali são desenvolvidas atividades voltadas para crianças, como o Dia de Brincar, grupos de convivência e atividades físicas para a terceira idade, caminhadas orientadas, escolinhas de futebol e vôlei, aulas de ginástica, de ritmos, ioga, entre outros.

Nelci Girardi, frequentadora do Parque Alim Pedro | Foto: Maia Rubim/Sul21
Nelci Girardi, frequentadora do Parque Alim Pedro | Foto: Maia Rubim/Sul21

“Não é só uma ginástica, é uma comunidade toda que vai perder. Vai perder o espaço para caminhadas, vai perder o espaço da questão da saúde, da convivência. Se terminar a SME, é óbvio que nós vamos perder professores qualificadíssimos que nós temos hoje”, pondera.

Nelci diz ainda que as atividades esportivas, além dos benefícios para a saúde, ajudam a criar vínculos na comunidade e ajudaram a gerar, por exemplo, festas juninas e de fim de ano organizados pelos frequentadores do parque. “A comunidade do IAPI e arredores só é participativa porque a SME está ali”, afirma. “O impacto da extinção vai ser de uma comunidade e arredores abandonada, sem ter o que fazer. Porque não se sabe o que vai acontecer”.

Ela ainda espera que vereadores e o próprio Marchezan visitem as praças e parques para conhecer as atividades desenvolvidas antes de regulamentar a lei. “Quem foi conhecer esses espaços? Quem foi perguntar para a comunidade? A gente está convidando. Pode vir qualquer vereador, pode vir prefeito, porque vão conhecer um parque que agora não tem ninguém para fazer a limpeza, mas está limpo. A cidade está suja, os parques estão limpos, porque a comunidade se envolve”, diz.

Interesses mercadológicos

O professor Stigger, que desenvolve um grupo de estudo sobre atividades de recreação e lazer na universidade federal – fez também sua tese de mestrado sobre a atuação de SME -, recorda que as primeiras políticas públicas voltadas para a área surgiram na Capital em 1926, com as Ruas de Recreio, que, posteriormente, deram origem ao Serviço de Recreação Pública, que então evoluiu para SME. Stigger salienta que essa tradição estimula diversos estudos nas universidades da cidade. “O que vale a apena estudar em termos de esporte e lazer? Aquelas coisas que são interessantes, que têm mobilizado pessoas e a gente procura entender como e porquê as pessoas se mobilizam”, diz.

Segundo o professor, os trabalhos são voltados para entender o que a população pensa sobre o que ela faz e vive. Ele cita o que um representante do Campo do Arariboia falou no evento, fazendo relações que são estudadas pela academia do esporte com lazer, saúde, cidadania, felicidade e divertimento. “É pensar pouco em ser feliz? É o que essas pessoas estão dizendo aqui hoje. Essa secretaria presta um serviço fundamental que melhora a nossa vida de maneira muito forte em todos esses sentidos”, afirma.

Evento na Câmara reuniu comunidades e professores universitários em defesa de SME | Foto:Maia Rubim/Sul21

No entanto, o professor afirma que o descarte de toda essa tradição está relacionado, além das políticas de corte de custos estatais por governos neoliberais, também a interesses mercadológicos na área.

“Hoje, no Brasil, pautado por esse neoliberalismo, fruto do capitalismo que transforma tudo em mercadoria, nós estamos vivendo a diminuição do estado e o estímulo ao mercado. Hoje, a educação se transforma em mercado, tem menos serviço público na educação, o mercado da saúde gera menos investimento em saúde e, no nosso caso, o mercado do lazer gera menos serviço público em lazer. Quem pode pagar, vai ter lazer”, diz.

Stigger argumenta ainda que o lazer mercadológico é uma das áreas da atividade econômica que mais crescem no País. “É um grande mercado e essas pessoas que estão aqui não pagam e tem um serviço de alta qualidade nessa secretaria”, diz. “O que está em disputa é lazer e mercado versus lazer e direito social. E o lazer é um direito social e um dever do Estado desde a Constituição de 1988. O que estamos vendo aqui é a diminuição desse dever em nome da velha discussão de corte de custos e tratar programas públicos como custo, quando, na realidade, são investimentos”.

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Foto:Maia Rubim/Sul21
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