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5 de outubro de 2015
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16:21

No Dia Mundial dos Sem Teto, movimentos protestam por moradia em Porto Alegre

Por
Sul 21
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| Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Cerca de cem pessoas trancaram a Avenida Mauá por poucos minutos | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Débora Fogliatto

Movimentos sociais e de luta por moradia protestaram na manhã desta segunda-feira (5), no Centro de Porto Alegre, em ato que fez parte das mobilizações do Dia Mundial dos Sem Teto. Em todo o país, protestos semelhantes acontecem para reivindicar políticas voltadas à habitação e políticas sociais por parte do poder público, na Jornada Nacional de Luta Pelo Direito à Moradia e à Cidade e por Reforma Urbana e Pela Função Social da Propriedade.

Nacionalmente, a Jornada foi construída por Central dos Movimentos Populares (CMP), Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Movimento de Luta dos Bairros e Favelas (MLB), União Nacional por Moradia Popular (UNMP) e o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU).

Na capital gaúcha, o ato começou por volta das 9h30, na Ocupação Saraí, na esquina da rua Caldas Júnior com a avenida Mauá. O prédio, ocupado há cerca de dois anos, tornou-se símbolo da luta pela moradia por tratar-se de um imóvel abandonado há décadas, no Centro da cidade, que já está ocupado pela quarta vez. No ano passado, o governo estadual assinou um decreto de desapropriação para fins sociais, mas agora as famílias estão novamente ameaçadas de despejo.

Uma das principais reivindicações é referente ao programa Minha Casa, Minha Vida III, que foi anunciado pelo governo federal, mas sem previsão de quando deve acontecer. “A Dilma (Rousseff) disse que assume o investimento de fazer esse novo programa para moradia, mas que não sabia quando ia ser. Por isso, precisamos ir para a rua, para garantir esse dinheiro”, disse Beto Aguiar, um dos organizadores do protesto. O fato de que os governos irão diminuir as verbas para políticas sociais faz com que os movimentos tenham a “responsabilidade de mostrar para o povo o que isso representa”, segundo ele.

| Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Protesto começou na Ocupação Saraí, que faz esquina com a Mauá | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Os cerca de cem manifestantes também pediam a recomposição dos R$ 5 bilhões para a área habitacional, recém-cortado da previsão orçamentária da União para 2016; e a suspensão da venda dos imóveis da União, com sua destinação para moradias populares. “Somos contra o ajuste fiscal e contra os despejos que acontecem sistematicamente no nosso país”, resumiu Beto.

Já Valério Lopes, da União dos Moradores de Porto Alegre (Uampa), destacou que, devido ao momento difícil, os movimentos precisam se unificar. “Queremos que os movimentos sociais não sejam criminalizados. Estamos passando por momentos difíceis, mas temos que seguir na luta”, afirmou ele, que também representa a Federação Gaúcha das Associações de Moradores e a Confederação Nacional das Associações de Moradores. “Esse prédio é símbolo histórico de luta e resistência”, mencionou.

O protesto continuou, trancando a Avenida Mauá por cerca de 20 minutos. Alguns motoristas, incomodados com a situação, começaram a buzinar, e motociclistas passaram pela calçada para furar o bloqueio. Entoando “O povo unido jamais será vencido” e “Com luta, com garra, a casa sai na marra”, os manifestantes não cederam à pressão do trânsito enquanto seguravam uma grande faixa com os dizeres “Jornada nacional de luta pelo direito à moradia e à cidade: pela reforma urbana e pela função social da propriedade”.

| Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Incomodados, motoristas tiveram que esperar cerca de 20 minutos | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Após o “trancaço”, a mobilização seguiu pela Caldas Júnior até a Praça da Alfândega, onde há uma agência da Caixa Econômica Federal. O simbolismo da ação se deve ao fato da Caixa ser uma das mantenedoras do programa Minha Casa, Minha Vida. Homens, mulheres e crianças de todas as idades participaram do ato, que parou em frente ao local cantando “Essa luta é nossa, essa luta é do povo, é só lutando que se faz um Brasil novo”.

“Nós não vamos aceitar cortes nos nossos direitos. São 7 milhões de pessoas sem casa e mais de 6 milhões de imóveis vazios no país. Tem muita gente sem casa e muita casa sem gente”, apontou Ceniriani Vargas, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), destacando que a luta também é por moradia popular no Centro das cidades. “Não é justo os trabalhadores terem que andar uma hora de ônibus para chegar em seus horários de trabalho enquanto tem tanto prédio vazio aqui no Centro”, afirmou. Ela deu o exemplo do prédio onde mora, o Assentamento 20 de Novembro, na rua Barros Cassal, que era um área do governo federal que passou 50 anos abandonada e, após pressão dos movimentos sociais, tornou-se habitação popular.

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Ato seguiu rumo à Caixa Econômica Federal, na Praça da Alfândega | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Desapropriação da Saraí é “inviável”, afirma governo

Apesar dos protestos, o diretor de Habitação da Secretaria de Obras, Saneamento e Habitação, Eduardo Fiorin, afirmou ao Sul21 que o governo do Estado não tem condições de pagar pela desapropriação e reforma da Saraí. Segundo ele, o custo aproximado para fazer as obras necessárias seria de R$ 10 milhões, enquanto a compra do imóvel custaria R$ 4,5 milhões. “Trata-se de um imóvel comercial, que teve muitos danos físicos internos pela ocupação indevida de uma ramificação do PCC, que comprometeu estruturas. Teria que adaptar estruturas elétricas, hidráulicas, fazer tubulação, divisórias”, exemplificou ele, constatando ser uma “transformação muito significativa”.

Embora no decreto conste um valor menor, o proprietário atualmente pede R$ 4,5 milhões, o que Fiorin pondera que provavelmente conseguiria caso entrasse na Justiça. “Seria um custo muito elevado considerando a expectativa de acomodação de 30 famílias. Embora tenha uma boa localização, com o princípio de aproveitamento dos imóveis desocupados, é totalmente inviável”, afirmou. Ele acrescentou que não desmerece a ação social e política feita pelos movimentos, mas destacou que nenhum estado brasileiro teria condições de arcar com os custos.  “Sabemos da importância e da necessidade que famílias venham a ter moradia digna. No governo passado decretaram, mas não houve alocação de recursos, até porque nem se tinha na ocasião”, ponderou.

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Crianças da Saraí participaram do ato | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Nesse meio tempo, criou-se uma expectativa de que o Estado irá oferecer uma solução para as famílias, mas “infelizmente não tem como”, de acordo com o diretor. “Hoje, o Estado não é comprador, é vendedor, tem que se desfazer de imóveis para conseguir verbas”, apontou. Para não deixar as famílias desabrigadas, ele disse que a Secretaria está trabalhando com o Departamento Municipal de Habitação (Demhab) e com a Defensoria Pública para pensar em uma alternativa temporária, até que “em um futuro próximo” elas possam ser acomodadas em empreendimentos do Minha Casa Minha Vida feitos pela Prefeitura ou pelo governo estadual.

Sobre a sugestão de o Estado apenas adquirir o imóvel e alguma entidade reformá-lo, pelo programa Minha Casa, Minha Vida Entidades, Fiorin também disse não ser possível. “O Estado não pode adquirir apenas e não seguir sua ação até o final.  Se fizer o investimento, mas não concluir e dar questões de habitação estaria cometendo um ato até ilícito de permitir que famílias permaneçam lá sem ter as mínimas condições de habitabilidade”, afirmou. Ele também ponderou que o próprio Ministério das Cidades terá cortes significativos em seus recursos, inclusive diminuindo investimentos em entidades para o Minha Casa Minha Vida.

Sem o Estado, as famílias voltam a estar ameaçadas de despejo. A ordem de reintegração de posse já foi emitida pela Justiça e, após a notificação por parte dos Oficiais, deve ocorrer dentro de 30 dias.

Confira mais fotos do ato:

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Por Caroline Ferraz/Sul21
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