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25 de março de 2017
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18:58

Ocupação Primavera questiona projeto de revitalização do Quarto Distrito

Por
Sul 21
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Doze famílias ocuparam prédio abandonado há anos. “Queremos achar o nosso cantinho”, diz Thais de Almeida com suas duas filhas. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Marco Weissheimer

No dia 18 de março, ocorreram duas ocupações, uma em Porto Alegre e outra em Pelotas, denunciando o não cumprimento da função social da propriedade nestes municípios. Em Porto Alegre, 12 famílias ocuparam um prédio de três andares, localizado na rua Comendador Azevedo, bairro Floresta, dentro do chamado Quarto Distrito. As famílias afirmam que o prédio está abandonado há mais de 10 anos e reivindicam que o mesmo seja destinado para moradia popular e espaço cultural. A ocupação foi batizada como “Primavera” em homenagem à Praça Florida, que fica em frente ao imóvel. Em Pelotas, estudantes e ativistas culturais ocuparam um imóvel da Marinha abandonado, que foi batizado como “Casa de Conexão”. Os ocupantes reivindicam que o imóvel seja destinado para moradia estudantil e centro cultural.

As duas ocupações tem apoio do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e integram a campanha nacional pela função social da cidade e da propriedade, articulada pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana.

Segundo Ezequiel Morais, do MNLM, a ocupação Primavera representa a necessidade de destinação de imóveis abandonados na região do 4° Distrito para habitações de interesse social, garantindo melhores condições de moradia para a população de baixa renda. O mesmo prédio foi objeto de outra ocupação, em 2014, quando um grupo de jovens transformou o imóvel no Espaço Cultural Chaminé, destinado a combater a elitização e centralização da arte, e que procurava promover atividades culturais em uma área degradada da cidade. A empresa Mottin Participações S.A., proprietária do prédio e de vários outros imóveis na mesma quadra, ingressou com um pedido de reintegração de posse que acabou sendo concedido pela Justiça. Após cerca de dois meses de ocupação, o grupo foi despejado.

Ezequiel Morais: “Projeto do 4° Distrito deve ser pensado não apenas quanto às estruturas físicas da região, mas levando em conta também as pessoas”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

A empresa proprietária do imóvel ingressou com pedido de reintegração de posse, alegando, entre outras coisas, que o prédio de três pavimentos apresenta perigo de desabamento e que estaria providenciando uma vistoria para iniciar reformas no mesmo. A juíza Munira Hanna, da 14ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, já concedeu a reintegração, com uso de força policial, se preciso, alegando, entre outras coisas, que “diante das péssimas condições de conservação do local e risco de desabamento o exercício direto da posse seria inviável”. Além disso, assinala a decisão, atos recentes dos ocupantes “inviabilizariam o início das reformas necessárias à conservação do bem”.

Os ocupantes do edifício contestam essa versão e dizem que o mesmo está abandonado há anos, sem que os proprietários tomassem qualquer medida para tratar da conservação do imóvel. “Temos engenheiros e arquitetos que vão contestar esse diagnóstico de que o prédio apresenta risco de desabamento”, assegura Ezequiel Morais. Ele relata que o prédio estava completamente e abandonado e tomado de lixo, dentro e fora de suas dependências, sem nenhum sinal de cuidado por parte dos proprietários.

A arquiteta Paola Maia, da Arquitetura Humana, diz que o prédio não parece estar com a estrutura comprometida e chama a atenção para a situação de abandono de dezenas de prédios na região do 4o Distrito. “Esse prédio é característico de uma arquitetura muito marcante em Porto Alegre, no estilo art déco. Esse entorno da Voluntários abriga um dos maiores conjuntos de art déco do Brasil. São prédios históricos, um patrimônio imenso, que estamos deixando passar batido”.

Após remover o lixo que tomava conta do local, famílias começaram a fazer pequenos consertos para recuperar o prédio. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

A primeira tarefa da ocupação Primavera foi remover a montanha de lixo que se acumulava em vários pontos dentro e fora do imóvel. “A frente do prédio estava puro lixo. Fizemos uma limpeza e um caminhão do DMLU veio aqui recolher para nós”, conta Ezequiel Morais. Além disso, as famílias começaram a fazer pequenos consertos na parte hidráulica e em outras estruturas do prédio que possui três quartos e uma cozinha em cada andar. Os primeiros dias também foram dedicados à organização coletiva da ocupação que reúne pessoas que estão realizando esse tipo de ação pela primeira vez e outras que já passaram por essa experiência.

Militante do MNLM, Diogo (Baiano) conta que foi acolhido após a ação de despejo, no final de 2016, que acabou com a Ocupação Kuna Libertária, que se manteve por mais de um ano na avenida Osvaldo Aranha, como um centro cultural e de acolhimento. “Era um prédio histórico, com mais de 100 anos, que acabou virando um estacionamento, mais um dos tantos que servem aquela região do Bom Fim”, lamenta.

Thais de Almeida morava com os pais e quando engravidou de sua segunda filha, decidiu sair em busca de um lar próprio para morar. Ela diz que, na ocupação, está aprendendo a cada dia e a expectativa é encontrar um lugar definitivo para viver. “Quero achar o nosso cantinho”, resume.

Diogo foi acolhido após o despejo, no final de 2016, que acabou com a Ocupação Kuna Libertária, na avenida Osvaldo Aranha. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Ezequiel Morais explica que a ocupação tem o objetivo também de debater o projeto de revitalização do 4º Distrito. “Nós defendemos que esse projeto seja pensado não apenas a partir das estruturas físicas da região, mas pensando também nas pessoas, evitando que se torne um processo de gentrificação. Uma das propostas que está sendo apresentada é tornar o 4° Distrito também uma área de turismo de Saúde para hospedar pessoas de alto poder aquisitivo de outros países que necessitam de tratamento. Temos legitimidade e queremos participar desse debate”, diz o militante do MNLM.

Na terça-feira, dia 28, a partir das 16h, será realizado um ato de apoio à Ocupação Primavera. O ato contará com uma série de atividades abertas à comunidade, com oficinas, brincadeiras e plantio de mudas. As famílias solicitam doações de alimentos, produtos de limpeza, tintas, livros, brinquedos, material didático e mudas de plantas. A Ocupação Primavera está localizada na rua Comendador Azevedo, 379, em frente à Praça Florida (quase na esquina com a Avenida Farrapos).

Galeria de imagens

Foto: Guilherme Santos/Sul21
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