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22 de julho de 2016
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10:35

MP gaúcho busca regularização de imóveis abandonados: são 40 mil em Porto Alegre

Por
Sul 21
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Foto: Guilherme Santos/Sul21
Prédios abandonados atualmente não têm cadastro na Prefeitura para que haja aplicação de políticas habitacionais | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

A crise de habitação em Porto Alegre, evidenciada pelo surgimento de dezenas de novas ocupações urbanas na cidade desde o ano passado, é exposta agora com a ocupação da sede do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), iniciado na semana passada por movimentos de moradia. A situação vem sendo acompanhada de perto pelo Ministério Público, através da Promotoria de Justiça de Habitação e Ordem Urbanística, a qual trabalha com a aplicação de medidas a médio e longo prazo para solucionar o grande déficit habitacional da cidade.

Também defendida pelos movimentos sociais, a necessidade de arrecadar imóveis abandonados é objeto de inquérito do Ministério Público desde 2015. A Promotoria está buscando junto ao município que seja regulamentado o dever de arrecadar esses imóveis três anos depois de declarada a vacância. “Tem alguns em que proprietário não paga tributo, não utiliza e é um terreno baldio ou uma casa abandonada e pode até ser objeto de tráfico. Tem que ter cadastro desses imóveis”, afirma o promotor Heriberto Roos Maciel. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010 eram 40 mil imóveis potencialmente abandonados na cidade. Apenas na área conhecida como Quarto Distrito, seriam sete mil.

A regularização dessa situação não seria feita de forma imediata, mas sim aconteceria com a instalação de uma política a ser aplicada ao longo dos anos. “O município depois poderia utilizar o imóvel com uma função social, seja para habitação popular, postos de saúde, creches, tem muita coisa que pode ser feita nessas áreas”, sugere Heriberto. Ele irá se reunir, na próxima semana, com a Procuradoria Geral do Município para tratar do assunto, que pode ser regulamentado a partir de decreto.

 Foto: Joana Berwanger/Sul21
Ocupação Lanceiros Negros é localizada em um imóvel estadual que estava abandonado há anos | Foto: Joana Berwanger/Sul21

No momento, aponta ele, a única opção “razoável” para as famílias sem moradia é o aluguel social, diante da falta de entrega de unidades habitacionais para pessoas de baixa renda. “É preciso que haja política habitacional do município, o déficit é muito sério. Um levantamento que foi feito em 2009 contou com o cadastramento de 40 mil famílias aguardando moradia. É preciso atualizar esses dados, mas há cerca de três mil casas entregues desde então”, afirma Heriberto. A perspectiva é de que, nos últimos anos, este número de famílias sem moradia tenha aumentado.

Há ainda outro inquérito que busca combater a especulação imobiliária, através de medidas de sanção, previstas no Estatuto das Cidades, a proprietários de terrenos baldios. São os casos em que o terreno é comprado, mas nada é construído, à espera de que a área valorize. “Tem que ter uma lei municipal, em conformidade com o Plano Diretor, que regulamenta a questão do potencial edificável. Teria que primeiro o proprietário ser notificado para construir nos próximos cinco anos, e então ser aplicado o IPTU progressivo, que vai crescendo ao longo dos anos em função da não-edificação”, explica o promotor, colocando que isso já foi feito em outras cidades, como São Paulo.

Outra preocupação do MP, colocada em inquérito civil deste ano, é a busca por informações sobre o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social. Criado em 2009, o FMHIS seria aplicado, prioritariamente, em programas de habitação social. “Estamos buscando informações do quanto tem nesse fundo, se está sendo alocado, quais os projetos em relação a recursos desse fundo”, diz Heriberto.

Ocupação do Demhab: Judiciário tenta conciliar 

Apesar das tentativas de conciliação feitas pelo Judiciário e pelo MP, a Prefeitura segue pedindo a reintegração de posse do prédio do Demhab, ocupado pelo Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST), Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). Eles reivindicam, entre outras pautas, o pagamento do aluguel social atrasado, especialmente para as pessoas em situação de rua; a melhoria das condições de vida das famílias da Vila Dique, que estão isoladas devido às obras de ampliação da avenida; além de uma reivindicação mais ampla do fim dos despejos feitos sem garantia de reassentamentos. Um exemplo disso é a Ocupação Campo Grande, desalojada na terça-feira (19), deixando cerca de 200 famílias sem ter para onde ir.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Situação da Dique é uma das demandas da ocupação do Demhab | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Após audiência de mediação realizada na segunda-feira (18), a juíza responsável pelo caso, Karla Aveline de Oliveira, visitou a ocupação do Demhab na quarta-feira (20) e deve tomar uma decisão sobre o caso ainda nesta sexta-feira (22). O município, porém, mantém a posição de que não irá dialogar enquanto o prédio estiver ocupado. “Ainda que tenham dito que não tinham interesse na audiência, pela minha experiência, percebo que é muito mais produtivo que a gente aproxime as partes. É muito mais legítimo tentar um acordo do que a sentença. Sempre que possível, marco audiência de conciliação”, explicou a magistrada.

A sensibilização do Judiciário e da Promotoria, porém, pode não ser o suficiente para garantir que os movimentos permaneçam no Demhab até que a Prefeitura dialogue sobre suas pautas. O promotor Heriberto se manifestou no processo, após a inspeção ao local, defendendo que a situação das pessoas é muito precária e recomendando a desocupação do prédio. “Embora eu tenha constatado que o movimento é pacífico e ordeiro, que tem caráter político, que a finalidade é chamar atenção das autoridades para a falta de políticas habitacionais completas, o que é justo, não podemos manter um prédio público ocupado. Há risco de haver um tensionamento entre guarda municipal, segurança contratada e por em risco a segurança das pessoas que estão lá”, afirmou.

Ele destaca ainda que há muitas crianças na ocupação e que boa parte dos servidores não se sente seguro para trabalhar no local. “O movimento é legítimo, mas os problemas da população acabam não sendo resolvidos. Por isso meu parecer foi no sentido de haver uma desocupação pacífica e que as demandas colocadas pelos movimentos sejam levadas ao Centro Judiciário de Soluções de Conflitos (Cejusc)”, explicou o promotor. A juíza deve decidir, ainda nesta sexta-feira (22), sobre a possibilidade de haver reintegração de posse do local.

 


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