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9 de março de 2017
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17:45

Ciclistas pedalam com ‘respeitômetro’ para conscientizar motoristas a manter distância de 1,5 m

Por
Luís Gomes
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Ciclistas participaram do lançamento do “respeitômetro” na zona sul de Porto Alegre | Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

José Antonio Martinez, empresário natural do Uruguai que mora em Porto Alegre há 40 anos, passou a andar de bicicleta em razão de problemas de saúde. Teve diagnosticado enfisema pulmonar há 8 anos. Decidiu então parar de fumar e trocar o carro pela bicicleta. Diariamente, faz quatro viagens entre sua casa, no bairro Assunção, e o trabalho, no Menino Deus. De manhã, ao meio-dia e ao fim da jornada. “Eu era um indivíduo que vivia em uma unidade com problemas respiratórios. Passava toda a noite numa emergência. Desde que parei de fumar e passei a andar de bicicleta, nunca mais voltei a uma emergência”, diz.

No entanto, ele conta que, logo que fez a troca, andar de bicicleta em Porto Alegre era uma verdadeira aventura. “Seis, sete anos atrás, quando eu ia trabalhar de manhã, eu tomava 10 ‘finas’, 10 encostadas de carro. Não era estranho eu chegar em casa todo lascado porque alguém tinha me dado uma fechada e eu tinha caído”, conta.

Felizmente, diz que essa situação já melhorou bastante de lá para cá. “Hoje, eu passo por 400 carros na rua e um ou dois me dão uma fechada. Já existe uma cultura que está crescendo de respeito à bicicleta. E isso internacionalmente. Todo os países estão cedendo espaço para o ciclista, porque é um meio democrático de trânsito e ajuda a não poluir tanto a cidade”, pondera.

José Antonio Martinez, durante o ato | Foto: Maia Rubim/Sul21

Por ser integrante do coletivo Mobicidade, Martinez participou nesta quinta-feira (9) do ato de lançamento do “respeitômetro”, uma campanha conjunta do Detran e de grupos de defesa dos direitos do ciclista que busca conscientizar a população sobre a necessidade de se respeitar o artigo 201 do Código de Trânsito Brasileiro, que afirma que o motorista, ao ultrapassar um ciclista, deve reduzir a velocidade e guardar ao menos 1,5 m de distância. Para isso, um grupo de ciclistas realizou nesta manhã um passeio pela Av. Wenceslau Escobar, no bairro Tristeza, zona sul de Porto Alegre, com um estrutura acoplada à bicicleta marcando justamente a distância que os veículos devem manter dos ciclistas. A data para o lançamento da campanha foi escolhida em razão do Dia de Mobilização pela Segurança de Ciclistas.

“Se nós pudéssemos escolher um artigo, nenhum seria mais importante. Nenhuma ocorrência de trânsito aconteceria se essa distância fosse respeitada. Nada faria mais diferença”, afirmou Pablo Weiss, da Associação dos Ciclistas de Porto Alegre (ACPA), que também esteve presente no ato, realizado sobre o canteiro central da esquina da Wenceslau com a Av. Otto Niemeyer.

Martinez concorda que essa questão é fundamental. “É reconhecer o espaço que existe para a bicicleta na rua. O 1,5 m é o espaço mínimo. É apenas uma das faixas de uma avenida que fica reservada, quando tem um ciclistas, para fazer a ultrapassagem. Se fazemos isso quando ultrapassamos um carro, porque não fazemos isso quando ultrapassamos o ciclista?”, questiona. “É um e metro e meio pela vida. Quando você encosta no ciclista, é a vida dele”.

Beto Flach, do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais (Lappus), ponderou que essa luta pelo respeito ao 1,5 m é antiga, que adesivos sobre a questão foram lançados em 2012. Para ele, as campanhas educativas, mais do que um resultado no presente, ajudarão a construir um trânsito mais seguro para o futuro. “Uma coisa é certa: nossos netos e netas vão andar de bicicleta. Não estamos dizendo que todo mundo vai andar de bicicleta, mas que todo mundo que quiser andar de bicicleta vai poder. E que nenhuma mãe vai chorar mais porque perdeu um filho porque um motorista não respeitou o 1,5 m de distância, afirmou durante o ato.

Kadu Carvalho foi um dos ciclistas que pedalaram com o respeitômetro acoplado a bike | Foto: Maia Rubim/Sul21

Para Kadu Carvalho, outro da coletivo Mobicidade e voluntário do programa Bike Anjo, que dá dicas para pessoas que desejam enfrentar de bicicleta o trânsito, o respeitômetro é importante porque ajudará os motoristas a terem noção da distância que devem respeitar.

