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29 de dezembro de 2020
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18:01

Fim do Ceitec: mais um capítulo da política de desmonte da ciência pelo governo Bolsonaro

Por
Sul 21
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Centro de design de chips começou a ser desenvolvido em 2005 nos parques tecnológicos da UFRGS e da PUC-RS. (Divulgação/CEITEC)

Maurício Thuswohl

Rio de Janeiro – Muito lamentado pela comunidade científica em todo o Brasil, o decreto publicado este mês pelo presidente Jair Bolsonaro que determina a “desestatização” do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec) não é um fato isolado. Na verdade, o centro de design de chips que começou a ser desenvolvido em 2005 nos parques tecnológicos da UFRGS e da PUCRS, com potencial para gerar receita na casa dos milhões de reais, não resistiu ao esvaziamento iniciado ainda no governo Michel Temer e recebeu de Bolsonaro o mesmo tratamento destinado a outras iniciativas de desenvolvimento científico e tecnológico surgidas durante os governos Lula e Dilma Rousseff: o desmonte.

Essa política de desmonte do setor de Ciência, Tecnologia e Inovação levada a cabo nos últimos dois anos pelo governo federal atinge diversos setores. Neste contexto, a dissolução societária do Ceitec e sua entrega à iniciativa privada “representa um prejuízo enorme para o Brasil e para o Rio Grande do Sul em particular”, na opinião do ex-deputado estadual Adão Villaverde, que foi secretário de Ciência e Tecnologia durante o governo de Olívio Dutra.

“O fim do Ceitec significa renunciar ao importante mergulho que o país estava dando no mundo da microeletrônica, nanotecnologia e informática, em plena era da revolução 4.0, onde os ativos intangíveis do conhecimento e da inteligência têm um enorme valor. Vai fazer com que o nosso nível de dependência, que já era grande, se amplie. Enquanto isso, os países que investem em pesquisa, desenvolvimento e inovação dedicam cada vez mais partes significativas de recursos nesta área”, afirma Villaverde.

Adão Villaverde: Fim do Ceitec vai fazer com que o nosso nível de dependência, que já era grande, se amplie. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Durante a gestão de Dilma Rousseff, o Ceitec deu um importante passo em sua consolidação ao assumir a produção de microchips para uso em passaportes e outros documentos. Apesar da expectativa de R$ 25 milhões em receitas, o projeto foi abandonado por Temer em 2016. Agora, o próprio Ceitec é atacado por Bolsonaro.

Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação do governo Dilma e ex-deputado federal, o gaúcho Celso Pansera lamenta que o Ceitec não tenha sido usado da forma como foi imaginado pelo governo petista: “O Ceitec é uma experiência que não foi explorada em todo o seu potencial. Os diversos produtos por ele desenvolvidos não tiveram a oportunidade do amadurecimento e o desenvolvimento de uma cadeia produtiva ou de um ecossistema desenvolvido. É o caso das capas de passaportes com sistema de chip embutido, por exemplo. Ou do sistema de controle de animais no campo, também através de chips”.

Pansera atualmente integra o comitê-executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), movimento lançado pelas principais entidades do setor de CT&I e que funciona como um observatório das ações do governo e sua base parlamentar no Senado e na Câmara dos Deputados. Para ele, a defesa do Ceitec deve se inserir na agenda de resistência ao desmonte bolsonarista em 2021: “Como o governo não consegue aprovar a venda do Ceitec via Congresso, publica um decreto autoritário, estabelecendo sua dissolução. Precisamos resistir e defender o Ceitec”, diz.

Adão Villaverde também critica o desmonte promovido por Bolsonaro: “É um governo sem política, sem relações com a comunidade científica, tecnológica e inovativa e que está fazendo com que os recursos do FNDCT, do CNPq e da Capes tenham seus menores níveis históricos. É um governo que, à semelhança do ‘mindset’ (modelo mental) de seu comando, está fazendo o Brasil caminhar, infelizmente, a passos largos para a desestruturação do nosso Sistema de Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação. Este sistema foi construído a muito custo pela sociedade brasileira e por governos de diferentes matizes que nos trouxeram até aqui. Infelizmente estamos já na antessala da regressão e do obscurantismo, nesta e noutras áreas”.

