Últimas Notícias > Política > Areazero
|
5 de março de 2020
|
20:13

Estudo contraria ‘caos’ divulgado pelo governo Marchezan e aponta boa saúde financeira em Porto Alegre

Por
Sul 21
[email protected]
Levantamento foi apresentado na noite de quarta-feira (4). Foto: Luiza Castro/Sul21

Luciano Velleda

A Prefeitura de Porto Alegre está quebrada e há mais de 20 anos não paga suas contas em dia. A afirmação é recorrente ao longo da gestão do prefeito Nelson Marchezan (PSDB) e embasou as políticas públicas propostas pelo Executivo municipal nos últimos anos. Com o objetivo de destrinchar as informações que sustentariam tal diagnóstico do governo, o Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea) analisou os dados financeiros oficiais da Prefeitura. O resultado, porém, foi bem distinto do discurso do governo municipal e não encontrou informações que pudessem justificar o famigerado “caos” nas finanças da cidade. É o que mostra o estudo intitulado “A verdade sobre as finanças da Prefeitura de Porto Alegre”, lançado na noite desta quarta-feira (4).   

“Os dados oficiais, fornecidos através do balanço das finanças públicas municipais, não contêm nenhum dos gráficos que são apresentados pelo governo para os veículos de comunicação. O estudo tem como ponto de partida exatamente os dados produzidos pelo governo”, explica Jeferson Miola, integrante do Idea.

A conclusão da análise é diametralmente oposta à narrativa oficial do governo Marchezan. Segundo o estudo, as finanças do município têm superávits orçamentários; o crescimento das receitas são maiores do que as despesas; há equilíbrio nas despesas com pessoal; o sistema previdenciário é também equilibrado e está em trajetória de sustentabilidade no curto prazo; e ainda há espaço para captação de créditos e recursos para o desenvolvimento.

De acordo com Jeferson Miola, o estudo revela que o pressuposto para a atual agenda de sucateamento dos serviços públicos, ataques ao funcionalismo, desconstituição de direitos sociais e sacrifícios da cidade, que seria a crise financeira da prefeitura de Porto Alegre, não tem amparo na realidade. “O estudo demonstra que há uma manipulação dos dados oficiais sendo feita pela prefeitura, com o objetivo de legitimar uma agenda destrutiva do patrimônio que a cidade constituiu. É uma agenda que fracassou no mundo”, afirma, dando como exemplo as propostas de privatização da água e das praças.

Para ele, a gestão do prefeito Nelson Marchezan transforma a capital gaúcha “num laboratório de experiências ultraliberais”. “Chegamos à conclusão de que não há um déficit orçamentário, mas um déficit de verdade na cidade. A democracia não convive com a mentira. A democracia se fundamenta a partir da realidade concreta e da verdade das informações.”

Superávit e não déficit

Realizado por especialistas em finanças públicas, o estudo compreende os anos de 2004 a 2019. As fontes dos dados pesquisados foram o Portal de Transparência do Município de Porto Alegre, o Departamento Municipal de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Porto Alegre (Previmpa), a Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul (FEE), o Tribunal de Contas do Estado (TCE), a Secretaria Nacional de Previdência do governo federal, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ao longo desse período, de acordo com a análise feita, a Prefeitura de Porto Alegre teve déficit orçamentário em apenas três anos — 2004, 2012 e 2013. Nos outros 13 anos, a Prefeitura obteve superávits.

Jeferson Miola apresenta o estudo “A Verdade sobre as Finanças da Prefeitura de Porto Alegre”, no SIMPA. Foto: Luiza Castro/Sul21

Durante a apresentação do trabalho, no Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Jeferson Miola enfatizou que, em cada ano que o governo Marchezan previu déficit, a situação final foi de superávit. “Cada anúncio de déficit maior corresponde a um superávit maior”, disse Miola.

Dados do IBGE apontam que o PIB de Porto Alegre cresceu 35,5% entre os anos de 2006 e 2015. Entre 2004 e 2019, as receitas totais cresceram 58,1%, enquanto as despesas totais aumentaram em 39,3%. O estudo destaca que durante todo este período, as despesas de pessoal ficaram abaixo do limite permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Apesar disto, em 2018 e 2019, a Prefeitura contraiu empréstimo bancário para pagar o 13º salário dos servidores.

Fonte: Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre
Fonte: Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre

Sistema de Previdência

Objeto de discussões acaloradas, a pesquisa do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea) sustenta que o sistema previdenciário do município está equacionado. A cidade tem um sistema que combina um fundo de Previdência, criado em 2001, com dispêndios orçamentários definidos como “toleráveis” por meio das receitas do município. “É um financiamento sustentável, em que há uma transição nos próximos sete anos para começar a ser declinante o gasto do município com a Previdência”, afirma Miola.

Dados da Secretaria Nacional de Previdência do governo federal, responsável por controlar os regimes próprios de Previdência Social do Brasil, indicam que o Previmpa tem a 7ª melhor situação entre as capitais do país. O estudo “A verdade sobre as finanças da Prefeitura de Porto Alegre” também conclui que o Executivo municipal tem uma baixa condição de endividamento, ou seja, tem margem para aumentar investimentos.

“Esse regime terá sempre uma curva positiva. Do ponto de vista previdenciário, há segurança, a situação é estável”, explicou a pesquisadora Márcia Quadrado, uma das autoras do estudo.

Fonte: Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre

 

Fonte: Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre

Funcionalismo

“Há o mantra de que o serviço público e os servidores públicos são responsáveis por todos os males da humanidade”, ponderou o integrante do Idea durante a apresentação no Simpa. O estudo exposto mostra que a estrutura de pessoal da Prefeitura de Porto Alegre é a terceira mais enxuta dentre as capitais do Brasil, com 11,7 funcionários para cada mil habitantes. A constatação é contrária, portanto, ao discurso do governo municipal de que há excesso de funcionários públicos na cidade.

A capital gaúcha tem 3,4% de servidores públicos em relação à força de trabalho da cidade. Em âmbito nacional, o Brasil tem 11,4% de servidores públicos em relação à força de trabalho total do país. Índice bem abaixo dos 32,2% da Dinamarca, 25,8% da Suécia ou 19,3% do Reino Unido. “Os dados mostram que tem uma condição adequada e muito se alardeia os excessos de servidores públicos”, constata Márcia Quadrado.

A despesa com pessoal da Prefeitura de Porto Alegre, em 2019, ficou em 46,2% em relação ao comprometimento da Receita Corrente Líquida (RCL). No ano anterior esse índice foi de 48,6% e, em 2017, de 50,9%, todos abaixo dos 54% do limite máximo da Lei de Responsabilidade Fiscal. A situação se repete ao longo dos 16 anos analisados no estudo. “Isso permitiria ao governo não só pagar rigorosamente em dia, como também repor as perdas inflacionárias de anos anteriores”, afirma Jeferson Miola.

Fonte: Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre

Outro ponto destacado no estudo é a capacidade de endividamento de Porto Alegre. Em 2018, a cidade teve uma dívida consolidada líquida de R$ 1,2 bilhão. Resolução do Senado permite que a Prefeitura contraia até R$ 7 bilhões em créditos.

“Porto Alegre tem possibilidade de contrair créditos para o seu desenvolvimento, para financiar obras, serviços e programas. Existe espaço fiscal de endividamento”, explica Jeferson Miola, reforçando que a obtenção de crédito é importante para a gestão estratégica das finanças públicas. “Porto Alegre é viável e tem uma condição financeira e fiscal muito favorável para recuperar um padrão de desenvolvimento, de inclusão social e de justiça, com democracia e, sobretudo, com verdade”, afirma.

Já Márcia Quadrado ressalta a diferença entre a realidade trazida pelos dados oficiais, e o discurso do governo Marchezan de que a cidade está “quebrada”. “Há uma distância muito grande entre o que seria possível de endividamento, e o que, de fato, está comprometido.”

Narrativa

Quando questionado como é possível emplacar na sociedade um discurso de crise se os dados do estudo mostram uma situação distinta, Jeferson Miola levantou os olhos,  respirou fundo e concluiu: “É o sinal dos tempos em que estamos vivendo. Tempos em que o descompromisso com a realidade, a mentira, as fake news, repetidas milhares de vezes se transformam em verdades absolutas, em dogmas indestrutíveis”.

O Sul21 procurou a Prefeitura de Porto Alegre para comentar os dados, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

   

  


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora