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3 de dezembro de 2016
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11:04

‘Palestina só terá alguma esperança se mudar a correlação de forças mundial’, diz sociólogo

Por
Sul 21
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Lejeune Mirhan: "As atenções estão todas voltadas para a Síria e a Palestina saiu do foco". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Lejeune Mirhan: “As atenções estão todas voltadas para a Síria e a Palestina saiu do foco”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Marco Weissheimer

O agravamento da guerra na Síria nos últimos meses contribuiu para tirar a questão palestina da linha de frente do noticiário internacional. Os desdobramentos do resultado desse conflito, porém, podem influenciar o futuro do processo de negociações visando a criação e o reconhecimento de um estado palestino. Na avaliação do Lejeune Mirhan, sociólogo, escritor e arabista, a correlação de forças internacional hoje é desigual para aqueles que querem um mundo melhor. No caso da luta do povo palestino pela criação de sua nação, defende, ela só terá alguma esperança quando for alterada essa correlação de forças na direção de uma conjuntura mais progressista. Em entrevista ao Sul21, Lejeune Mirhan fala sobre a atualidade da questão palestina e sobre como fatos recentes da política internacional, como a guerra na Síria e a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, podem mudar o mapa geopolítico global.

Mirhan esteve em Porto Alegre esta semana participando de um debate promovido pela Frente Gaúcha de Solidariedade ao Povo Palestino e pelo núcleo do Rio Grande do Sul do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz-RS), no Sindicato dos Bancário de Porto Alegre e Região. Lejeune Mirhan é membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e da International Sociological Association, além de ser o organizador da obra coletiva “E se Gaza cair” e de outros quatro livros.

Sul21: A luta do povo palestino pela criação do seu Estado saiu um pouco do noticiário internacional nos últimos meses. O noticiário sobre o Oriente Médio está hegemonizado pela guerra na Síria neste momento. Qual é a situação atual da questão palestina?

Lejeune Mirhan: Um dos últimos eventos significativos a tratar dessa questão foi o Fórum Palestina Livre realizado aqui no Rio Grande do Sul, em novembro de 2012. De lá para cá, tivemos algumas mudanças importantes. Na Ucrânia, o governo pró-Rússia foi derrubado e substituído por um governo pró-Europa, em um processo de cercamento da Rússia pela OTAN. Além disso, temos o conflito na Síria desde o início de 2011, quando o país começou a ser invadido por grupos terroristas jihadistas de vários lugares, financiados pela Arábia Saudita. As atenções estão todas voltadas para a Síria e a Palestina saiu do foco. Agora, tivemos a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, que pode trazer novidades no cenário geopolítico. Na campanha, o discurso dele no AIPAC (American Israel Public Affairs Committee) foi totalmente pró-Israel. Mas o de Hillary Clinton também foi. Neste aspecto, não há diferença entre eles. Não estou otimista com esse cenário atual. A correlação de forças internacional hoje é desigual para aqueles que querem um mundo melhor. A Palestina só terá alguma esperança quando conseguirmos alterar essa correlação de forças na direção de uma conjuntura mais progressista.

"Se você considerar apenas a questão populacional, verá a grande vantagem que a Palestina tem sobre Israel". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“Se você considerar apenas a questão populacional, verá a grande vantagem que a Palestina tem sobre Israel”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

A eleição de Trump é um paradoxo. Por um lado, ele leva os Estados Unidos e o mundo mais para a direita. Por outro lado, ele pode alterar o atual modelo de globalização neoliberal, adotando políticas protecionistas fortes. Ele já anunciou que os Estados Unidos sairão do Tratado Transpacífico. Os republicanos já têm uma tradição protecionista e, comparados aos democratas, tem uma tradição menos belicista. O governo Bush fez a guerra do Iraque em 2003, é verdade, mas se considerarmos as 54 intervenções militares feitas pelos EUA desde 1910, a balança pende para o lado dos democratas. A guerra do Vietnã, por exemplo, foi feita por Kennedy, considerado um dos maiores presidentes da história daquele país.

Sul21: Como está a situação interna na Palestina? Israel segue com a política de instalação de novos conjuntos habitacionais em territórios palestinos?

Lejeune Mirhan: No momento, Israel não está ampliando descaradamente esses conjuntos. O governo israelense autorizou a construção, em Jerusalém, de alguns novos conjuntos habitacionais em áreas que não lhes pertence. Na Cisjordânia, não há notícias recentes de ampliação de colônias. Mas também não há notícias no sentido contrário, ou seja, sobre a desocupação de colônias. A última desocupação já tem muitos anos e ocorreu quando Ariel Sharon ainda era vivo e decidiu desmontar sete assentamentos da Faixa de Gaza.

Nos últimos meses, Israel realizou alguns bombardeios contra Gaza. A cada dois ou três anos, Israel tem promovido grandes bombardeios em Gaza, deixando alguns milhares de mortos. Há quem diga que se trata de uma medida de controle populacional. Se você considerar apenas a questão populacional, verá a grande vantagem que a Palestina tem sobre Israel. Enquanto o lado palestino tem, em média, de 4 a 5 filhos por família, do lado israelense esse número é 0,8. Dizem os demógrafos que se uma determinada etnia ou nacionalidade não tiver uma média de 1,2 ou 1,4 por família, ela não prevalece com o passar do tempo e tende a diminuir. Então, a tendência é que, daqui a 50 anos, tenhamos mais palestinos do que israelenses em Israel.

Sul21: Qual é, na sua opinião, a solução para o conflito entre Israel e Palestina?

