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10 de setembro de 2016
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14:59

‘Tentativa de mudar o nome do bairro Tristeza’ revela ser campanha contra o suicídio

Por
Sul 21
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08/09/2016 - PORTO ALEGRE, RS -Movimento pede a mudança do nome do Bairro Tristeza. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Cartazes intrigaram moradores nas últimas semanas | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

Nas últimas semanas, uma campanha defendendo a mudança de nome do bairro Tristeza vem causando polêmica na comunidade e nas redes sociais. Cartazes com fundo amarelo com os dizeres “nós queremos mudar o nome da Tristeza” e o endereço do site da campanha foram colocados pelo bairro e uma página no Facebook foi criada. O site, porém, não explicava maiores detalhes sobre a ação nem sobre seus proponentes, apenas direcionava para um abaixo-assinado e divulgava um evento, realizado neste sábado (10), na Praça Souza Gomes. Foi neste encontro que os objetivos por trás da ação foram revelados: trata-se de uma forma de conscientizar sobre suicídio, fazendo uma relação com o nome “Tristeza”.

Antes de saberem o motivo da campanha, moradores do bairro criaram a página e o abaixo-assinado “Não vai mudar, a Tristeza está feliz assim”, em que defendem a permanência do nome. A petição contrária à mudança já conta com mais de 1.300 assinaturas, enquanto a favorável tem apenas 98. Idealizador da campanha “Não vai mudar”, Juliano Garcia conta que sua família mora no bairro há 100 anos — há, inclusive, uma rua com o nome de seu bisavô — e não vê motivos para a mudança. “99% dos moradores são contra a mudança, mas estou ciente que para mudar um nome de qualquer bairro já existente é um processo muito moroso e burocrático junto à Prefeitura e à Câmara de Vereadores. O tempo mínimo é de 2 anos”, aponta.

Uma das hipóteses iniciais levantadas pelos moradores era de que a troca de nome teria relação com a construtora Maiojama, que está realizando empreendimentos na região. Isso, porém, já havia sido desmentido pela empresa, que garantiu não ter nenhuma relação com o movimento.

Localizado na zona sul de Porto Alegre, o Tristeza foi criado em 1959, e o nome seria originário de um dos primeiros habitantes do local, José da Silva Guimarães, que seria conhecido como “Seu Tristeza”. Na época, a região era majoritariamente rural e pouco habitada, com a chácara de Guimarães sendo uma das principais referências. Ele teria ficado triste após sua filha casar e se mudar do local, o que lhe deu o apelido.

A polêmica e a investigação

A campanha “Muda Tristeza” divulgou, nos últimos dias, a realização de um encontro presencial para debater o assunto, na Praça Comendador Souza Gomes, ponto central do bairro. A capa do evento convidava: “Precisamos falar sobre a Tristeza”. Essa frase, assim como a cor amarela utilizada para a divulgação, levantaram a suspeita de que o evento seria parte de alguma campanha pelo Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio. “Parece ser uma forma de atrair a atenção de todos sobre suicídio. Até, se tu fores ver a maneira que está nos cartazes e no site deles, está lá: ‘vamos falar sobre a Tristeza?'”, chegou a considerar Juliano.

Foto: CVV/ Divulgação
Convite do CVV para encontro não revelava relação com movimento “Muda Tristeza” | Foto: CVV/ Divulgação

A suspeita foi praticamente confirmada com a divulgação, pela página do Centro de Valorização da Vida (CVV), de um convite utilizando as mesmas cores e fontes do que o material da campanha, chamando para o encontro neste sábado. “Setembro Amarelo é uma campanha mundial de conscientização e valorização da vida, com uma atenção especial para o dia 10 de setembro – Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio”, explica o flyer. Esse convite, porém, não faz menção à campanha da Tristeza. Ao mesmo tempo, a “Não vai mudar” criou seu próprio evento, para o mesmo dia e local, convocando os moradores contrários à mudança para entender do que se trata a campanha.

O problema, porém, é que a campanha já causou inimizades dentre os moradores do bairro, mesmo se tratando realmente de uma ação de conscientização. “Valorizar a vida depreciando o nome de um bairro? Petição em site sério? Afinal, qual o objetivo de tudo isso? Por que não vieram a publico explicar? Só sábado poderão se expor?”, questiona uma moradora do bairro, em postagem na página “Não vai mudar” sobre a possibilidade da campanha ser vinculada ao CVV. Ao mesmo tempo, outros apontavam que a divulgação do Setembro Amarelo pelas páginas oficiais do Centro de Valorização da Vida utilizava um design diferente, duvidando da relação entre as duas coisas.

