Luís Eduardo Gomes
Um prato de feijão, arroz, polenta, carne, salada, com direito à sobremesa. O preço? R$ 1. Reabriu nesta quinta-feira em novo endereço o Restaurante Popular (Rua Santo Antônio, 64, bairro Floresta), voltado para pessoas em situação de rua. “A comida é maravilhosa”, diz Maria Terezinha da Silva, 34 anos, que, acompanhada do filho de 1 ano e três meses, conseguiu almoçar mesmo sem ter um real no bolso. Vendedora autônoma sem renda fixa, ela diz que muitas vezes não consegue almoçar adequadamente e juntar dinheiro para pagar a pensão em que mora.
Morador de rua há 22 anos, Cristiano Auros, 36 anos, é outro que foi conferir o Restaurante Popular. Usuário há anos do serviço de alimentação popular, tanto no antigo restaurante, como em albergues que oferecem o serviço, ele comemorou a abertura do novo espaço. “É um benefício pro bolso. O cara que não é assalariado fica complicado pagar R$ 12, R$ 13, R$ 15 por dia. Sendo R$ 1, tá tranquilo, tanto para mim quanto para vários. Quando tiver na área central, com certeza vou passar por aqui”, afirma.
Quem também gostou da comida foi o prefeito José Fortunati. “Excelente. Feijão muito bem temperado. A carne saborosa”, disse o prefeito, que almoçou no local acompanhado do governador José Ivo Sartori e das respectivas esposas, a deputada Regina Becker e a secretária estadual Maria Helena Sartori. “E eu tenho certeza de que não é porque é a inauguração [que estava saboroso]”, complementou o prefeito.
O objetivo é que o local possa oferecer, entre 11h30 e 14h30, 600 refeições por dia — de segunda a sexta-feira –, por ordem de chegada – com prioridade para idosos – e sem exigências. O cardápio, que será mudado todos os dias, deverá sempre ser composto por dois tipos de salada, uma cozida e outra crua, arroz, feijão preto (a cada 15 dias terá a opção de lentilha ou outro tipo de feijão), carne e uma guarnição, composta por um tipo de carboidrato ou legume. Também há uma sobremesa, que será fruta três vezes por semana.
Vale salientar, porém, que não são só moradores de rua que poderão usufruir do restaurante subsidiado. Para o aposentado José Carlos Leal, 60 anos, que recebe um salário mínimo por mês, muitas vezes era necessário pular o almoço porque não sobrava dinheiro, especialmente no final do mês, para almoçar. “Só Deus sabe (se eu ia almoçar). Ia fazer um lanche baratinho, porque, geralmente, o almoço mais barato é 10 pila”.
Na mesma situação está Paulo Ubirajara, 60 anos. Também aposentado, ele diz que paga aluguel e não sobra muito dinheiro para outros gastos, como a alimentação. “Esse ano ainda não consegui pagar nada de impostos”, diz. “Quando eu estiver em uma situação como a de hoje, eu volto”, garante.
Histórico
O antigo espaço, na Rua da Conceição, foi fechado pela vigilância sanitária por falta de Plano de Prevenção Contra Incêndios (PPCI) em julho de 2013. Segundo o Secretário Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana, Luciano Marcantônio, Em 2014, o governo do Estado, que operava o restaurante, procurou a prefeitura de Porto Alegre para firmar uma parceria para municipalizar o restaurante. Desde então, a prefeitura estava buscando um novo espaço para o restaurante e uma nova metodologia que estivesse adequada aos padrões da vigilância sanitária.
Após protestos pelo fechamento do antigo restaurante popular, como alternativa para os usuários que ficaram sem serviço, passou a funcionar, em agosto passado, uma versão improvisada do Restaurante Popular no Albergue Municipal. A reivindicação da abertura do restaurante era liderada especialmente pelo Movimento Nacional da População de Rua, que realizou diversos atos sobre, exigindo o retorno de um espaço permanente.
Júlia Tampa, nutricionista da empresa Mix Refeições, que ganhou a licitação para fornecer o serviço, explica que os alimentos são preparados na sede da empresa, em Alvorada, transportados em panelas Hot Box e mantidas acondicionados em equipamentos ‘Pass Through’ até o momento de serem servidas no buffet. “A comida é toda controlada, qualidade e temperatura, na saída da empresa”, diz.
Para o secretário Marcantônio, esse método dá segurança para a prefeitura de que não terá problemas relacionados a higiene e poderá ter a garantia de manter aberto o local sem o risco de interrupção do serviço. “Isso resolve problemas de vigilância sanitária, fica mais fácil ter o controle. Para nós, esse método hot box é o mais seguro e apropriado”, diz Marcantônio.
Reaberto, o Restaurante Popular em Porto Alegre passa a ser uma parceria entre a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado, em que Estado e município dividem os custos do subsídio do prato – que é comprado por R$ 8,90 junto à empresa terceirizada.
“Este é um movimento que atende às pessoas que mais precisam”, disse o governador, que também comemorou aniversário no local. “Para mim, este ato é uma referência nobre. Mesmo com dificuldades e problemas, resgatamos uma parceria inclusiva”, acrescentou Sartori, que ainda lembrou a militância de Herbert de Souza, o Betinho, na área da segurança alimentar.
De acordo com o prefeito Fortunati, a ideia é estender a iniciativa para outros locais, em áreas mais periféricas da cidade. “A ideia de que, estabelecido esse ponto de referência para a população em situação de rua, a gente possa continuar ampliando, até para facilitar o acesso dessas pessoas. É claro que nós estamos numa região nobre do ponto de vista do acesso, o Centro da cidade, onde as pessoas em situação de rua mais ficam. Mas, na medida que a gente puder descentralizar, faremos isso”, prometeu o prefeito.
Centro de referência
Além do restaurante popular, a ideia da prefeitura é que o local possa se tornar um centro de acolhimento para pessoas em situação de rua ou em necessidade de assistência social, uma vez que contará com profissionais que poderão, por exemplo, prestar orientação e auxílio para que eles possam buscar qualificação para voltar ao mercado de trabalho.
“As pessoas poderão vir aqui desde 8h30. Terão sua refeição garantida ao meio-dia e poderão permanecer a tarde. Nós estaremos com isso buscando a qualificação dessas pessoas, oportunizando a elas voltar ao mercado de trabalho”, diz o prefeito.
Para Mário Jefferson, da Associação de Redutores de Danos de Porto Alegre, o espaço também poderá se transformar em um instrumento de contato entre pessoas que trabalham com ações de saúde mental para usuários de drogas e álcool e a população que necessita do serviço.
“O espaço é muito bom, está muito bem localizado em uma área central, principalmente para a população em situação de rua”, diz, acrescentando ainda que alimentação é um componente essencial desse trabalho de ressocialização de dependentes. “É o resgate da cidadania, da auto-estima, e a garantia dos seus direitos. Não adianta a gente tratar a questão da saúde se não houver uma boa alimentação saudável”.
