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3 de outubro de 2019
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11:11

Com segundo piso ainda fechado e alvo de PPP, Mercado Público completa 150 anos

Por
Sul 21
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Mercado Público de Porto Alegre completa 150 anos na quinta-feira (3). Foto: Guilherme Santos/Sul21

Annie Castro

Patrimônio Histórico e Cultural da Capital desde 1979 e decretado recentemente Patrimônio Histórico do Rio Grande do Sul, o Mercado Público de Porto Alegre, que completa 150 nesta quinta-feira (3), passa atualmente por um projeto da Prefeitura Municipal de Porto Alegre que prevê a sua concessão para a iniciativa privada. O local, que já enfrentou ao longo de mais de um século uma enchente, três incêndios, ameaças de demolição e diversas reformas, possui atualmente 121 permissionários e mais de 100 estabelecimentos comerciais em funcionamento.

Desde 6 de julho de 2013, quando um incêndio atingiu o segundo andar do Mercado, o espaço está fechado para o público. Uma vez que as estruturas do segundo piso foram danificadas pelo fogo, sete dos nove restaurantes que funcionavam no espaço foram realocados no primeiro andar, onde costumavam ocorrer exposições itinerantes, mas um dos comércios fechou e outro saiu do Mercado. A realocação para o primeiro piso deveria ter sido provisória, porém, seis anos após o incêndio, os restaurantes continuam a funcionar no primeiro andar e o segundo permanece fechado – ali funcionam atualmente apenas uma sala ligada à Associação do Comércio do Mercado Público Central (Ascomepc) e outra vinculada à direção do local.

Apesar de desde o incêndio o segundo piso já ter passado por diversas obras de reestruturação e de adequação do Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI), é possível que o espaço não seja reaberto enquanto o processo de concessão não for concluído, conforme explica a presidente da Ascomepc, Adriana Kauer: “O que ainda está faltando para subir o pessoal para o segundo andar é a parte elétrica, de iluminação e de energia. Estávamos com intenção de fazer a elétrica quando acabou vindo a questão da parceria público-privada. Se tornou para nós um momento tão incerto, em que não sabemos nem o que vai acontecer com a vida do mercadeiro, então não é nem justo fazermos agora”.

Em 6 de julho de 2013, um incêndio atingiu o segundo piso do Mercado Público. Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Segundo Adriana, os orçamentos para a reforma elétrica do segundo piso estão em torno de R$ 750 mil. Porém, se as obras se estenderem para o mercado inteiro, é possível que o valor chegue até R$ 5 milhões. Desde de 2017 os permissionários do Mercado assumiram os valores do PPCI e das adequações do espaço. O PPCI, que na época custava cerca de R$ 1,5 milhão e era a única coisa que faltava para que o local fosse reaberto depois que as as obras de reconstrução da estrutura física do segundo piso foram concluídas, em 2016, deveria ter sido pago pela Prefeitura. Como o poder Executivo alegava não ter verbas e, consequentemente, não havia previsão para o pagamento do PPCI, os comerciantes do Mercado decidiram que fariam um rateio do valor necessário por meio de financiamentos individuais.

Assim, em setembro de 2017, em um acordo entre a Associação e a Prefeitura, os permissionários passaram a ser os responsáveis pelas obras de adequação ao PPCI. Embora a decisão de mudar a responsabilidade do PPCI tenha sido acordada em 2017, apenas em maio de 2018 o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) autorizou a transferência da gestão para a Associação de Permissionários. Foi quando os comerciantes descobriram que o projeto do PPCI que havia sido elaborado pelo poder municipal estava desatualizado, o que faria com que novas obras precisassem ser feitas nos anos seguintes para que o local se adequasse às normas previstas na Lei Kiss.