“É muito difícil as pessoas terem noção do que é esse 1,5 m quando estão dirigindo. Eu acho que essa ação tem essa representação muito importante. A gente vê que hoje já tem muito mais gente que se preocupa em tentar se afastar ao tentar passar, mas quando você coloca esse respeitômetro delimitando esse um metro e meio, você vê que é uma faixa. É o que está na lei. Se essa lei é respeitada, o risco para as pessoas que andam de bicicleta na cidade são mínimos”, diz.

Como um jovem comum, Kadu diz que, ao completar 18 anos tinha o sonho de ter um carro. Teve. Aos 24, 25 anos, porém, percebeu que já “não valia a pena” andar de carro. “Hoje uso a bicicleta em 90% dos meus deslocamentos. No começo, ia só ao trabalho. Agora, inclusive faço minhas viagens de bicicleta”, diz, salientando que foi para o Uruguai sobre duas rodas recentemente. Entre as vantagens dessa troca, ele destaca a mudança na relação com a cidade. “É a maneira como você enxerga as pessoas, como você enxerga o tempo, os lugares por onde você passa”, pondera.

Laís Elizabeth Silveira, do Detran-RS | Foto: Maia Rubim/Sul21

Laís Elizabeth Silveira, chefe da Divisão de Educação do Detran-RS, salienta que esta campanha foi originada por um grupo de trabalho, que ela coordena, do qual fazem parte as entidades de ciclistas representadas no ato. Segundo ela, a ideia é que o respeitômetro passe a ser utilizado por esses e outros grupos de ciclistas em suas atividades.

Segundo ela, a ideia é, no futuro próximo, levar a campanha também para cidades do interior do Estado. Além disso, ela diz que todos os centros de formação de motoristas receberão um material visual e orientação pedagógica para qualificar o conteúdo das aulas teóricas sobre a relação com os ciclistas.

Laís salienta que já há uma evolução na conscientização dessa relação nos últimos anos, que inclusive vem dando resultados. Ela cita do fato que, entre 2007 e 2016, foi registrada uma redução de cerca de 50% nos acidentes envolvendo ciclistas no Estado. Em Porto Alegre, essa redução está na casa dos 40%. “Isso é reflexo de conscientização das pessoas, dos condutores, melhor preparação dos ciclistas, dos planos cicloviários das cidades. É um conjunto de ações”, afirma.

Defensor da mobilidade humanizada e dos direitos dos ciclistas, o vereador de Porto Alegre Marcelo Sgarbossa (PT) acompanhou o ato e saudou a iniciativa do Detran, salientando a importância de ações educativas de trânsito que ajudem a promover o respeito ao artigo 201. “É o artigo mais importante. Se ele fosse respeitado, nós sequer precisaríamos de ciclovia. As ciclovias existem como um remédio amargo nesse momento histórico em que muitas ciclistas, ao andarem na cidade, experimentam um risco de vida a cada esquina”, diz.

Vereador Marcelo Sgarbossa | Foto: Maia Rubim/Sul21

O vereador afirma que é importante que os motoristas tomem consciência de suas responsabilidades com a segurança no trânsito, pois ao dirigirem veículos colocam em risco a vida de ciclistas em qualquer choque.

“Quando você está dirigindo um veículo de uma tonelada. você está com uma arma na mão. Essa é a concepção que tem que ser incutida na cabeça dos motoristas. E hoje é o contrário, a gente ainda escuta o motoristas dizendo ‘eu estou com pressa’, ‘estou indo trabalhar’, portanto eu tenho prioridade sobre você”, pondera, acrescentando ainda que a necessidade de aprimorar educação no trânsito não é uma questão só de Porto Alegre, mas global. “Porto Alegre é só mais um lugar em que as pessoas ainda acham que, por estarem motorizadas, têm uma preponderância sobre as outras pessoas que estão circulando na mesma via pública”, complementa.

Também representada no evento, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) ajudou a organizar o passeio simbólico, com um agente da entidade à frente e outro atrás. “Procuramos orientar as pessoas que há esse espaço para ciclistas sim e que ele é de direito”, diz Julio Almeida, responsável pela coordenação para a Mobilidade da EPTC. Ele salienta que a entidade procura trabalhar com o ciclista sobre os seus direitos, mas também sobre as medidas que deve adotar para aumentar a sua segurança e a dos outros no trânsito.

Durante o ato, que durou poucos minutos, um taxista atingiu o respeitômetro, mostrando que, de fato, é preciso avançar no respeito ao espaço do ciclista. Curiosamente, enquanto autoridades falavam, também foi registrado um acidente de trânsito na Wenceslau Escobar, com dois carros se chocando porque um parou bruscamente diante do sinal vermelho.

Confira mais fotos do ato: 

Foto: Maia Rubim/Sul21
Foto: Maia Rubim/Sul21
Foto: Maia Rubim/Sul21
Foto: Maia Rubim/Sul21
Foto: Maia Rubim/Sul21
Foto: Maia Rubim/Sul21

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