Caminhos do Lixo|z_Areazero
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9 de fevereiro de 2020
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12:17

Em busca do ‘lixo zero’: quem aceita mudar seu padrão de consumo e estilo de vida?

Por
Annie Castro
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Em Porto Alegre, só 6% dos resíduos recicláveis descartados pela população são, de fato, reciclados. Foto: Luiza Castro/Sul21
Em Porto Alegre, só 6% dos resíduos recicláveis descartados pela população são, de fato, reciclados. Foto: Luiza Castro/Sul21

Desde criança, Fernanda se questionava para onde iam todas as coisas que as pessoas jogavam no lixo. A decisão de Fabíola de adotar um estilo de vida que gerasse menos resíduos iniciou por meio de um exercício de observação dos lixos secos que produzia. O contato de Ane com as reflexões sobre a quantidade de resíduos que geramos começou cerca de seis anos atrás, quando ela passou a se preocupar com os produtos químicos de cosméticos e produtos de limpeza. As três moradoras de Porto Alegre fazem parte de uma parcela da sociedade que busca evitar os impactos ambientais produzidos no descarte de resíduos, principalmente dos descartáveis de uso único, por meio da diminuição da geração de resíduos orgânicos e recicláveis.

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A procura por um estilo de vida zero lixo, ou seja, que produza a menor quantidade de resíduos possíveis, é um debate mundial e se tornou, inclusive, um movimento seguido por diversas pessoas. Uma vez que após serem utilizados pela população, em algumas situações apenas uma única vez, como é o caso dos copos ou embalagens descartáveis feitas de plástico ou isopor, apenas uma pequena parte desses resíduos será, de fato, reciclada e incluída em uma economia circular, o movimento zero lixo busca cortar o mal pela raiz, diminuindo ou evitando o consumo de produtos ditos recicláveis e descartáveis.

Em Porto Alegre, por exemplo, somente 6% dos resíduos gerados e descartados pela população são reciclados. O resto é aterrado junto com resíduos orgânicos ou jogado em algum local, levando mais de 500 anos para se decompor e liberando diversos elementos tóxicos ao meio ambiente e às pessoas durante esse processo. Ainda, existem casos de materiais, como pneus e vidros, que possuem um tempo indeterminado de decomposição ou, como alguns plásticos, que, ao se decomporem, se dividem em micropartículas que ficam para sempre na natureza. Em alguns locais do Brasil, os resíduos secos também são incinerados.

Grande parte dos resíduos recicláveis descartados pela população de Porto Alegre vão parar na Estação de Transbordo, para depois serem aterrados em Minas do Leão. Foto: Giulia Cassol/Sul21

Devido a esse cenário, a empresária Fabíola Pecce, fundadora da Pasárgada Oficina de Sustentabilidade, aponta a importância da adoção de um estilo de vida que produza e, consequentemente, descarte, o mínimo possível de resíduos. “Uma vida lixo zero, assim como a diminuição da geração de resíduos, é um exercício de cidadania e ética. Hoje lixo é um dos maiores problemas do mundo. Em qualquer lugar há uma dificuldade de desviar [os resíduos] de aterro ou da incineração. A não prática disso reflete um pouco em uma personalidade mais egoísta e não resolutiva”, afirma Fabíola.

Um estilo de vida mais sustentável, que busque a diminuição da geração de resíduos, principalmente de recicláveis ou de descartáveis de uso único, exige como ferramenta essencial a adoção de mudanças no modo de consumir, conforme aponta quem busca viver de forma a diminuir sua pegada de resíduos e ser zero lixo. “É muito importante tentar não produzir resíduos, mas acho que onde mais devemos adotar atitudes conscientes é no consumo. As pessoas acabam consumindo de forma até mesmo impulsiva, porque todo mundo consome e compra, então, muita gente compra sem nem refletir sobre. Eu sempre repenso antes de comprar qualquer coisa e penso se realmente preciso daquilo, porque, antes de tudo, é bem importante pensar no nosso consumo”, pontua Fernanda Sequeira, uma das criadoras da 5Marias Projetos Sustentáveis e dona de brechó.