O fato de um abaixo-assinado real pela mudança de nome do bairro ter sido criado também intrigou os moradores. “Resumindo: 1) estão usando o nome do Bairro Tristeza no Estado todo para vincularem com o suicídio; 2) estão usando a ferramenta de petição pública para promover essa campanha; 3) aparentemente, não querem trocar o nome do bairro e sim usar o vínculo Tristeza/suicídio; 4) sujaram a cidade com cartazes. 5) deixaram inúmeras pessoas, que não vêem sentido em trocar de nome do bairro, no mínimo, indignadas”, afirmaram os moderados da “Não vai mudar”.

Falar sobre suicídio

Conforme revelado no evento na Praça Souza Gomes, a ação realmente foi planejada pelo CVV, em parceria com diversas instituições públicas e privadas, incluindo a Secretaria Municipal de Saúde. “Como é um assunto novo, pensamos em abordar de uma forma delicada, mas que suscitasse interesse na comunidade. E o bairro Tristeza é uma peculiaridade de Porto Alegre, porque tem esse nome, mas tem uma vida comunitária muito rica, é um lugar bonito, com muita convivência, muito alegre, ao contrário do nome”, explica Alethéa Sperb, médica sanitarista e voluntária do CVV.

A estratégia usada foi, então, questionar o nome para chamar atenção para a importância de se ouvir quando as pessoas falam de suas tristezas e problemas. “Há uma necessidade fundamental de falar sobre suas tristezas e ser ouvido. Todos os especialistas são unânimes em dizer que o mais importante é conseguir escutar o outro. Tem várias questões a respeito de tristeza, melancolia, depressão e suicídio em que é preciso falar para que possam ser identificadas situações de risco”, aponta a médica.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Falar sobre o assunto é uma das principais formas de prevenção, aponta o CVV | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A aposta do Centro é de que, com uma vida comunitária tão forte, o bairro Tristeza possa se tornar referência em termos de participação na campanha e na prevenção, se engajando na convivência em que se preste mais atenção e se ouça mais os outros. “Não tem nenhum interesse econômico nem político em jogo, foi feita pelo CVV com apoiadores, dentre os quais estão empresas e áreas do município, além da Sociedade de Psiquiatria do RS”, garante Alethéa.

Nos últimos anos, o suicídio passou a ser considerado um problema de saúde pública, tanto internacionalmente quanto no Brasil, pelo Ministério da Saúde. Especialmente de cinco anos para cá, governos e entidades médicas têm se esforçado para adotar medidas de prevenção e de organização social para chamar atenção ao assunto, enfrentando os tabus relacionados à questão. “É um problema de difícil enfrentamento, que foi mantido ‘escondido’. Na mídia, tinha-se medo que falar sobre isso pudesse estimular que pessoas imitassem ou se sentissem encorajadas a tomar atitudes assim. Mas o que está colocado nesses últimos tempos é que é preciso falar sobre a questão, com responsabilidade, com delicadeza, respeitando a complexidade, e na mídia também, porque hoje a informação é essencial”, afirma ela.

O Setembro Amarelo foi criado exatamente na perspectiva de trazer luz ao problema, que “não era devidamente conhecido na sociedade”. No Rio Grande do Sul, Estado com maior índice de suicídios no Brasil, já foi criado um grupo de trabalho que engloba diversas instituições, com o objetivo de capacitar profissionais de saúde de diversos municípios para lidar com o problema. “A questão é prevenir o suicídio, e pra fazer isso, temos que focar nas ações que promovam a vida, a saúde mental, porque muitas vezes o suicídio pode ser evitado. Tudo que for feito para promover a saúde mental e diminuir a dor psíquica das pessoas vai ajudar a diminuir o suicídio”, defende Alethéa, apontando que fatores como depressão e uso de álcool e drogas também aumentam o risco de suicídio.

 Foto: Guilherme Santos/Sul21
Praça Souza Gomes é um dos pontos do bairro | Foto: Guilherme Santos/Sul21

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