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13 de junho de 2020
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12:02

Após esbanjar ambição e arrogância, o ‘meteoro’ Witzel caminha para o impeachment

Por
Sul 21
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De aliado de Bolsonaro, em 2018, Witzel tornou-se desafeto do atual presidente no ano seguinte. Foto: Carolina Antunes/PR

Maurício Thuswohl
Especial do Rio de Janeiro

A trajetória do ex-juiz Wilson Witzel à frente do governo do Rio de Janeiro corre o sério risco de entrar para a história como uma das mais efêmeras passagens de uma figura pública pela primeira divisão da política brasileira. Desde que os deputados que compõem a Assembleia Legislativa estadual (Alerj) decidiram por unanimidade (69 votos a favor, uma ausência) dar prosseguimento a um pedido de impeachment contra o governador, acusado por crime de responsabilidade, muitos apostam que o político surgido como azarão nas eleições de 2018 não terá forças para continuar no Palácio Guanabara.

Os maiores erros de Witzel, afirmam os críticos, teriam sido o excesso de ambição e a falta de traquejo para a formação de uma base parlamentar sólida. O primeiro erro aconteceu quando o governador, ainda sem completar um ano no cargo, anunciou publicamente seu desejo de concorrer à Presidência da República nas próximas eleições. Isso iniciou um processo de afastamento dos deputados ligados a Bolsonaro, logo acompanhados pelos deputados ligados ao prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que terá o apoio do presidente em sua tentativa de reeleição. Abandonado pelas bancadas da bala e da bíblia, Witzel cometeu o segundo erro ao tentar, por intermédio de um secretário, intimidar os deputados, sobretudo os do chamado Centrão na Alerj, com a ameaça de divulgação de dossiês.

“O problema do Witzel foi ter perdido completamente a base política”, afirma o economista José Luís Fevereiro, integrante da direção nacional do PSOL. Ele explica: “Eleito pela extrema-direita, Witzel, consequentemente, não tem nenhuma condição de diálogo com a esquerda. Vitorioso graças à carona de Bolsonaro, tão logo chegou ao Palácio Guanabara se declarou candidato à Presidência em 2022, rompendo com o bolsonarismo. Sem o apoio da extrema-direita que o elegeu e, obviamente, sem à esquerda, ele também perdeu o Centrão pela forma arrogante como operou a relação com esse grupo na Assembleia Legislativa. Essas são as razões políticas pelas quais o impeachment de Witzel será aprovado”, diz.

Waldeck Carneiro: “Witzel nunca construiu uma base de sustentação)

Para o deputado estadual Waldeck Carneiro (PT), Witzel nunca construiu uma base de sustentação organizada na Alerj e agora paga um alto preço por isso: “No primeiro ano de mandato, o governador ainda teve o apoio da bancada bolsonarista e do presidente da Alerj, que, embora sendo do PT, cumpriu um papel de fiador do governo. Havia também o trabalho do líder do governo, Márcio Pacheco (PSC), um deputado de muito bom diálogo. Mas, não era uma base organizada, e isso ficou claro com a votação unânime pelo prosseguimento do pedido de impeachment”, diz.

A queda-de-braço com os deputados começou no ano passado com a circulação pelos bastidores da Alerj da informação de que o então secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Lucas Tristão, teria preparado, a pedido do governador, uma série de dossiês contra parlamentares. Uma eventual tentativa de chantagem política por parte do secretário resultou em um pedido de investigação feito pela Alerj à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal.

“Tristão era um secretário muito empoderado. Trata-se de uma pessoa que tem relação pessoal e profissional com o governador há muito tempo. Foram sócios e são muito próximos. Ele disputava poder com muita ganância dentro do governo e virou uma usina de atritos e problemas. Quando Tristão insinuou que dispunha de dossiês sobre todos os deputados, causou confusão na Alerj”, conta Waldeck Carneiro.

Segundo o deputado, Witzel foi convencido no final do ano passado pelo pastor Everaldo Dias, presidente nacional do PSC, a chamar o ex-deputado federal André Moura, que foi líder do governo Temer, para assumir a Casa Civil estadual. Moura passou então a fazer a interlocução direta com os deputados: “Daí, Tristão começou a ter Moura como adversário dentro do governo, passou a colidir e a fazer uma disputa surda – às vezes nem tão surda assim. Com a Operação Placebo da Polícia Federal, realizada na residência oficial do governador, houve uma tensão maior. Tristão, em um primeiro momento, se fortaleceu porque Witzel demitiu Moura, mas depois o próprio Tristão também foi demitido”.