Como exemplos de repensar o consumo, Fernanda relata situações que vivenciou e vivencia diariamente em sua vida. Há pouco menos de um ano, ela mudou de apartamento e precisava comprar algumas coisas para a casa nova, como uma estante e uma mesa para a cozinha, ou substituir móveis ou eletrodomésticos antigos que possuía. Para que não precisasse comprar um novo sofá, por exemplo, Fernanda mandou trocar o estofamento do que possuía, deixando-o com cara de novo e aumentando a vida útil de um móvel já existente. No caso dos móveis que precisava na cozinha, ela resolveu utilizar dois cavaletes e a caixa de embalagem de televisão para formar uma mesa e usar caixas de papelão empilhadas, formando prateleiras para guardar seus alimento e utensílios.

“Por que eu vou comprar uma mesa nova se eu posso usar minha caixa e cavaletes e funcionar como uma mesa? Eu preciso comprar uma geladeira nova porque essa é muito pequena, mas essa ainda funciona e está me quebrando um galho, então, por que eu vou comprar outra?”, questiona Fernanda, que também ressalta a importância de que as pessoas reaproveitem aquilo que já possuem , criando novas utilidades para coisas que já existem e evitando gerar novos impactos ambientais apenas para consumir algo novo. “Também acabamos economizando com isso”, complementa.

Ao se tratar de itens cujo o consumo não pode ser evitado pois integram as necessidades pessoais de cada um, como alimentos, produtos de higiene ou de limpeza, por exemplo, quem busca viver um estilo de vida zero lixo adota algumas substituições e hábitos diários para diminuir ao máximo, ou dentro do possível, a geração de resíduos nas compras que fazem.

A busca de Fernanda por uma vida com menos resíduos fez com, desde 2009, ela passasse a ter uma composteira em casa, a fim de reaproveitar seus resíduos orgânicos na compostagem, e adotasse o hábito de recusar sacolas plásticas para transportar as compras que faz no supermercado. No lugar das sacolas, ela usa caixas de papelão, que quase sempre estão à disposição da população nestes estabelecimentos, para carregar o que comprou. Em casa, as caixas viram prateleiras ou o local onde Fernanda armazena o que ainda gera de resíduos recicláveis.

Fernanda composta seus resíduos orgânicos há mais de cinco anos. Foto: Giulia Cassol/Sul21

A mudança de estilo de vida e de hábitos também permeia a história da servidora pública federal Ane Ossanes, que passou a repensar sua geração de resíduos quando começou a buscar por produtos mais naturais para o cabelo e para o corpo. “Quando eu destruí meu cabelo descolorindo ele, eu comecei a buscar alternativas mais naturais para cuidar dele. Quando eu vi, eu comecei a pensar ‘eu tô cuidando tanto do meu corpo, parando de usar produtos químicos, que existem em todos cosméticos convencionais, mas não estou preocupada com a química que eu coloco dentro da minha casa e que, consequentemente, entra em contato com o meu corpo’”, relata.

A partir dessa reflexão, Ane começou a produzir seus próprios produtos para casa e, com isso, percebeu o quanto gerava de resíduos na sua rotina. “É absurda a quantidade de plástico que a gente usa nesses produtos, seja nos cosméticos ou de limpeza, e a maioria desses materiais não são reciclados. Quando a gente começa a fazer essas substituições, começa a dar estalos que também estamos diminuindo a quantidade de lixo que produzimos. Imagina quantas embalagens eu deixo de usar se faço meus próprios produtos de limpeza”, conta.

