Cidades
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14 de março de 2015
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11:58

Evento cultural reacende discussão sobre revitalização do Cais Mauá

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Sul 21
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Foto: Cais Mauá S.A/ Divulgação
Obras aguardam estudo de impacto ambiental | Foto: Cais Mauá S.A/ Divulgação

Débora Fogliatto

O polêmico projeto de revitalização do Cais Mauá, em Porto Alegre, segue sendo contestado por algumas entidades civis da cidade. Nesta sexta-feira (13), o evento cultural “Todos pelo Cais Mauá” foi realizado para demonstrar discordância com a proposta, que inclui milhares de vagas de estacionamento, torres comerciais, hotéis e shopping centers. O grupo Todos pelo Cais, que promoveu o evento, afirma apoiar a iniciativa de construir cafés, restaurantes, livrarias e praças, mas não grandes empreendimentos, torres e “mais carros no centro da cidade”.

O evento de sexta-feira (13) contou com apresentações de Nelson Coelho de Castro, Frank Jorge, Marcio Petracco, Bibiana Petek, Yanto Laitano, Deluce Deluce, Carlos Carneiro, Paz com Dj Marcus Felix e outros artistas. O coletivo Todos pelo Cais Mauá é formado por pessoas ligadas ao ativismo cívico, cultural, ambiental e urbanístico da cidade e recebeu o apoio de diversas entidades para a realização do evento, incluindo o Instituto dos Arquitetos do Brasil no Rio Grande do Sul (IAB-RS), a Agapan, Mobicidade, Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ/RS), Bar Ocidente, entre outros.

O grupo questiona se a construção de espigões e shoppings centers são benéficas para a cidade e “em que medida os impactos urbanos, ambientais, econômicos e sociais vão afetar aquela região de Porto Alegre”. A sugestão é que a área seja revitalizada a partir de projetos que permitam “o resgate da relação da população com aquele ambiente, sem condicionantes construtivas que visem apenas o aspecto comercial e o retorno financeiro a qualquer custo”.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Evento colheu assinaturas | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A revitalização está sendo realizada pela empresa Cais Mauá do Brasil S.A, que teve o aval para começar as obras em 2013. O consórcio, que será responsável pela área de 2,5 km de extensão por um período de 25 anos, é liderado pela empresa espanhola GSS Holding, que controla 51% das ações, seguida pela NSG Capital, com 39% e pelo Grupo Bettin, com 10%. O período de arrendamento poderá ser renovado por mais 25 anos.

Orçado em R$ 750 milhões, o projeto prevê a reforma de 11 armazéns históricos, a demolição de pelo menos um armazém – o que já ocorreu – e a criação de 4 mil vagas de estacionamento. Destas, 444 ficarão distribuídas ao longo dos 11 armazéns. Já no chamado “Setor Gasômetro”, exatamente ao lado da Usina, haverá outras 2.386 vagas. Além disso, ao lado da Usina, será construído um shopping center com 25 mil metros quadrados de área para locação e capacidade para 180 lojas.

Atualmente, o projeto está em fase de avaliação do impacto ambiental e de mobilidade urbana (EIA-RIMA), período em que o acesso aos armazéns está proibido para o público em geral. Segundo a assessoria de imprensa do consórcio, as obras em si estão previstas para começar no segundo semestre de 2015.

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João Correa explica que a ideia do grupo é debater com a população para elaborar novo projeto | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Um dos fundadores do coletivo Todos pelo Cais Mauá, o sociólogo João Correa explica que a discussão acerca do projeto começou desde sua apresentação em 2010 e, desde então, a situação só ficou mais complexa. “O projeto foi sendo apresentado com todas aquelas maquetes visuais e a população queria saber o que é o projeto, como foi o processo. E agora que percebemos que o processo começou a ter uma execução, organizamos isso e começamos movimento para discutir o projeto, para que a população possa se apropriar dessa discussão e questionar o que está acontecendo”, afirma.

De acordo com o coletivo Todos pelo Cais Mauá, o diálogo com a Prefeitura está bloqueado desde o lançamento do projeto em 2010, quando teria sido aprovado sem ser apresentado pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA), assim como sem licitação para o projeto arquitetônico. “Após muita pressão da cidadania foi realizada uma Audiência Pública por formalidade, para apresentação de um projeto aprovado nos gabinetes, sem apresentação de EIA-RIMA (Estudo de Impacto ambiental e Relatório de Impacto Ambiental) ou EVU (Estudo de Viabilidade Urbanística)”, afirma o grupo.

O Todos pelo Cais Mauá defende uma licitação “realmente aberta à participação nacional e internacional” e uma revitalização baseada em polos artísticos, culturais e educacionais. Baseado no projeto da arquiteta Maria Helena Cavalheiro, o grupo sugere que o foco do projeto sejam atrações no âmbito de cinema, teatro, música, circo, literatura, fotografia, design, artes plásticas, entre outros.

João denuncia que o projeto atual foi imposto à população, sem análise do ponto de vista ambiental e sem o aval dos porto-alegrenses. “Ainda falta cumprir uma série de exigências contratuais e licenças que não foram apresentados. O projeto está atrasado há anos, justamente porque apresentaram a proposta sem as licenças e autorizações e estão querendo impor esse processo como se fosse um direito adquirido”, lamenta ele. O sociólogo lembra que, enquanto na revitalização do Porto Madero, em Buenos Aires, foram apresentadas 96 propostas e houve três empresas vencedoras, no caso do Cais o único vencedor da licitação participou do desenvolvimento do projeto.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Faixa questiona: “Tá estressado com o trânsito da Mauá? Imagina um shopping center aqui”| Foto: Guilherme Santos/Sul21

O grupo critica a falta de transparência de todo o processo envolvendo o Cais. “É impossível que Porto Alegre, a cidade do Fórum Social Mundial, que é referência de participação popular, não tenha interesse de diversos escritórios de arquitetura e diversas empresas para vir aqui apresentar suas propostas”, opina João. O evento realizado nesta sexta-feira à noite também começou a colher aderências a um abaixo-assinado para que haja uma nova discussão do projeto.

Durante o ato, que aconteceu em frente à entrada para o Cais, o acesso aos armazéns só estava aberto para carros que fossem buscar passageiros do Catamarã. Em frente ao muro, diversos seguranças impediam a entrada de pedestres. A partir das 21h30, os portões foram fechados definitivamente.

Usina do Gasômetro

O projeto de revitalização do cais termina na Usina do Gasômetro — onde será construído um shopping center. Mas a ideia da Prefeitura é realizar também um projeto para o restante da Orla, até a Rótula das Cuias. As obras, com orçamento previsto em R$ 57,4 milhões, correspondem a um trecho de cerca de 1.300 metros. Há dez dias, a Prefeitura realizou uma licitação para encontrar empresas possivelmente interessadas na obra, mas nenhuma se apresentou.

Confira mais fotos:

Foto: Guilherme Santos/Sul21
O artista Willis Carmo apresentou a performance “Armazém 7: querem me demolir”, do grupo POAemMovimento, com direção de Leonel Braz | Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Seguranças impediam a entrada no próprio Cais durante o evento | Foto: Guilherme Santos/Sul21
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