Cidades|z_Areazero
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7 de janeiro de 2017
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13:09

Em protesto contra abandono, morador do centro planta milharal na Praça da Matriz

Por
Sul 21
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Milharal na Praça da Matriz . Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes
Giovana Fleck 

“Foi um ato espontâneo, um protesto sem nome”, afirma Anacleto DallAgnol. Representante comercial, ele decidiu intervir no espaço urbano de Porto Alegre com o plantio de leguminosas no centro da cidade. A Praça da Matriz, agora, é lar de uma plantação de milho crioulo, rabanete e couve. “Nunca vi esse lugar tão abandonado”, afirma. O descuido de órgãos públicos com a praça foi o argumento para a incomodação de Anacleto. Em janeiro de 2016, Porto Alegre foi atingida por temporais que, entre outras consequências, derrubaram inúmeras árvores. Segundo ele, nenhuma planta foi reposta e as remanescentes permanecem sem cuidados.

No início de novembro, Anacleto decidiu cultivar sementes orgânicas que tinha em casa. Saiu munido de ferramentas para preparar a terra e afofá-la. Só de milho, plantou 25 grãos. De tempos em tempos, acompanhava o crescimento das mudas, amaciando e trocando a terra.

Foto: Maia Rubim/Sul21

Do final de 2016 até o início de 2017, os pés de milho ganharam altura e passaram a se destacar na paisagem rasa de um dos canteiros da praça. Quando não está sob o efeito de transgênicos, o milho tende a se desenvolver na presença de muita água e dias mais longos, ou seja, no verão. Além disso, Anacleto diz já ter colhido rabanetes e couves da primeira plantação.

Porém, se não fosse a escolta do responsável pelo plantio, as mudas provavelmente morreriam em pouco tempo e dariam lugar a ervas danosas às plantas. “A praça é cercada pelo Legislativo, pelo Executivo, pelo Judiciário e, até mesmo, pela Igreja […] e nenhuma dessas instituições se preocupou em fazer alguma coisa por ela”, reflete Anacleto ao explicitar um sentimento de abandono não só do patrimônio público, mas da conscientização sobre ecologia. “Ela é cartão postal de Porto Alegre e o poder municipal não parece reconhecer a importância da natureza nela”, afirma.

Com o crescimento do milharal, uma frequentadora da praça fez uma foto e postou em um grupo no Facebook, mesmo sem saber a identidade do autor da obra. Em poucas horas, os comentários da publicação foram preenchidos com mensagens de suporte e com o compartilhamento de informações sobre ecologia urbana. Ao se identificar na postagem, a filha de Anacleto recebeu inúmeras parabenizações endereçadas ao pai.

Além da Praça da Matriz, outras áreas da Capital também passaram por replantio através das intervenções do comerciante. Há mais de cinco anos, duas árvores da Av. Borges de Medeiros foram cortadas e o canteiro abandonado. Recentemente, Anacleto transferiu duas mudas de árvores da própria Praça da Matriz para a Avenida. Confeccionou uma placa escrito “não me matem” e a protegeu com plástico. “Tinha vida, mas ninguém reconhece”, afirma.

A preocupação ambiental e coletiva pode ser justificada pela convivência paternal na infância. Anacleto conta que trabalhou nas terras do pai até os 13 anos. Natural de

Anacleto ao lado da plantação | Foto: Arquivo pessoal

Arvorezinha, no interior do Rio Grande do Sul, ele recorda das grandes plantações de araucárias, responsáveis por abastecer as madeireiras da região. Seu pai, em uma epifania instintiva, teria começado a plantar pinhões (semente de pináceas) em dias de chuva para se ocupar. “Ele enchia os bolsos e plantava em toda propriedade dele; era como se sentisse que um dia os pinheiros iam acabar”, conta. Segundo ele, mais de duas mil árvores brotaram como resultado das ações de seu pai.

“Eu nunca fui militante de ecologia, mas precisava fazer um protesto contra os órgãos públicos”, revela Anacleto. Para ele, hortas urbanas geram um impacto significativo contra a poluição, possibilitando, assim, debates para a melhor conquista dos espaços públicos. O protesto sem nome é uma oportunidade para reflexão, para, talvez, oportunizar a conscientização em todos que circulam pelos locais de plantio.

Há quase um ano, a Associação das Hortas Coletivas do Centro Histórico (AHCCH) organiza, através da inciativa de vizinhos, formas de plantio para produção e consumo local na região. Porém, para colocar em prática a primeira horta, a associação se deparou com uma série de empasses judiciais que não permitem, por exemplo, a ocupação de um terreno baldio inutilizado pelo poder público.

Nos comentários da postagem no Facebook, apoiadores desejam à plantação de Anacleto “fartura para que muitas pessoas possam desfrutar” e “força para essa comunidade (de agricultores urbanos) em crescimento efervescente”.  “Só senti que deveria fazer alguma coisa”, justifica.

Foto: Maia Rubim/Sul21
Foto: Maia Rubim/Sul21

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