Lejeune Mirhan: Só haverá paz quando houver a entrega das terras para os palestinos, mesmo que não seja uma restituição integral. O primeiro censo realizado na região, em 1922, apontou a presença de 11% de judeus e 89% de palestinos. Em 1947, quando a situação era explosiva, 33% já eram de judeus e ficaram com 54% das terras. Os palestinos ficaram com 46%. Bem Gurion proclamou a fundação do estado de Israel no dia 15 de maio de 1948. Neste mesmo dia começou a guerra dos israelenses com os árabes. Com a guerra, esses 46% caíram para 30%. Os israelenses só não tomaram mais território porque os exércitos da Síria, da Jordânia e do Iraque seguraram as regiões da Cisjordânia, de Gaza e de algumas outras áreas. Hoje, a estimativa é de que a Palestina não controla mais do que 20% do seu território original. Nestes 20%, se você considerar a situação da Cisjordânia, há 400 assentamentos israelenses.

"Não há ligação por terra entre Gaza e a Cisjordânia. Como é que você administra um Estado descontínuo?" (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“Não há ligação por terra entre Gaza e a Cisjordânia. Como é que você administra um Estado descontínuo?” (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Estive em uma aldeia palestina que fica localizada ao lado de um desses assentamentos. Ele tem muros de quatro metros de altura, com proteção do exército, e possui piscinas com casas maravilhosas. Em geral, esses assentamentos são habitados pelos grupos mais ortodoxos e radicais, muitos deles vindos do leste europeu. Como é que você vai desmontar esses assentamentos?

Há duas propostas de solução na mesa. A mais forte, apoiada pelos Estados Unidos, pela Rússia e pela própria OLP, é a proposta de dois estados para dois povos convivendo lado a lado. Eu acho que essa proposta não dará certo, mas não cabe a mim dizer o que os palestinos devem fazer. Em 15 de novembro de 1988, o Conselho Nacional Palestino aprovou uma resolução reconhecendo o estado de Israel e proclamando o Estado da Palestina. O Estado foi proclamado, mas não foi construído.

Sul21: Por que você acha que essa solução dos dois estados não dará certo?

Lejeune Mirhan: Acho impossível Israel desmontar 400 assentamentos e o conflito continuará existindo. Além disso, há a questão das fronteiras do Estado palestino. Não há ligação por terra entre Gaza e a Cisjordânia. Como é que você administra um Estado descontínuo? Haverá uma estrada internacional ligando as duas regiões, por onde se poderá trafegar livremente?

Sul21: Qual a solução ideal então, na sua opinião?

Lejeune Mirhan: Um Estado único binacional, com duas bandeiras, dois povos, mas com uma administração única, eleita pelo povo. Cada habitante, um voto. Hoje, Israel tem aproximadamente 7 milhões de judeus e cerca de 3,5 milhões de palestinos. Na Cisjordânia e em Gaza, tem mais 5 milhões de palestinos. Além disso, há outros 7 milhões espalhados por países da região e uns 3 milhões espalhados pelo mundo. O Rio Grande do Sul tem a maior colônia de palestinos do Brasil. Uma questão que precisa ficar definida na busca de uma solução para esse conflito diz respeito justamente ao direito do retorno. Quando o Estado de Israel foi proclamado em 1948, foi aprovada na mesma conferência da ONU a lei do retorno que dava a qualquer judeu, do mundo inteiro, a cidadania israelense, no momento em que desembarcasse naquele território. E os palestinos, como ficam? Israel jamais aceitará o retorno de 5 ou 7 milhões de palestinos.

Outro problema é qual será a dimensão das fronteiras da Palestina. Os palestinos defendem que deve ser aquela de antes da Guerra de 1967. Essa é a proposta defendida também pela ONU, pela Rússia e pelos Estados Unidos. Israel, porém, não aceita essa proposta. Há vários elementos, portanto, que inviabilizam o acordo de paz. Nenhuma potência defende, hoje, essa proposta de um Estado único binacional. Nem os palestinos a defendem.

"A relação entre o Hamas e o Fatah segue muito difícil". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“A relação entre o Hamas e o Fatah segue muito difícil”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

 Sul21: Entre os palestinos, como anda a relação entre o Hamas, que controla Gaza, e o Fatah, que administra a Cisjordânia?

Lejeune Mirhan: Segue muito difícil. A OLP (Organização para a Libertação da Palestina) é uma frente ampla, como o CNA (Congresso Nacional Africano) na África do Sul, a Frente Farabundo Marti, em Salvador, a Frente Sandinista, na Nicarágua, ou a Frente Ampla, no Uruguai. Há treze partidos dentro dela, como o Partido Comunista Palestino, a Frente de Libertação da Palestina, a Frente Popular de Libertação da Palestina, Partido do Povo, Fatah e vários outros. Quando uma decisão é tomada, todas essas organizações tem que encaminhá-la. Algumas delas não concordam com essa solução de dois estados, mas acatam a decisão da maioria. Além desses partidos, a OLP também abriga um conjunto de organizações sociais e sindicais de massa que estão penduradas na mesma estrutura. A Frente Ampla do Uruguai também é assim. O comitê executivo da OLP é composto por 17 pessoas que representam essas forças.

O Hamas não integra a estrutura da OLP e não aceita reconhecer o Estado de Israel. Em segundo lugar, mas não menos importante, o Hamas é um movimento religioso. Ele se chama Movimento de Libertação Islâmico da Palestina. É um movimento diferente do Hezbollah que, apesar de se chamar Partido de Deus, não propõe um Estado islâmico para o Líbano. A OLP abriu mão da luta armada em 1988. O Hamas não abriu. Ultimamente, eles dão alguns sinais que podem estar abertos a algumas mudanças. Eu torço por isso.


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