Cidades
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29 de janeiro de 2014
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20:40

Travestis e transexuais protocolam em mutirão ações para retificação de registro civil

Por
Sul 21
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Por Ramiro Furquim/Sul21
Marcelly Malta, presidente da ONG Igualdade, disse que o mutirão realizado pelas entidades gaúchas já está sendo feito também em outros estados | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira

Dezenas de travestis, transexuais e ativistas pelos direitos da população LGBT se dirigiram ao Fórum Central de Porto Alegre na tarde desta quarta-feira (29) para protocolar ações de retificação de registro civil. Se forem deferidas, as doze ações protocoladas emitirão uma nova certidão de nascimento para essas pessoas, o que lhes permitirá modificar os nomes em todos os documentos que possuem.

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Advogada Luísa Helena Stern participou do mutirão que elaborou as 12 ações | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

A mobilização é organizada justamente na data que marca o Dia Nacional da Visibilidade Trans e integra as atividades da Semana da Visibilidade Trans em Porto Alegre. Outras ações também estão sendo realizadas de forma simultânea em São Paulo e em Recife. A iniciativa na Capital gaúcha é organizada pelo Serviço de Assessoria Jurídica da UFRGS, pelo Núcleo de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero (NUPSEX) da mesma universidade e pela ONG Igualdade – Associação de Travestis e Transexuais do Rio Grande do Sul.

O mutirão desta quarta-feira já é o terceiro realizado por essas organizações. O primeiro ocorreu há um ano, no dia 29 de janeiro de 2013, com dez processos; e o segundo ocorreu no dia 17 de maio de 2013, contando com 15 processos protocolados.

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Keila Simpson: “Tenho que ser reconhecida e respeitada pelo gênero que eu apresento”| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Advogada do SAJU e militante da Igualdade-RS, Luísa Helena Stern explica que o objetivo do mutirão é “chamar a atenção do Judiciário e do Legislativo”, já que, atualmente, a população transexual e travesti fica refém de decisões de juízes para ter seus pedidos de retificação de registro civil encaminhados. “É preciso aprovar uma lei que possibilite a alteração do registro sem a necessidade de um processo judicial. Uma Lei de Gênero nos moldes da que já existe na Argentina”, defende.

Keila Simpson, integrante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), entende que “o nome civil é a base do nosso respeito”. Ela defende a política de carteiras de identidade social. Adotada por alguns governos, como o gaúcho, a iniciativa possibilita um documento de identidade para travestis e transexuais sem necessidade de acesso ao Judiciário, porém é válida somente ao território do estado em que está inscrita e ainda encontra resistência em ser reconhecida como um documento oficial. “As carteiras de nome social servem como alavancadoras de políticas públicas. Essas iniciativas têm um papel fundamental”, analisa Keila.

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Raquel Carvalho acredita que retificação do nome lhe dará “direito de ir e vir” sem sofrer constrangimentos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Ela lamenta que, ainda hoje em dia, muitas pessoas insistam em se referir a uma travesti ou a uma transexual utilizando palavras no gênero contrário ao qual elas se identificam. “Jornalistas precisam compreender que, quando falamos de travestis e transexuais, estamos falando de identidade de gênero. É pelo que eu me apresento, não pelo sexo. O sexo que eu tenho não é mostrado socialmente. Tenho que ser reconhecida e respeitada segundo o gênero que eu apresento”, afirma, acrescentando que “temos uma sociedade heterossexista e machista que não nos dá esse direito e fala em ‘o’ travesti ou ‘o’ transexual”.

“A retificação evita muito constrangimento”, comemora Fernanda

Fernanda Benvenutty, integrante da ANTRA, já possui seus documentos de identidade com o nome mediante o qual se identifica. “A retificação evita muito constrangimento. Para mim, hoje, é muito tranquilo chegar em qualquer lugar. Mesmo que as pessoas vejam que sou uma travesti ou uma transexual, quando apresento meu RG, elas leem e me chamam de senhora. Antes, me chamavam de senhor, causando a mim um constrangimento”, recorda.
Helena Honorato é uma das 12 pessoas que ingressam com ação de retificação de registro civil neste mutirão. Ela afirma que, em muitos casos, a carteira de identidade social ainda não é respeitada. “Sofremos preconceito mesmo assim. Ignoram a carteira social”, lamenta.

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Fernanda Benvenutty conta que passou a ser respeitada depois de modificar o nome no documento de identidade | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Para ela, ter seu nome nos documentos lhe abrirá oportunidades de estudo e de trabalho. “Vai ser bastante útil para procurar um emprego e fazer uma faculdade. Não vou mais precisar falar para ninguém o que sou ou o que era”, comemora.

Raquel Carvalho também é uma das pessoas que utiliza os serviços do mutirão. Ela comenta que seria muito difícil tocar o processo jurídico por conta própria. “Se fosse fazer de forma particular, sairia quase em torno de R$ 4 mil”, compara.

Raquel não hesita em dizer o que mudará na sua vida a partir do momento em que se ver reconhecida também em seus  documentos de identificação: “O meu direito de ir e vir com meu nome, Raquel, pela forma física que sou. Vai ser uma coisa maravilhosa não passar constrangimento nos lugares públicos”, celebra.

Ela conta que já sofreu preconceito em diversas situações, como em aeroportos, bancos e hospitais. “Passei por um caso muito triste no SUS, no Hospital Cristo Redentor. Pedi para me chamarem de Raquel, mas a enfermeira não quis, ela disse que iria me chamar pelo nome que estava no documento”, recorda.

Carol relatou que, ao fazer a prova do ENEM, encontrou dificuldades por conta de ainda não ter o nome civil correto em seu documento. “Acharam que eu queria fazer a prova no lugar de outra pessoa”, lamenta. Para ela, a possibilidade de ter o seu nome nos documentos de identificação significa “um renascimento”.


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