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21 de setembro de 2015
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22:44

Dia Mundial Sem Carro: entidades defendem uso da bicicleta como meio de transporte na Capital

Por
Sul 21
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Dia Mundial Sem Carro: entidades defendem uso da bicicleta como meio de transporte na Capital
Dia Mundial Sem Carro: entidades defendem uso da bicicleta como meio de transporte na Capital
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

Diante da situação caótica do trânsito nas principais cidades do Brasil e do mundo, outros meios de transporte estão ganhando espaço. Enquanto em Porto Alegre as ruas são lugares perigosos devido aos altos números de acidentes, em diversos outros lugares o transporte público e meios alternativos ganham espaço. É o caso da Holanda, onde protestos por mortes no trânsito provocaram uma mudança que levou à priorização da bicicleta como meio de transporte.

Enquanto em 1980 havia 3,2 mil mortos no trânsito a cada ano no país europeu, motivando o movimento pelo bike, no Brasil o número chegava a 40 mil em 2010, segundo o DataSus, sem despertar mobilizações. Nesta terça-feira (22), comemora-se o Dia Mundial Sem Carro, e para falar sobre as possibilidades de uso da bicicleta, o Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran), em conjunto com entidades da sociedade civil, realizou uma roda de conversa na tarde desta segunda para discutir o tema.

O órgão público coordena um grupo de trabalho que busca pensar encaminhamentos sobre bicicleta, que se reúne mensalmente com cicloativistas para estabelecer encaminhamentos. De forma periódica, o Detran também realiza cursos de trânsito voltado para a conscientização de quem opta por usar a bicicleta no seu dia-a-dia, como meio de transporte, que também será oferecido nesta terça-feira (22).

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O Dia Sem Carro nasceu na França, em 1997, e atualmente já foi adotado por diversos países, com o objetivo de promover discussões sobre mobilidade urbana. “A ideia é promover uma reflexão sobre o uso indiscriminado do carro: o quanto os motoristas avaliam o impacto que esse hábito pode ter?”, explicou Sinara Soares, da Escola Pública de Trânsito do Detran, que utiliza a bicicleta como meio de transporte e ministra o curso para ciclistas oferecido pelo órgão.

No curso, ela e Silvério Kist, analista administrador que também pedala para o trabalho, procuram fazer um resgate histórico do uso da bicicleta, apontar benefícios, instruir sobre legislação e dicas de segurança. “Queremos que as pessoas entendam que a bicicleta é um meio de transporte. E em lugares que não há ciclovia, é como qualquer outro veículo na rua”, afirmou Silvério. Muitas vezes, ciclistas que utilizam a via são “mandados para a calçada” pelos motoristas, que desconhecem a legislação de trânsito — que determina que, em locais onde não há ciclovias, as bicicletas frequentem a rua.

O advogado Pablo Weiss, integrante da Associação dos Ciclistas de Porto Alegre, mencionou que a legislação existente na cidade é positiva para o uso da bicicleta, porém a falta de conhecimento gera o desrespeito. O indicado pelo Código de Trânsito é que os veículos de maior porte sempre sejam responsáveis pela segurança dos menores, dos não-motorizados e dos pedestres. Outra determinação é que haja uma distância de um metro e meio deixada pelos veículos ao ultrapassar bicicletas, assim como reduzir a velocidade quando for necessário para a segurança de todos no trânsito.

A capital gaúcha foi uma das primeiras cidades brasileiras a ter legislação específica sobre bicicleta, segundo Pablo. “Tinha recurso garantido, ciclovias e ciclofaixas já traçadas no plano, mas ainda não conseguimos implementar”, relatou, referindo-se ao Plano Municipal de Mobilidade Urbana, que entrou em vigor em 2009. A infração às leis gera uma espiral de desrespeito, que faz com que seguir a determinação possa ser mais perigoso para o ciclista. As bicicletas devem, segundo a lei, ficar no “bordão” da rua, ou seja, mais perto da calçada, mas isso acaba sendo mais perigoso, visto que os carros frequentemente tentam ultrapassar sem trocar de pista, não observando a distância mínima.

É por isso que também é importante abordar mais, nos cursos de formações de condutores, a relação dos automóveis com a bicicleta. “A falta de conhecimento faz com que no trânsito não se tenha respeito [com as bicicletas]. A cultura do veículo é muito forte, como se a rua fosse feita para o automóvel”, apontou Silvério.

A concepção de muitas pessoas de que o ciclista é “o outro”, alguém “exótico” ou uma categoria social específica, colabora para esse desrespeito no trânsito, segundo mencionou Beto Flach, do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais (Lappus). “Temos dificuldade de identificar o quão nocivo é o uso indiscriminado do carro. O primeiro que se percebe é o congestionamento, que provoca estresse, além de malefícios para saúde por conta de resíduos. Mas tem ainda o encolhimento dos espaços de convívio, das praças”, apontou. Outra questão mencionada por ele é a falta de conscientização, que faz com que motoristas muitas vezes pensem “que são os únicos a se deslocar naquele momento”.

A necessidade de mudanças culturais foi abordada durante o encontro, o que inclui o desrespeito de muitos motoristas com as faixas de segurança e pedestres em geral, além de com ciclistas. Nesse sentido, o jornalismo pode colaborar para mudar a cultura centrada no carro, apontou José Antonio Martinez, da ONG Mobicidade. “Cada pessoa deixa o carro em casa por um motivo. Eu tive um enfisema pulmonar, era sedentário e essa foi a forma para eu melhorar de vida”, disse. Mas, culturalmente, ciclistas ouvem xingamentos e acusações de serem “vagabundos” ou “não trabalharem” diariamente, segundo os participantes da conversa.

Muitas vezes, porém, os ciclistas também têm carros, mas optam por meios de locomoção diferentes dependendo da situação. “Saio de carro quando vou com a minha família para algum lugar, mas no dia a dia vou de bicicleta para o trabalho, e com isso já me exercito”, resumiu Pablo. Ele já passou por diversas situações constrangedoras, na faculdade e no dia-a-dia como advogado, por escolher ir de bicicleta para locais como o Foro Central. “É uma escolha que eu faço, se for de carro vou perder um tempão procurando lugar para estacionar”, afirmou.

Para além do Dia Sem Carro, tem que haver uma conscientização maior dos motoristas. “É preciso pensar: eu estou conduzindo o carro ou ele está me conduzindo?”, questionou Beto. A ideia não é que pessoas que nunca pedalaram saiam se deslocando dessa forma, mas que comecem a pensar no assunto e, quem sabe, “no próximo ano, ou no futuro breve, mudem seus hábitos”, conforme resumiu Sinara. “Quando todos os motoristas perceberem que andar de bicicleta é um direito de qualquer cidadão, os ciclistas estarão mais seguros”, afirmou Martinez.

Nesta terça-feira (22), a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) realiza uma pedalada saindo do Paço Municipal, junto com o lançamento do projeto Vida no Trânsito, a partir das 10h. Em seguida, a pedalada acontecerá até a Usina do Gasômetro, caso não chova. Já à noite, com concentração às 20h na Rótula das Cuias, cicloativistas planejam uma pedalada noturna.


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