Operação Placebo investigou corrupção em instalação de hospitais de campanha de campanha. (Foto: Rogério Santana/Governo do Rio de Janeiro)

Após a deflagração da Operação Placebo, Witzel sofreu diversas baixas em seu primeiro escalão de governo. Além de Tristão e do secretário de Saúde, Edmar Santos, arrastados pelas denúncias de superfaturamento na compra de materiais e equipamentos para hospitais de campanha, e de André Moura, foram exonerados por questões políticas os secretários de Fazenda, Luiz Cláudio de Carvalho; do Trabalho, Jorge Gonçalves da Silva; e da Polícia Civil, Marcus Vinicius Braga.

“O governo nunca teve base. Seu líder, depois da operação da PF, entregou o cargo. Então, Witzel estava sem base, sem líder, demitiu seis secretários e, ainda por cima, decidiu fazer carga contra a Assembleia? A reação da Alerj foi muito ruim”, avalia Carneiro.

Na opinião do deputado, Witzel tomou consciência do erro político tarde demais: “Ele percebeu que tinha jogado muito mal. O governador é muito inexperiente politicamente. Entregou a cabeça de Tristão para fazer um gesto em direção à Alerj, mas acho que foi tardiamente. Tanto que, na votação do impeachment, não houve um deputado sequer que fizesse uma ponderação ou tentasse colocar em evidência situações e circunstâncias atenuantes”.

A tentativa de pressão de Witzel contra os deputados surpreendeu, avalia Carneiro, porque a Alerj vinha sendo colaborativa: “Mesmo nós da oposição de esquerda meio que pactuamos uma trégua durante a pandemia, nos dedicando especificamente aos projetos relacionados ao combate à covid-19. A Alerj estava votando as matérias, liberou recursos do Orçamento para que o Estado pudesse ajudar os municípios. Romper com os deputados foi um absoluto erro de cálculo, uma pantalonada, uma coisa completamente fora de prumo”.

José Luís Fevereiro: “Witzel voltará para o anonimato de onde veio”

Sem futuro

A decisão pela abertura do processo de impeachment contra Wilson Witzel pode significar o início do fim de uma carreira meteórica que começou com a onda conservadora nas eleições de 2018 e levou um então ilustre desconhecido na política à condição de potencial candidato à sucessão do presidente Jair Bolsonaro: “Não imagino nenhuma espécie de futuro político para o Witzel. Ele é uma espécie de cometa que atravessou o cenário político carioca e, após o impeachment, voltará para o anonimato de onde veio”, afirma José Luís Fevereiro.

Por parte da esquerda, diz Fevereiro, Witzel não encontrará alívio: “Ele se elegeu pela extrema-direita ligada a Jair Bolsonaro e teve apoio decisivo de Flávio Bolsonaro. Estava no comício onde quebraram a placa que homenageava a vereadora assassinada Marielle Franco. É um governador que se elegeu com o discurso do ‘tiro na cabecinha’, defendendo a execução sumária de gente que, a critério dos policiais militares na rua, estivesse oferecendo algum risco. Ou seja, um governador que delegou à polícia o poder de condenar e executar uma pena que sequer existe no Brasil, a pena capital”.

Para Waldeck Carneiro, Witzel está morto politicamente: “A situação do governador é muito precária, muito difícil. Ele tem dois destinos possíveis. O primeiro é sofrer mesmo o impeachment. Mas, mesmo se escapar, vai passar dois anos e meio como uma espécie de ex-governador em exercício. Um governador desempoderado, muito refém da Assembleia. São as duas alternativas que ele tem neste momento”, diz.

Trâmite

A abertura do processo de impeachment foi publicada sexta-feira (12) no Diário Oficial do Estado, e Witzel terá o prazo de dez sessões para apresentar sua defesa. Até lá, todos os partidos indicarão integrantes para uma Comissão Especial que ficará encarregada de decidir pela aceitação ou não da denúncia contra o governador. Uma vez acatada pela Comissão, a denúncia vai novamente a plenário, precisando da maioria absoluta de votos para ser definitivamente aceita. Isso provocaria o afastamento imediato de Witzel até o fim do julgamento, que ficaria a cargo de uma equipe mista formada por deputados estaduais e por juízes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

O eixo condutor do pedido de impeachment contra Witzel é a denúncia, feita pelo Ministério Público Federal, de fraude na licitação pública e superfaturamento na compra de materiais e equipamentos para sete hospitais de campanha que deveriam ser utilizados no enfrentamento ao coronavírus. A ação deu origem à Operação Placebo, executada pela Polícia Federal, que chegou a fazer diligências de busca e apreensão de documentos no Palácio Laranjeiras, residência oficial do governador.

