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19 de setembro de 2015
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11:37

Em audiência lotada no União, movimentos criticam projeto de revitalização do Cais Mauá

Por
Sul 21
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| Foto: Guilherme Santos/Sul21
Uma das principais críticas dos grupos é à construção de um shopping na orla | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

Mostrando que o assunto da revitalização do Cais Mauá acirra ânimos e causa divergências, a audiência pública realizada nesta sexta-feira (18)  sobre o assunto lotou o ginásio do Grêmio Náutico União, em Porto Alegre. Iniciada às 19h e organizada pela empresa Cais Mauá do Brasil S.A, a audiência teve como objetivo apresentar o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental (EIA Rima) realizado na região. Apesar de acontecer fora da região central, onde fica o Cais e onde normalmente ocorrem atos contrários ao projeto de revitalização, era notável a presença massiva de militantes que não concordam com a proposta apresentada e se mobilizaram para ir ao encontro.

Integrantes dos movimentos Cais Mauá de Todos e Ocupa Cais Mauá, além de outras organizações e pessoas independentes, chegaram cedo e dividiram a parte das cadeiras com os poucos representantes de empresas ou autoridades que defenderam o projeto. A grande presença de pessoas contrárias ao empreendimento foi perceptível pouco depois das 20h, quando um representante mencionou o centro comercial que está previsto para ser construído no local. Em coro, centenas de presentes responderam gritando “não vai ter shopping”. Essa frase voltaria a ser repetida diversas vezes durante a noite.

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As críticas são principalmente à previsão de construção de um shopping center, além de milhares de vagas de estacionamento, torres comerciais e um hotel. A proposta também inclui a destruição de alguns dos pavilhões do Cais, os quais a empresa responsável afirma que não são tombados, além da derrubada de centenas de árvores.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Audiência lotou ginásio do Grêmio Náutico União | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Poucos minutos antes, um grupo de cerca de dez jovens que chegou entoando “Privatiza tudo” começou um embate de barulho com os opositores ao projeto, chamando-os de “fascistas, petistas, esquerdistas”. Quando eram mencionadas as edificações que serão construídas, o grupo em defesa da privatização aplaudia efusivamente, mas era abafado pelas vaias da maior parte dos presentes. Nas duas primeiras fileiras de cadeiras, outras pessoas também aplaudiam, mas em sua maioria não se manifestaram quando a palavra foi aberta.

O representante da empresa ABG Engenharia e Meio Ambiente, uma das que desenvolveu o projeto, disse que houve preocupação com a proteção ao patrimônio histórico e cultural. Segundo ele, o pórtico central e os armazéns que são considerados patrimônio histórico e tombados pela Prefeitura serão mantidos (A1, A2, A3, A4, A5, A6, B1, B2 e B3). No entanto, os armazéns A7, C1, C2, C3 e C4, que não são tombados, serão “substituídos” — na prática, derrubados –, notícia que foi recebida com vaias por parte do público presente.

Segundo ele, houve a preocupação com a necessidade de prever maior acesso do público, o que fez com que esteja prevista a construção de mais seis portões. “A previsão é que o público tenha maior acesso às margens do lago. O projeto prevê passeio ao longo de toda a margem do Cais, chegando até a orla, passando pelo Gasômetro”, afirmou.

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Sérgio Lima, da Cais Mauá do Brasil S.A, disse que cidadãos terão “acesso livre ao Cais” | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Um dos únicos momentos em que sua fala foi aplaudida pela maioria dos presentes foi quando falou do acesso para bicicletas: estão previstos bicicletários com capacidade para 350 bicicletas, além de 1,2 km de ciclovia ao longo da Avenida Mauá e mais 7,5 km em local que será definido pela Prefeitura. Além disso, a AGB também garantiu que foi feita uma análise do muro na mesma via e que a proposta prevê, como contrapartida, a manutenção e o reparo do muro.

Já um dos pontos mais polêmicos foi o corte e supressão de 330 árvores, o que gerou vaias por parte do público. Segundo a empresa, a compensação será o plantio de 760 mudas nativas. Durante toda a audiência, esse foi um dos pontos que provocou protestos, assim como a construção de torres comerciais e um shopping Center.

Em sua fala, o diretor de Operação da Cais Mauá do Brasil S.A, Sérgio Lima, afirmou que a empresa, que foi a vencedora da licitação “entende a relação da cidade com o Guaíba” e que o projeto irá “devolver esse convívio tão sonhado”.  “Cada cidadão terá acesso livre ao cais. São mais de 3 mil metros de extensão, o pôr-do-sol no Guaíba poderá ser apreciado por todos”, garantiu, dizendo que o consórcio vem “cumprindo todas as fases com legalidade e transparência”. Além disso, o empreendimento irá gerar R$ 200 milhões por impostos e 28 mil empregos diretos e indiretos, segundo ele.

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Quando microfone foi aberto, polêmica devido à organização das perguntas | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Nova polêmica aconteceu quando o espaço foi aberto para manifestações do público. A organização da audiência, inicialmente, leu algumas perguntas que haviam sido feitas por escrito, o que causou revolta no público contrário ao empreendimento, que estava ansioso por ter espaço para se manifestar. Eles diziam que as perguntas haviam sido “compradas” ou feitas por “laranjas”. Após intervenção da vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), foi decidido que estas perguntas iniciais seriam feitas em blocos para agilizar o processo.