Acelerador de partículas Sirius: outro projeto afetado pelo corte de investimentos (Foto: Projeto Sirius/ CNPEM)

Projetos paralisados

O caso do Ceitec é emblemático, mas não é o único. Os sucessivos cortes nas verbas destinadas ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que terá uma redução estimada em R$ 4,8 bilhões na previsão orçamentária do governo para 2021, também decretaram a paralisação ou extinção de outras iniciativas importantes.

Um exemplo é o Sirius, projeto desenvolvido no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) para a construção do maior acelerador de partículas do Brasil. Uma das primeiras fontes de luz síncroton de quarta geração do mundo, o Sirius tem potencial para, entre outras coisas, desenvolver tecnologias de supercondutividade e de investigação estrutural de moléculas, com aplicação na estruturação de nanopartículas que podem ser usadas no combate a inúmeros tipos de vírus e bactérias. O projeto, no entanto, caminha a passos de tartaruga e não merece a atenção de Bolsonaro.

Outro projeto considerado de ponta, porém paralisado pelo governo federal, é o Maglev-Cobra, trem de levitação magnética desenvolvido pela Coppe-UFRJ que obteve reconhecimento mundial e utiliza uma das mais avançadas tecnologias de mobilidade da atualidade. Com capacidade para 20 passageiros, o protótipo foi apresentado em 2014, durante o governo Dilma, como uma opção mais rápida, mais leve e com menor impacto ambiental que o trem comum. Mas, a equipe que opera e vem aprimorando o sistema teve que ser dispensada, pois não há mais recursos para mantê-los.

Laboratório de Tecnologia Oceânica (LabOceano) também está ameaçado pela falta de recursos (Foto: Agência Petrobras)

Há outros projetos importantes e em fase avançada que dependem dos recursos do FNDCT e atualmente se encontram ameaçados pela política de desinvestimento do governo Bolsonaro. Também desenvolvido pela Coppe-UFRJ, o Laboratório de Tecnologia Oceânica (LabOceano), considerado o maior tanque oceânico do mundo e que tinha papel fundamental na pesquisa de novas tecnologias a serem aplicadas na exploração de petróleo e gás no pré-sal, é um deles. Inaugurado em 2003 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o LabOceano recebeu recursos de R$ 22 milhões, investimento que pode se perder em caso de descontinuidade.

Mais uma inciativa ameaçada é o Projeto AME (Automação da Montagem Estrutural de Aeronaves), desenvolvido pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) em parceria com a Embraer e considerado fundamental para o desenvolvimento da indústria aeroespacial brasileira. Mesmo com o envolvimento das Forças Armadas, este projeto também vendo sendo desprezado pelo “capitão” e por seu ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, o astronauta Marcos Pontes.

Cortes Sucessivos

No Orçamento de 2020, o primeiro elaborado pelo governo Bolsonaro, os recursos destinados ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) sofreram um corte de 15% (R$ 2,3 bilhões) em relação ao ano anterior com Michel Temer. Além do corte, 39% da verba destinada ao ministério neste ano que se encerra foi alocada como reserva de contingência, podendo ser utilizada em outras áreas pelo governo federal.

A situação piora na proposta orçamentária de Bolsonaro para o ano que vem. A previsão de Orçamento para o MCTIC em 2021 é 34% menor do que em 2020, chegando ao patamar de R$, 2,7 bilhões, valor que representa menos de um terço do que foi destinado ao ministério há dez anos no último Orçamento elaborado pelo governo Lula. Além disso, aproximadamente 43% dos recursos estão alocados como créditos suplementares.

Os cortes previstos pelo governo federal para o Orçamento de 2021 também atingiram em cheio as principais agências de fomento à pesquisa. Os recursos destinados ao CNPq caíram 8,3% na comparação com 2020, sendo que 60,5% do montante total está condicionado. Já os recursos previstos para a Capes no ano que vem são 28% menores do que há dois anos, caindo de R$ 4,2 bilhões em 2019 para R$ 3 bilhões em 2021, com um percentual de 33,5% de contingenciamento.

“Os recursos necessários para grupos de pesquisa, laboratórios, insumos básicos, viagens e editais para novos projetos têm previsto para 2021 um valor baixíssimo, R$ 22 milhões, cerca de 18% do seu valor de 2019. Os recursos para as bolsas de pós-graduação diminuíram 10% e os recursos para bolsas destinadas a programas relacionados com a Educação Básica caíram 28% em relação ao Orçamento de 2020”, denuncia uma carta aberta aos parlamentares assinada por 19 entidades nacionais do sistema de Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação.


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