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2 de setembro de 2015
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20:09

Frente Parlamentar vai à EPA e vê rotina de acolhimento em escola que a Prefeitura pretende fechar

Por
Sul 21
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 Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Em toda a escola, cartazes e trabalhos de estudantes estão expostos | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Débora Fogliatto

“A rua é violenta, então os estudantes chegam aqui com essa realidade”. É a partir dessa perspectiva, resumida pela diretora Jacqueline Junker, que o corpo docente da Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Alegre (EMEF EPA), na rua Washington Luiz, no Centro, trabalha. A entidade, que se destina ao Ensino de Jovens e Adultos e voltada para pessoas em situação de rua e de vulnerabilidade social, está ameaçada de fechamento por determinação da Prefeitura, e nesta quarta-feira (2) recebeu a visita da Frente Parlamentar que trata desta população.

A vereadora Sofia Cavedon (PT), presidente da Frente Parlamentar da Situação de Rua, foi até a escola e pode perceber a especialização voltada ao público que a instituição atende. “A metodologia, os espaços pedagógicos, a partir da experiência e dedicação dos profissionais, isso não existe em outro lugar”, afirmou ela, que também foi professora.

A especialização é perceptível ao se conversar com Jacqueline, que explica o trabalho feito pelo Serviço de Acolhimento e Integração, que realiza escutas diárias e verifica os históricos dos estudantes. Uma das dificuldades pelas quais a escola passa atualmente é a falta de quadro, que faz com que professores precisem realizar trabalhos diversos, incluindo da área administrativa. Com a aposentadoria da professora de Ciências, por exemplo, a vice-diretora precisa compartilhar suas atividades entre a sala de aula e suas funções regulares.

 Foto: Caroline Ferraz/Sul21
A diretora Jacqueline em frente ao quadro com o nome de todos os estudantes que frequentam a escola, separados por turma | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Desde 2009, a EPA forma estudantes no Ensino Fundamental completo — antes, tinha apenas as séries iniciais. Atualmente, são seis turmas e cerca de 20 professores, cujas horas-aula variam de 10 até 40. Após três anos sem o ensino, agora a escola voltou a ter professor de língua estrangeira e, depois de dois anos, de História, que no entanto trabalha apenas dez horas no local. “Agora, o professor de Matemática se aposentou, queremos evitar situação semelhante. Todo mundo faz várias coisas para conseguir suprir a demanda”, resume Jacqueline.

Mas a EPA é mais do que um espaço para o aprendizado de disciplinas: é também um lugar de convivência e acolhimento, que trabalha na perspectiva de redução de danos em relação ao uso de drogas. Além das aulas no turno da manhã, o Projeto Meio-Dia permite que os estudantes passem o horário do almoço lá, além de fornecer alimentação. Durante a tarde, o Núcleo de Trabalho Educativo fornece ensinamentos em áreas diversas para alguns estudantes, visto que no momento não há espaço nem corpo docente para atender a todos.

No Espaço Papel, uma das salas especializadas na escola, os estudantes aprendem a confeccionar folhas e produtos diversos, como cadernos e bloquinhos. Atualmente, trabalham em um projeto de poesia. As aulas são dadas pela mesma professora de Artes, Lidiele Berriel de Medeiros, que divide suas 30 horas/aula entre as duas atividades, das quais 20 devem ir para o ensino artístico.

 Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Em uma sala especializada, estudantes têm oficina de papel artesanal | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Em uma das salas de aula, onde estuda a turma de alfabetização, letras pintadas com cores coloridas enfeitam o quadro; trabalhos com desenhos e objetos iniciados com cada letra são expostos. Tudo remete a uma sala de aula normal de primeira série, embora os estudantes sejam adultos. À frente, uma biblioteca com obras de diversas áreas e um mural de retalhos homenageando a cidade e Mario Quintana. Na porta de entrada do prédio, “notícias” que são desejos dos estudantes: “EPA terá professores de dança”, “Sala de informática com todos os computadores funcionando”, “EPA tem aulas de teatro”, “galeto com polenta no dia do aniver da escola”, entre outros.

Na parte externa, um galpão, banheiros e uma quadra de esportes, em um pátio amplo. “Foi aqui que a gente propôs para a Prefeitura que poderiam construir um prédio para a Educação Infantil, daí dividiríamos a quadra”, contou o professor presidente do Conselho Escolar, Renato Farias dos Santos.

A escola e a rua

Durante a manhã, os estudantes circulam entre uma aula e outra, enquanto alguns têm Educação Física na quadra de esportes. No meio da agitação, Adirson* carregava um pé de manjericão plantado em uma garrafa pet, que regou com a água do bebedouro. Ele é um dos alunos que mantêm uma pequena horta interna em uma sala de aula, além de cuidar do minhocário nos fundos da escola. “As pessoas podiam plantar na rua né, melhor do que botar cimento. Imagina uma praça cheia de manjericão e capim-limão pra fazer um chá, seria bem melhor”, reflete enquanto mostra as mudas.

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Adirson veio do nordeste e acredita em cidades melhores a partir de plantações | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Vindo de uma cidade no interior da Bahia, Adirson chegou há cerca de 2 meses na capital gaúcha e já se matriculou na escola. Ele pretende ficar no sul até o fim do ano, e diz que veio para cá porque “quis vir para o sul, ver como era”. Ele aponta que prefere ficar na rua do que dormir em albergues: “o sistema é manicomial e higienista, tinha que ter um albergue com horta, com um ambiente bom”, sugeriu.

Muitos estudantes estão há pouco tempo na escola, há um ou dois meses, o que indica grande rotatividade dos alunos, devido à sua condição de incerteza e vulnerabilidade social. Para acompanhar a rotatividade, a direção tem um grande quadro com os nomes de todos divididos por turmas, marcando os que são frequentes e o que vêm de forma esporádica. No pátio, duas alunas da T3 falavam que aprendem matemática, ciências e hoje mesmo tinham estudado o corpo humano. Enquanto uma estava lá há quatro anos, outra havia chegado há um mês.

Anderson também é um dos estudantes que está lá há pouco tempo, embora viva na rua desde criança, quando perdeu os pais e a avó. “Já estou acostumado a viver na rua, prefiro do que ir pra albergue, sabe com é lá, né. E se eu fosse pro aluguel social não sei se ia aguentar também”, conta. Alguns minutos depois, ele começa a dançar pelo pátio enquanto Diego canta um rap gospel, chamado “Louvar ao senhor, meu salvador”, que criou na igreja que frequenta, na Oscar Pereira, onde pessoas em situação de rua são acolhidas, segundo ele. “Jesus abriu uma porta pros moradores de rua, pras pessoas que foram esquecidas”, constata.

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Anderson está há nove anos na rua, mas estuda há um mês na EPA | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Possível fechamento

A Secretaria Municipal de Educação tem planos de fechar a EPA para criar, no local, uma escola de educação infantil. Desde o ano passado, o Movimento Nacional da População de Rua acompanha o caso e pessoas em situação de rua da cidade se mobilizam para impedir o fim das atividades. No início deste ano, uma liminar protocolada pelas defensorias públicas do Estado e da União conseguiu barrar o fechamento, e atualmente a Prefeitura busca continuar com seu plano por meios judiciais.

A população de rua já realizou diversos protestos, mobilizações e audiências públicas explicando o trabalho diferenciado que acontece na EPA, mas a Prefeitura argumenta que os estudantes serão bem atendidos no Centro Municipal de Educação dos Trabalhador (Cmet) Paulo Freire, no bairro Santana.

Confira mais fotos:

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*O nome foi alterado a pedido do estudante. Outros alunos foram identificados apenas por seu primeiro nome também a pedido. 


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