“Consulta popular”

Quando a palavra foi aberta para manifestações do público, diversas pessoas criticaram o fato de o projeto ter sido concretizado sem consultas populares. O engenheiro Henrique Vitler mencionou que o projeto não respeita o Código Ambiental Estadual. Já Maria da Conceição Carrion afirmou que deveria ter havido uma consulta pública. “Isso está inserido em um projeto de destruir o patrimônio público e a vegetação”, argumentou, dizendo que o projeto foi construído a partir da “visão de mundo das classes dominantes”. Após sua fala, membros de movimentos presentes entoaram: “consulta popular”!

Para Rafael Passos, vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS), o EIA Rima não aborda de forma satisfatória os impactos negativos que a criação de um shopping no centro da cidade, que será do tamanho de “meio Barra Shopping”, terá para o tradicional comércio da região. Em resposta ao impacto sobre os comerciantes do centro, técnicos afirmaram que foi realizada uma pesquisa qualitativa, que não tem abrangência total, e que esta concluiu que as atividades que ocorrem na região não serão comprometidas.

18/09/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Audiência Pública sobre a revitalização do Cais Mauá é realizada no Grêmio Náutico União, sede Moinhos. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Secretário Nagelstein (PMDB; em pé) representou a Prefeitura na mesa, vice-prefeito Sebastião Melo (PMDB) ficou na plateia | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Em seguida, um representante da Sociedade de Engenharia elogiou a Cais Mauá do Brasil e se mostrou “muito triste por ver pessoas que não sabem nada sobre a cidade de Porto Alegre se manifestarem contrários ao projeto”, sendo vaiado. Por outro lado, um professor de Sociologia da UFRGS afirmou ser “lamentável ele reproduzir ainda a ideia de que os engenheiros que detém o monopólio do conhecimento sobre a cidade”.

O professor questionou qual era a base legal para a realização da proposta, que os representantes da empresa disseram ser uma portaria da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Smam.) “É evidente que o Código Estadual se sobrepõe à uma portaria”, defendeu Caio Lustosa, conselheiro da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente (Agapan), remetendo à fala de Henrique Vitler. “Esse projeto serve para satisfazer a especulação imobiliária. Margem de rio é de domínio público e não pode ser privatizada”, acusou. Ele destacou ainda que, enquanto estão previstas 4 mil vagas para carros, são cerca de 300 para bicicletas.

Nesse sentido, a vereadora Fernanda Melchionna se manifestou atestando que “não tem nada mais atrasado do que um centro pros carros, ao invés de para as pessoas”. “Tenho certeza que todos aqui são a favor da revitalização do Cais. O debate que estamos fazendo é qual revitalização queremos: a da especulação imobiliária ou a para o povo?”, questionou, criticando a ideia de construção de um shopping. “Shopping Center para atrair turistas? Por favor, isso tem em todas as capitais e é sempre parecido”, afirmou. Ela ainda acusou o consórcio de só estar realizando a consulta à população “por obrigação da lei”.

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Manifestantes criticaram também a privatização do cais, à qual tem se oposto desde o início do processo | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Uma das únicas falas favoráveis ao projeto veio do presidente do Sinduscon (Sindicato das Indústrias de Construção Civil), Ricardo Antunes, pedindo que o consórcio dê preferência para as empresas gaúchas quando forem contratar trabalhadores. “É uma oportunidade de gerar emprego e renda para a nossa sociedade”, assegurou. Quem também manifestou seu apoio foi o vereador João Carlos Nedel (PP), que afirmou que o projeto irá “trazer turismo e renovar Porto Alegre”.

Por outro lado, Milton Cruz, do Observatório das Metrópoles, apontou que o estudo não apresenta tudo o que seria necessário, por não conter pesquisas suficientes, como a respeito do consumo cultural da população do centro, por exemplo. Um dos fundadores do coletivo Todos pelo Cais Mauá, o sociólogo João Correa, afirmou que o grupo irá ingressar com um mandado de segurança para anular o projeto, “porque diversos questionamentos da população foram encaminhados para a Prefeitura e não foram respondidos”.

Revitalização

A polêmica da revitalização do Cais começou em 2011, quando foi aberto o processo licitatório. Desde então, setores da sociedade questionam o modelo arquitetônico — feito pelo arquiteto Jaime Lerner, contratado por “notório saber” — e a privatização do espaço. A empresa Cais Mauá do Brasil S.A teve o aval para começar as obras em 2013. O consórcio, que será responsável pela área de 2,5 km de extensão por um período de 25 anos, é liderado pela empresa espanhola GSS Holding, que controla 51% das ações, seguida pela NSG Capital, com 39% e pelo Grupo Bettin, com 10%. O período de arrendamento poderá ser renovado por mais 25 anos.

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Armazéns do Cais estão inacessíveis para a população há cerca de dois anos | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Desde 2013, o Cais Mauá está fechado para a população em geral devido às obras que, no entanto, só serão iniciadas de fato agora, após a divulgação do EIA Rima. Movimentos sociais, além de acadêmicos e estudantes principalmente das áreas de Arquitetura e Urbanismo, têm questionado a forma como a revitalização será feita, mobilizando-se para realizar eventos, protestos, divulgações via redes sociais e cobranças do poder público.

 

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