Cidades|z_Areazero
|
17 de setembro de 2015
|
19:41

Cais Mauá de Todos denuncia irregularidades em projeto de revitalização e pede revogação de contrato

Por
Luís Gomes
[email protected]
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Projeto de revitalização do Cais Mauá foi alvo de críticas nesta quinta-feira | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Representantes do coletivo Cais Mauá de Todos concederam entrevista nesta quinta-feira (17) para apresentar uma série de irregularidades presentes no Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA Rima) do projeto de revitalização do Cais Mauá. A organização defende a revogação do atual contrato de arrendamento da área assinado entre o governo do Estado e o consórcio Cais Mauá do Brasil S.A., liderado pela NSG Capital (investidora do empreendimento).

No evento, o coletivo apresentou um parecer técnico sobre o EIA Rima emitido por uma equipe multidisciplinar formada por arquitetos, engenheiros civis e ambientais, urbanistas, sociólogos e biólogo. O movimento alega que desde o lançamento do edital, o processo de licitação foi marcado pela ausência de participação popular, de transparência e de legalidade.

“Nós queremos a revitalização sim. Nós entendemos que é importante a parceria público-privada. O que nós não aceitamos é esse modelo de projeto, que é um plano comercial, imposto à cidade sem participação popular, sem transparência e sem legalidade”, disse João Volino Correa, sociólogo do coletivo.

Falhas técnicas no EIA Rima

Do ponto de vista urbanístico, paisagístico e ambiental, a equipe multidisciplinar formada pelo coletivo apontou que o projeto: não oferece garantias de que o consórcio conseguirá cumprir do ponto de vista financeiro o cronograma previsto no EIA Rima; prioriza a circulação de carros em vez de alternativas de transporte público e mobilidade; não oferece uma visão de longo prazo para superar a baixa qualidade da gestão pública na região do empreendimento; viola inúmeras determinações do Plano Diretor da cidade, como a vedação de construções urbanas em terrenos sujeitos a alagamentos; desinforma os comerciantes do Centro Histórico sobre os impactos deste novo empreendimento na região; desconsidera as dinâmicas culturais, econômica e social do centro; não oferece instrumentos de participação e controle da sociedade no planejamento, implantação, gestão e processo de ressignificação do Centro Histórico; não esclarece qual será o destino de cada galpão após a revitalização; etc.

17/09/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Coletiva do movimento Cais Mauá de Todos expõe falhas técnicas e estruturais do projeto do consórcio Cais Mauá | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
João Volino fez a apresentação das irregularidades apontadas pelo coletivo | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Além disso, o estudo aponta que o EIA Rima não apresentou uma análise detalhada sobre a situação do transporte público e não motorizado na região, bem como de acidentes de trânsito. Também questiona o fato de o empreendimento não oferecer cenários e soluções de engenharia de tráfego que integrem as questões urbanas, de transporte e meio ambiente.

“A lógica é de montagem de um shopping center, a gente vê, inclusive, pelo material gráfico. Eles estão estudando o trânsito de carros. Eles querem é desemborcar em um estacionamento de quatro mil vagas”, disse Cristiano Kunze, arquiteto do Cais Mauá de Todos, ressaltando ainda que a ciclovia prevista na revitalização seria feita do lado de fora da área e seria de responsabilidade da prefeitura.

Do ponto de vista urbanístico, Kunze aponta ainda que o projeto prevê a ocupação com construções de 95% da área, o que estaria acima da lei municipal que prevê o limite máximo de 90% de ocupação e muito superior à média atual da cidade que estaria em 75%.

Do ponto de vista ambiental, o estudo do Cais Mauá de Todos indica que o EIA Rima descumpre o artigo 192 do Código do Meio Ambiente do Estado sobre parcelamento de solo; desrespeita a lei municipal que prevê a preservação permanente das nascentes e faixas marginas de proteção de águas superficiais e a proibição de aterro nas margens de cursos de água.

Os representantes do Cais Mauá de Todos também informaram que atualmente há seis ações na Justiça questionando danos ao patrimônio cultural, questões urbanísticas do projeto, a investigação da política federal sobre a NSG por crime contra o sistema financeiro, sobre denúncias do Ministério Público Federal por ilegalidades apresentadas no projeto e sobre a não resposta ao pedido do coletivo de informações e para compor a mesa da audiência pública a ser realizada nesta sexta (18), às 19h, no Grêmio Náutico União, bairro Moinhos de Vento.

