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13 de março de 2016
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12:18

Cursinho popular voltado para pessoas trans e travestis chega a Porto Alegre

Por
Sul 21
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Cursinho popular voltado para pessoas trans e travestis chega a Porto Alegre
Cursinho popular voltado para pessoas trans e travestis chega a Porto Alegre
Cursinho TransEnem BH prepara estudantes travestis e transexuais em Belo Horizonte e ajuda os alunos a transformar a realidade de exclusão educacional enfrentada por eles| Foto: Léo Rodrigues/ Agência Brasil
Em Belo Horizonte, cursinho TransEnem BH prepara estudantes travestis e transexuais e os ajuda a transformar a realidade de exclusão educacional enfrentada por eles| Foto: Léo Rodrigues/ Agência Brasil

Débora Fogliatto

Frequentemente desrespeitadas no ambiente escolar, as pessoas transexuais e travestis estão entre as mais vulneráveis e propensas a abandonar os estudos. Sem possibilidade de carreiras profissionais formais, muitas vezes as mulheres desta população acabam na prostituição. Dados de 2013 da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, revelam que 90% das mulheres trans e travestis e transexuais estão se prostituindo no Brasil. Para tentar mudar essa realidade, grupos de ativistas e professores em diversas cidades brasileiras, inspirados na iniciativa que surgiu em Belo Horizonte, estão incentivando a continuidade dos estudos, a partir de um cursinho preparatório para o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) exclusivo para esta população.

O objetivo é ser um espaço onde homens e mulheres transexuais e travestis se sintam confortáveis para ser quem são, sem precisar se preocupar com os possíveis preconceitos que muitas vezes sofrem nos ambientes de ensino. “A ideia é ser uma rede de apoio, trazer discussões interessantes, empoderamento, uma rede em que as pessoas se fortaleçam e possam buscar outras opções de vida, e mais qualidade de vida mesmo, oportunidade de acessar mais coisas”, define Luisa Bittencourt, estudante de Letras e uma das organizadoras do cursinho na capital gaúcha.

A ideia de realizar o TransENEM em Porto Alegre foi capitaneada pela jornalista e ativista Nanni Rios, sócia do espaço cultural Aldeia, que leu sobre iniciativa semelhante que acontece no Rio de Janeiro. “Eu vi uma notícia sobre o PreparaNEM do Rio, que é organizado pela Indianara Sophia. Achei aquilo tão incrível e possível, então compartilhei a notícia no meu perfil do Facebook, já oferecendo a Aldeia como espaço pra acontecer e chamando quem mais quisesse contribuir. Foi só uma fagulha inicial, porque ele é totalmente auto-organizado”, explica Nanni.

Foi aí, ainda em 2015, que as reuniões de organização começaram a acontecer, na própria Aldeia, com pessoas interessadas em ajudar a organizar e fazer a ideia sair do papel. “Passamos uns dois meses só discutindo como poderia ser viabilizado. No começo, a primeira reunião foi um monte de gente, e a maior parte das pessoas queria dar aula, e nos demos conta que precisaria ter separação entre quem organiza logisticamente e quem quer dar aula”, relatou Luisa. A procura por professores começou e foi bem sucedida: há entre três e quatro voluntários de cada área para ministrar as aulas.

Agora, o projeto está em fase de inscrições para futuros estudantes, que devem preencher uma ficha para que os organizadores saibam seu perfil, horários disponíveis e necessidades de aprendizado. “No começo, estávamos pensando bem em vestibular, e conversando com pessoas trans percebemos que talvez para conclusão de Ensino Médio a procura seja muito maior. Então abrimos essa semana para ver quem é o perfil, e se é possível dividir a turma dependendo da escolaridade”, explica Luisa. O Enem, além de servir como porta de entrada para a universidade, também funciona como prova de conclusão do Ensino Médio.

A atriz transexual Liana Alice é também uma das pessoas que está ajudando a organizar o cursinho. Ela, que transicionou após concluir o colégio e a faculdade, menciona a importância que a iniciativa tem para a comunidade trans. “É muito importante, porque são pessoas que tiveram dificuldades na vida e, muitas vezes, muitas delas foram em relação ao ensino. A maioria das mulheres trans, travestis e homens trans não estão na universidade, muitas vezes não terminaram Ensino Médio ou até o Fundamental. Embora já se veja histórias de pessoas trans que estão aparecendo no ensino superior, ainda é uma coisa pequena, não chega a ser comum”, avalia ela, que é formada em Marketing, mas não exerce a profissão.

Mesmo quando o acesso à universidade é possível, muitas vezes o preconceito também interfere nessa fase. Nem todas as instituições têm diretrizes de respeito à diversidade e ao nome social de estudantes. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) aprovou, em 2014, o uso de nome social para travestis e transexuais nas salas de aula e registros acadêmicos. Desde 2015, todos os candidatos ao Enem também podem usar o nome com o qual se identificam para se inscrever e prestar a prova.

Ela destaca que, quando estava na escola, questões de gênero e sexualidade não eram abordadas em sala de aula, o que acredita que não deve ter mudado. Essa falta de abordagem dificulta ainda mais o combate aos preconceitos e estereótipos em relação a pessoas homossexuais, bissexuais ou trans. “Talvez seja complicado para professores e professoras, que não sabem como lidar. Ou a pessoa é de uma cultura ou religião específica e acaba não aceitando, e tem o poder pra não aceitar porque não está instituído que se deva aceitar uma criança ou adolescente trans”, lamenta.

Luisa complementa que transexuais e travestis acabam perdendo oportunidades na vida simplesmente por assumirem sua identidade. “Sabemos que não existe esse espaço para essas pessoas e o resultado é muito material, elas estão morrendo simplesmente por existirem, é assustador”, afirma. Para além do Enem, o curso pretende abordar assuntos como direito civil, para que todas as pessoas trans saibam de seus direitos; temas voltados à saúde (DSTs, terapia hormonal, etc.); yoga; artes e cultura em geral.

As aulas serão ministradas no Centro de Referências LGBT, na Cidade Baixa, a partir de abril, e as inscrições podem ser realizadas até o dia 27 de março. Os horários ainda estão sendo definidos conforme a disponibilidade e demanda das pessoas interessadas.


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