A servidora pública federal Ane Ossanes procura diminuir a quantidade de resíduos que gera.  Foto: Luiza Castro/Sul21
Quando percebeu o quanto gerava de resíduos só nesses itens, a busca por um modo de viver lixo zero passou a permear todas as áreas da vida de Ane, de modo que ela não consegue apontar o momento exato em que decidiu buscar um estilo de vida com a menor geração de resíduos possível. “Foi um crescente, uma coisa foi puxando a outra e eu comecei a ter essa preocupação em vários pontos da minha vida. Com isso, comecei a buscar alternativas e a fazer trocas”, relata Ane.
Ane produz os próprios produtos de limpeza para casa. Foto: Luiza Castro/Sul21

Algumas das mudanças adotadas por ela ao longo dos últimos anos foram, dentre outras coisas, substituir as garrafas de água para casa por um filtro de barro e os produtos de higiene embalados em plástico, como xampu, condicionador e desodorante, por esses versões em barra e mais naturais desses itens. A servidora pública também carrega sempre junto consigo um kit que contém talheres, uma garrafa de água e um copo de silicone para evitar o uso de descartáveis.

Fabíola fundou uma empresa focada em oferecer cursos de sustentabilidade e diminuição da geração de resíduos. Foto: Arquivo pessoal

Na história de Fabíola a incorporação de novas práticas e a mudança de atitudes também foi algo que marcou sua busca por uma vida com menos resíduos. Anos atrás, após realizar um exercício de perceber quais lixos secos mais gerava no seu dia-a-dia, passou a adotar medidas que resultassem na diminuição os resíduos que produzia e descartava. “Eu virei meu lixo seco de cabeça para baixo, e a coisa que eu mais tinha na ocasião eram bombonas d’água, aí eu escolhi não gerar mais as bombonas e descobri o filtro de barro e comprei um. Eu comecei a fazer isso também com outros lixos que eu gerava”, relata Fabíola.

Depois disso, Fabíola passou a recusar sacolas, embalagens ou copos plásticos, a ter composteiras em casa, a reutilizar a água da máquina de lavar para limpar a casa e a priorizar andar a pé ou de bicicleta ao invés de se locomover de carro, por exemplo. Ela relata que monitora mensalmente a quantidade de resíduos recicláveis que gera para saber o que ainda precisa diminuir. “Eu gero mais ou menos resíduos que ocupam uma caixa de vinho por mês. Todo fim de de mês eu olho o que tem dentro dela e tento eliminar mais uma geração de lixo por vez”. Para ela, a busca por uma vida zero lixo “é um exercício diário”. “É tu tentar olhar o que tu tá produzindo e evitar a geração ou substituir por coisas mais orgânicas”, explica.

Ela pontua ainda que, se vai fazer uma refeição fora, opta por estabelecimentos que adotem práticas mais sustentáveis, ou seja, que não usem utensílios descartáveis: “Se servirem em plástico e tiver outro estabelecimento perto que sirva em algo que não é descartável, eu vou ir no outro estabelecimento. A gente pode e deve fazer essas opções. Quanto mais pessoas começarem a ter essas práticas, mais o comércio e a indústria vão começar a se ligar que isso é importante”.Além das mudanças de hábito, adoção de práticas sustentáveis perpassa até mesmo pela decisão de frequentar ou não determinados lugares. “Eu decidi parar de fazer compras no supermercado e passar a ir em feiras, em lojas à granel ou no mercadinho do bairro, onde eu posso levar, por exemplo, os meus saquinhos de algodão, de rede ou pano e não preciso usar plástico na seção de hortifrúti, comprando pão e coisas como arroz, feijão, lentilha”, relata Ane.

O uso de sacos de pano no lugar de sacos plásticos é uma prática adotada por quem busca uma vida zero lixo. Foto: Luiza Castro/Sul21
Na casa da Fernanda, caixas de papelão são reaproveitadas como prateleiras. Foto: Giulia Cassol/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21
Ane adotou o filtro de barro em casa para substituir garrafas plásticas. Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Giulia Cassol/Sul21

 


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