Além disso, na próxima semana o Cais Mauá de Todos entrará com um mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal em nome da representação da sociedade civil que, se for deferido, paralisar o processo do empreendimento até que o mérito das denúncias de irregularidade seja julgado. O coletivo também está pedindo o tombamento da área para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Propaganda enganosa

Os representantes do Cais Mauá de Todos alegam que, para convencer a sociedade, o consórcio vencedor vendeu uma ideia de revitalização da área que não corresponde ao empreendimento que deverá sair do papel nos próximos anos. “Essa peça (o EIA Rima) contradiz todas as peças promocionais feitas claramente pra seduzir a população de que estamos da última possibilidade de revitalização do Cais Mauá”, disse Rafael Ferretti, um dos representantes do movimento, acrescentando que a prefeitura e o consórcio estão tentando “chantagear” a população a aceitar a política de “ou tudo ou nada” para a revitalização.

17/09/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Coletiva do movimento Cais Mauá de Todos expõe falhas técnicas e estruturais do projeto do consórcio Cais Mauá | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Rafael Ferreti alega que consórcio está fazendo “propaganda enganosa” para a população | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Segundo Ferretti, o projeto original previa que o shopping deveria ter um teto verde e seria conectado à Praça Brigadeiro Sampaio através do rebaixamento da Avenida Mauá, que passaria por baixo dessa nova área, o que posteriormente foi descartado.

“No entanto, deixam claro no EIA Rima que não mais farão isso devido ao alto custo. Ora, não ganharam a concorrência propondo isso? Somente essa inviabilidade já seria suficiente para a proibição dessa obra”, alegou o coletivo na apresentação.

Como substituição ao rebaixamento da Mauá, prevê-se atualmente a criação de uma passarela para fazer a conexão de pedestres com o shopping. Contudo, Ferretti ainda diz que ninguém sabe como será o projeto final e nem se há projeto. “O que eles querem é um cheque em branco”, afirma.

O coletivo também aponta que o consórcio Cais Mauá S.A. também utiliza portos já reabilitados como exemplos sobre como ficará o empreendimento, mas que estes próprios exemplos, como o Puerto Madero, em Buenos Aires, não contemplavam em seus projetos de revitalização a construção de shoppings e torres comerciais e residenciais, mas sim a readequação de armazéns.

Descarte da licitação

A proposta do Cais Mauá de Todos é a revogação do atual contrato e a realização de nova licitação para edital e concorrência que permita a participação de diversos escritórios de arquitetura. “Somente assim os gaúchos e brasileiros poderão ter a oportunidade de comparar e escolher aqueles projetos que melhor atendem as aspirações de preservação e qualificação efetiva do Cais Mauá”, disse Ferretti.

“O contrato, e isso é uma das coisas que o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) levanta, já poderia ter sido terminado porque ele não responde algumas das questões que seria determinante. Por exemplo, R$ 400 milhões eram necessários para participar da concorrência. Isso tirou gente da concorrência, só que até agora não foi apresentado esse aporte financeiro”, disse Jaqueline Custódio, advogada do coletivo.

O Cais Mauá de Todos que alega que todo o processo de licitação foi viciado e impediu a participação de escritórios de arquitetura interessados em apresentar projetos por não possuírem o aporte financeiro exigido.  De acordo com o movimento, deveria ser realizado um novo processo de licitação em que fossem separadas as etapas do projeto e de obras. “A licitação que foi feita não foi de projeto, mas de um plano de negócios. É um estudo de viabilidade financeira”, diz o arquiteto Cristiano Kunze. “O mais adequado seria separar projeto e obra. Primeiro fazer o projeto, elaborado pela sociedade, e depois buscar parceiros para o empreendimento”.

Representantes do consórcio Cais Mauá S.A. contatados pela reportagem dizem que até o momento não tomaram conhecimento de nenhuma denúncia de irregularidade e, se for possível, os apontamentos do coletivo Cais Mauá de Todos serão respondidos na audiência pública a ser realizada nesta sexta (18).

Após a audiência, caberá à prefeitura aprovar o EIA Rima apresentado pelo consórcio e conceder as licenças para o início do empreendimento. A previsão da NSG Capital é que as obras sejam iniciadas no início de 2016.

17/09/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Coletiva do movimento Cais Mauá de Todos expõe falhas técnicas e estruturais do projeto do consórcio Cais Mauá | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Coletiva do movimento Cais Mauá de Todos expõe falhas técnicas e estruturais do projeto do consórcio Cais Mauá | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora