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11 de dezembro de 2015
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21:35

Especial FSM – 2009: O ano em que 5 presidentes se reuniram na Amazônia

Por
Sul 21
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Líder indígena durante Fórum Social Mundial em Belém, Pará | Foto: Arnold Souza/Repositório FSM
Líder indígena durante Fórum Social Mundial em Belém, Pará | Foto: Arnold Souza/Repositório FSM

Fernanda Canofre

Todas as sextas-feiras, o Sul21 publica a série de artigos relembrando os 15 anos do Fórum Social Mundial. Toda semana relembraremos uma edição e seus momentos mais marcantes. O próximo FSM acontecerá em agosto de 2016, no Canadá, mas para celebrar a data, a cidade de Porto Alegre receberá uma edição comemorativa entre os dias 19 e 23 de janeiro de 2016.

O ano em que o Fórum Social Mundial voltou ao Brasil, a diversidade se abriu em marcha. Logo na abertura do evento, movimentos em defesa do meio-ambiente, representantes de populações indígenas, mulheres, movimento negro, trabalhadores, gente carregando a bandeira da Palestina, movimentos que queriam parar hidrelétricas na Amazônia caminhavam ao lado de trabalhadores apoiando a Usina de Belo Monte. Todos marchando juntos, mais uma vez, por “um outro mundo possível”.

Durante os seis dias de evento, houve espaço para todas as manifestações. A Marcha pela Legalização da Maconha reuniu cerca de 2 mil pessoas. O Protesto de Mulheres refletiu a preocupação com a crise econômica mundial que tinha acabado de estourar nos Estados Unidos. Com uma conta ainda mais impressionante: a tenda dedicada às crianças, a Curumim-Erê, contou com a participação de 3 mil pequenos.

Abertura do FSM 2009 | Foto: Tatiana Cardeal/ Repositório FSM
Abertura do FSM 2009 | Foto: Tatiana Cardeal/ Repositório FSM

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O Fórum Social Mundial, realizado entre 27 de janeiro e 1º de fevereiro de 2009, reuniu 135 mil participantes e mobilizou 150 mil pessoas na capital paraense. O maior público de um Fórum até então. A rede hoteleira de Belém não foi suficiente para receber tantos visitantes e a cidade teve de recorrer à hospedagem alternativa para acomodar a todos. Uma reportagem da Agência Brasil, na época, relatava que “o esquema de hospedagem dos participantes teve que incluir casas de família, alojamentos em ginásios e escolas e acampamentos nos campi das universidades Federal do Pará (UFPA) e Federal Rural da Amazônia (UFRA)”.

Segundo o Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais Econômicas), foi um Fórum “marcadamente jovem”. O relatório do Instituto com o perfil dos participantes revela que 34% tinham idades entre 18 e 24 anos e 27% entre 25 e 34 anos. Quanto ao gênero, o Fórum em Belém manteve a paridade de suas edições anteriores. Dessa vez, porém, os homens foram maioria: 51% sobre 49% de participantes mulheres.

A participação indígena

Em Belém se celebrou o fato de o Fórum ter a maior participação indígena de suas oito edições. O evento estimava a participação de 3 mil indígenas e 270 lideranças de comunidades internacionais, vindos dos nove países da chamada Pan-Amazônia. As tradições dos povos originários, às portas da maior floresta do mundo, marcaram a abertura do Fórum, inclusive com o hino nacional sendo cantado em Kaiapó.

Em outra reportagem da Agência Brasil, o coordenador da delegação da tribo Tucuxi, Haroldo Saw, vinda do sudeste do Pará, contou que o grupo enfrentou sete dias de viagem de barco para chegar à capital paraense e participar das discussões do Fórum.

“É uma oportunidade para dizer o que a gente quer, o que a gente sente, o que a gente tem sofrido. As nossas terras estão sendo invadidas por pescadores, garimpeiros, madeireiros, então é um risco muito grande para nossa floresta”, disse Saw.

Para ele, no ano em que o Fórum abriu debate às questões amazônicas, o evento era a oportunidade de chamar atenção aos povos da floresta. “O mundo tem que saber que existem pessoas que sobrevivem por meio dessa floresta, que dependem dela. Mas não só os índios dependem da Amazônia, várias outras pessoas também. A nossa expectativa é de que a floresta tenha mais segurança”, complementou.

O debate impulsionado por eles pretendia mostrar que a Amazônia “não era um vazio a ser ocupado”, como explica reportagem da Repórter Brasil. A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu, já era prioridade nas discussões dos povos afetados pela obra e uma das mais criticadas durante o FSM 2009. “O principal problema hoje são as hidrelétricas. Essas obras prejudicam a vida dos povos indígenas”, afirmavam indígenas Krahô e Arara, entre as 16 aldeias atingidas.

Grupos quilombolas, que também representam os povos que vivem na Amazônia, também participaram do debate e reclamaram o esquecimento dos negros também nessa questão “Em toda a campanha para a preservação da Amazônia, nós estamos lá. É só conferir no mapa: em praticamente todas as grandes áreas preservadas da floresta, há índios e quilombolas”, disse à reportagem Daniel Souza, liderança quilombola do Pará. Em 2009, o estado contava com 320 núcleos de quilombolas, 92 reconhecidos pelo governo.

Mas, apesar do destaque sobre a participação indígena, se comparado aos números de outros grupos, os indígenas que compareceram ao FSM chegaram a apenas 2% do público. O que revelava algo já visível há alguns anos e alvo de críticas ao evento. Por mais que houvesse diversidade no público, nas mesas ela ainda precisava ser ampliada. 

Os cinco presidentes

Os cinco presidentes latino-americanos reunidos em mesa histórica durante o FSM 2009 | Imagem: Jornal do Senado/Reprodução
Os cinco presidentes latino-americanos reunidos em mesa histórica durante o FSM 2009 | Imagem: Jornal do Senado/Reprodução


O Fórum Social em Belém também foi palco de um encontro histórico. Cinco presidentes da América Latina – Lula (Brasil), Hugo Chávez (Venezuela), Fernando Lugo (Paraguai), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador) – se reuniram na mesma mesa para falar sobre a agenda neoliberal, os caminhos da América do Sul e alternativas ao modelo capitalista.

Em um texto publicado na época, Marco Weissheimer, repórter do Sul21 que cobriu o evento para o site Carta Maior, “algumas ONGs e intelectuais europeus reclamaram da hegemonia latino-americana e da presença dos cincos presidentes em Belém”. Weissheimer nota, porém, que foi justamente essa presença o momento mais importante desta edição do Fórum. “Essa presença, aliás, foi o momento mais importante do FSM pois materializou as mudanças políticas no continente e também o caminho para enfrentar a turbulência instalada no cenário global: a ordem é aprofundar a integração. Os movimentos sociais latinoamericanos defendem (com razão) que é na América Latina que aconteceram as mudanças sociais mais significativas nos últimos anos”, escreveu.

Primeiro, uma conferência reuniu os quatro presidentes de países vizinhos, sem Lula. Depois o então presidente do Brasil se uniu aos demais mandatários para levantar o mesmo tema em comum: integração na América Latina. Lula se disse cansado de frequentar encontros nos Estados Unidos e na Europa onde escutava que ali tinham “ a receita para o Brasil”. “Nunca tinham colocado os pés no Brasil, nem sabiam onde ficava a América do Sul, mas davam palpite para mim todo santo dia. Agora, espero que o FMI diga ao nosso querido Obama como ele tem de consertar os Estados Unidos”, ironizou Lula sobre o recém-eleito presidente norte-americano. “Na crise dos anos 80 e 90, nos obrigavam a fazer ajuste fiscal, nos obrigavam a mandar trabalhadores embora, nos obrigavam a permitir que a iniciativa privada governasse no lugar dos governantes”.

Rafael Correa e Hugo Chávez se cumprimentam durante Fórum | Foto: Reprodução
Rafael Correa e Hugo Chávez se cumprimentam durante Fórum | Foto: Reprodução

O presidente equatoriano, Rafael Correa, economista formado em Chicago, nos Estados Unidos, já havia se manifestado contra a agenda imposta pelo Consenso de Washington – assinado em 1989, que se tornaria a política oficial do Fundo Monetário Internacional (FMI). Correa também lembrou sobre o “momento mágico” que vivia a política latino-americana, com a ascensão de governos de esquerda. “Necessitamos, e já o estamos fazendo, resgatar a planificação nacional. Atuar em função de um projeto em comum, de um projeto nacional. Um projeto de irmãos”, declarou na mesa com Lula. 

Fernando Lugo, com um ano de presidência e há poucos meses do escândalo que começaria a custar seu governo no Paraguai, também destacou o momento politico vivido pela América Latina. Na conferência, afirmou: “O que conseguimos foi suficiente para derrotar o neo-liberalismo mas ainda não chega para construir a sociedade que a América Latina merece: para navegar na Amazônia é preciso paciência, mas na América Latina precisamos de impaciência para construir um novo continente. Um novo mundo, não só é possível, como se está a tornar real”.

Já Hugo Chávez, com sua paixão pelas ideias de Simon Bolívar sobre uma América Latina una, fez coro a Correa. “Apuremos nossos procedimentos, como já dizia Correa, o Banco do Sul, a PetroSul, a unidade de nossas empresas estatais petroleiras e energéticas, os programas sociais, a complementação econômica. Já caminhamos uma parte do caminho. Mas creio que se impõe, fazer a marcha”, defendeu.

Evo Morales fala em Belém|Foto: Reprodução
Evo Morales fala em Belém|Foto: Reprodução

Evo Morales aproveitou o momento para denunciar as perseguições sofridas em seu país por seu governo por grupos ligados à Igreja Católica. “Na Bolívia apareceram novos inimigos, não mais só a imprensa de direita, mas também, quero que saibam irmãos e irmãs, grupos da Igreja Católica. Os hierarcas da Igreja Católica, inimigos das transformações pacíficas”, declarou Evo, que voltaria a esse tema em várias outras oportunidades. “Eu estava refletindo, como se grita permanentemente que ‘um outro mundo é possível’, quero dizer que outra fé, outra religião, outra igreja também é possível”.

Os cinco presidentes, no entanto, também tiveram de ouvir críticas e receberam cobranças de movimentos sociais.

No ano seguinte, o FSM migraria outra vez para o continente africano. O território dessa vez seria Dakar, no Senegal. A crise econômica mundial acentuaria discussões e o outro mundo possível se tornaria pauta ainda mais urgente.

 


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