Witzel também é acusado pelo MPF de manter relações espúrias com o empresário Mário Peixoto, dono da empresa Iabas, responsável pela montagem dos hospitais de campanha no Rio e que só concluiu uma das sete unidades prometidas. A proximidade entre o governador e o empresário, segundo a denúncia, teria provocado a revogação da desqualificação da OS Unir Saúde, também propriedade de Peixoto e também investigada pelo MPF.

“As investigações alcançam até mesmo a família do governador. Os primeiros relatórios mostram que Tristão teria ingerência até sobre despesas pessoais da mulher do Witzel. Ele viabilizou negócios para que ela tivesse renda própria regular. Daí, talvez, a fonte do grande poder que ele tem, provavelmente tem muitas informações confidenciais sobre a vida privada do Witzel. Há também a relação com o empresário Mário Peixoto, figura de longa e escabrosa trajetória no Rio de Janeiro desde outros governos estaduais e, parece, muito enfronhado no governo Witzel, também por interveniência do Tristão”, afirma Carneiro.

Daniel Silveira (à esquerda), Rodrigo Amorim (ao centro, com a placa quebrada) e Wilson Witzel (à direita) em comício realizado na cidade de Petrópolis, durante a campanha de 2018. (Foto: Reprodução)

Desconhecido

Dentre tantos nomes surpreendentes que venceram as eleições para os governos dos principais estados brasileiros em 2018, Wilson Witzel era o mais desconhecido do eleitorado até o início da campanha. Juiz titular da 6ª Vara Federal Cível no Rio de Janeiro até sete meses antes do pleito, ele jamais havia concorrido sequer a cargos parlamentares. Após aparecer nas primeiras pesquisas com apenas 1% das intenções de voto, Witzel obteve no primeiro turno 41,28% dos votos válidos. Surfando a onda bolsonarista com um discurso carregado de jargões policiais, promessas de “limpeza na política” e citações a Deus e à pátria, ele não encontrou maiores dificuldades para vencer o até então considerado favorito ex-prefeito Eduardo Paes, do DEM, no segundo turno, com 59,87% dos votos válidos.

Em um ano e meio de gestão no governo, Witzel fincou a Segurança Pública como sua principal bandeira, notabilizou-se pelo recrudescimento das ações policiais nas comunidades carentes e chegou a subir no helicóptero da Polícia Militar para acompanhar in loco algumas operações em favelas do Rio. Na Saúde e na Educação, seu governo tentou impor cortes de orçamentos e congelamento de salários de servidores, o que angariou a firme oposição dos sindicatos e demais associações dos profissionais de ambos os setores.

Na Economia, o governo Witzel jamais chegou a engrenar, passando um 2019 “com austeridade” e tendo que encarar o baque econômico causado pela covid-19 no atual exercício. As contas do Governo do Rio de Janeiro no ano passado foram rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ). Os desembargadores apontaram sete irregularidades e 39 impropriedades nos atos de Witzel. O relatório do Tribunal foi encaminhado à Alerj, onde os parlamentares decidirão pela aprovação ou rejeição final das contas governamentais.

Para José Luís Fevereiro, o governador do Rio já poderia ter sofrido impeachment por outro motivo: “As razões legais para o impedimento são as denúncias de corrupção na Saúde. Mas, é curioso que este mesmo governador, no ano passado, estava no helicóptero que em Angra dos Reis metralhou uma tenda de orações no morro e saiu dizendo que metralhou um ponto de reunião do tráfico. Por sorte, não havia ninguém embaixo. Se houvesse, ele teria cometido um assassinato. Por este motivo pra lá de razoável para se pedir o impeachment, a Alerj não se movimentou. Ela se movimenta agora com denúncias bastante substantivas de corrupção, mas fundamentalmente porque o governador perdeu completamente as condições de governabilidade. É por isso que os impeachments ocorrem”.


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