Cidades
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17 de outubro de 2016
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20:14

Vereadores entram em atrito sobre projeto que permite doulas em partos na Capital

Por
Sul 21
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Doulas e mães acompanham a discussão nas galerias | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Doulas e mães acompanham a discussão nas galerias | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

Os vereadores de Porto Alegre debateram, nesta segunda-feira (17), o projeto de lei 234/14, da vereadora Jussara Cony (PCdoB), que obriga os hospitais a permitir a presença de doulas durante todo o período do trabalho de parto, do parto e do pós-parto imediato, sempre que solicitado pela parturiente. O texto conta com 18 emendas, sendo que a terceira modifica a expressão “obrigados a permitir” por “possibilitados a permitir”. Para decepção das doulas que assistiam a sessão nas galerias, o projeto não foi votado por falta de quórum e será o segundo na lista de priorização para a próxima segunda-feira (24).

Na justificativa do projeto, Jussara aponta que os partos atualmente acontecem em um ambiente hospitalar e com a presença apenas de especialistas, o que faz com que “em muitos casos, muitas mulheres sintam-se inseguras e sem o devido conforto e apoio psicossocial”. É nesse contexto que existem as doulas, mulheres que acompanham a gestante e que, no momento do parto, podem suprir “a demanda de emoção e afeto nesse momento de intensa importância e vulnerabilidade”, aponta.

A palavra doula vem do grego e significa “mulher que serve”. São mulheres capacitadas para oferecer apoio continuado às gestantes – e a seus companheiros e outros familiares –, proporcionando conforto físico, apoio emocional e suporte cognitivo antes, durante e após o nascimento dos filhos. Na tribuna, ao defender o projeto, Jussara destacou que fica explícito que a doula deve assumir a responsabilidade de não interferir na conduta médica. “Não precisamos temer as doulas, elas são aliadas da natureza, do feminino e de nós, profissionais de saúde”, afirmou. Segundo ela, a legislação é fruto de uma interação e articulação “entre a sociedade organizada, doulas e parturientes”.

Jussara e Thiago, que têm posições opostas, conversam sobre o projeto | Foto: Ederson Nunes/CMPA
Jussara e Thiago, que têm posições opostas, conversam sobre o projeto | Foto: Ederson Nunes/CMPA

Os vereadores Dr. Thiago Duarte e Dr. Goulart, porém, ambos representantes da classe médica, criticaram o projeto e foram vaiados pelas doulas que estavam na plateia. Para Thiago, Jussara estaria tentando “ideologizar o parto”. “O projeto obriga maternidades públicas e privadas a recepcionarem uma pessoa que não está no hall dessas maternidades”, apontou. Ele mencionou que a Prefeitura não tem condições de fazer concurso e ter a presença de mais um profissional nos hospitais públicos, e que isso acarretaria na redução de outros cargos. “Ao mesmo tempo, se for a mãe quem for pagar, é dupla cobrança pelo SUS, e daí estaria admitindo que o PL é inconstitucional. Em pouco tempo, vamos ter que instalar arquibancadas para assistir os partos, se continuarmos assim”, criticou.

Thiago, que é obstetra, mencionou ainda que desconhece que haja uma entidade ou um conselho ao qual as doulas respondam em caso de negligência, como há para médicos, enfermeiros e fisioterapeutas. “Quero que o SUS traga parto com segurança, o que não é sinônimo de um parto que não vê as questões humanas. Não aceito o uso da palavra ‘humanizado’, porque isso significa que nada do que foi feito até agora não foi humano”, disse. Já Goulart mencionou que há momentos de “extrema dificuldade” muitas vezes durante um parto, com complicações médicas, em que é preciso haver “quietude” no local em que acontece o parto, o qual ele chamou de “sala de cirurgia”, e que pessoas “com pouca experiência” poderiam atrapalhar e até trazer infecções.

Ele também mencionou a questão da verba, dizendo que não acredita que as doulas topariam fazer o trabalho de forma voluntária. “O projeto foi extremamente picotado, talvez coubesse até depois de um grande estudo fazer um substitutivo. Talvez se viesse de outra maneira, se não fosse obrigatório, se não tivesse que entrar dentro da sala de parto, nós até poderíamos votar. Mas recomendo que a Jussara retire e a gente debata isso longamente”, finalizou.

Já Sofia Cavedon (PT) e Fernanda Melchionna (PSOL) defenderam o projeto. “Respeitamos a enorme experiência dos médicos daqui e de toda a medicina em geral, mas é preciso se abrir para o movimento de humanização, para a voz das mulheres, a reivindicação do movimento feminista. Percepção do direito da mulher à palavra e a escolher quem deve acompanhá-la na hora desse momento, que é um momento seu, de sua realização”, apontou Sofia. Ela mencionou, ainda, a redução da bancada feminina na Câmara, que para a próxima legislatura conta com apenas quatro mulheres. “Quero fazer um apelo ao conjunto dos homens aqui, que nos respeitem, porque se somos minoria é exatamente porque a sociedade é sexista, porque a sociedade quer determinar o comportamento da mulher, criminaliza, discrimina e violenta a mulher”, afirmou.

A sessão acabou interrompida após a bancada do PMDB se retirar, devido à morte do coordenador de campanha do Sebastião Melo, Plínio Zalewski.


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