Na época, a fim de tentar concluir as obras dentro do prazo de 18 meses designado pelo MP-RS, os permissionários contrataram uma empresa especializada em PPCI para que o projeto fosse refeito do zero e adiantaram a restauração das duas escadarias laterais do Mercado, que não foram atingidas pelo incêndio, mas que estavam deterioradas e, portanto, integrariam o novo PPCI por precisarem de reforma. De acordo com a presidente Adriana, dentre as obras realizadas desde então estão a desobstrução dos corredores e das rotas de fuga e a retirada do reservatório de água provisório, por exemplo.

Com incêndio de 2013, restaurantes que funcionavam no segundo piso foram realocados em um espaço do primeiro andar que costumava ser destinado a exposições itinerantes. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Em abril deste ano, o Corpo de Bombeiros liberou o alvará de incêndio provisório ao Mercado Público após vistoria no segundo andar do prédio. Porém, ainda estão faltando adequações para o alvará definitivo. “Estamos agora na fase de instalação de detectores e de alarmes contra incêndio. Fizemos a formação de mais de 100 brigadistas e a instalação de mais de 200 extintores de incêndio dentro do mercado. Estamos a todo vapor para terminar a instalação desse alarme que contratamos, que é de primeiríssimo mundo e que não fere as estruturas, as paredes, então não vai fazer nenhum tipo de intervenção no Mercado – ele está sendo instalado inclusive dentro das lojas”, explica a presidente.

Concessão para a iniciativa privada

Desde o primeiro ano de seu mandato, o governo de Nelson Marchezan Júnior (PSDB) já demonstrava a intenção de conceder o Mercado Público para a iniciativa privada. Em março de 2017, por exemplo, o prefeito apontou a privatização como uma solução para resolver os problemas do local, o que motivou diversos protestos por parte da população. Já em julho de 2017, o então secretário municipal de Parcerias Estratégicas, Bruno Vanuzzi, afirmou em entrevista ao Sul21 que a Prefeitura realmente pretendia fazer a concessão da administração do Mercado.

Em maio deste ano, o Executivo Municipal lançou um Edital de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para o Mercado. Durante o lançamento do edital, que tinha o intuito de estabelecer diretrizes para estudos técnicos visando uma parceria público-privada que incluísse administração, operação e reformas do local, o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) afirmou que a melhor gestão para o Mercado é “sem dúvida nenhuma, privada.”

Por fim, no último dia 19 de setembro a Prefeitura iniciou a consulta pública – aberta à população em geral e às empresas privadas – sobre o projeto que prevê uma concessão com validade de 25 anos de “uso para reforma, restauração, requalificação, manutenção, gestão e operação” do Mercado. Também está previsto no projeto a empresa ou consórcio realizar a ampliação do número de lojas, a restauração e a requalificação da área física do local. De acordo com o poder público, o edital de licitação do contrato estimado em R$ 85 milhões está previsto para novembro deste ano.

Prefeitura Municipal lançou uma consulta pública sobre o projeto de concessão da administração do Mercado Público. Foto: Maia Rubim/Sul21

De acordo com o Secretário Municipal de Parcerias Estratégicas, Thiago Ribeiro, o prazo de 25 anos foi estipulado para fazer com que a futura concessionária tenha uma taxa de retorno dos custos que investir no local, sem afetar os valores que são pagos pelos comerciantes em aluguel. “Os prazos de concessão na verdade são definidos com base na viabilidade econômica financeira do projeto. Se uma concessão tem 20 anos, muito provavelmente é porque o modelo daquele negócio mostrou que é em 20 anos que a concessionária vai conseguir recuperar o capital investido”, disse em entrevista ao Sul21.

Ribeiro afirma ainda que, devido aos R$ 40 milhões de investimento que estão previstos no projeto de concessão, 25 anos seria o tempo de “maturação desse investimento”. “Se fosse 20 anos, a concessionária teria que, por exemplo, trabalhar com valores de aluguel muito altos para os locatários para recuperar esse valor e, se fosse 30 anos, por exemplo, seria o contrário, porque ela poderia ter um retorno muito alto com essa concessão”, explicou. Segundo o secretário, é possível que o prazo de concessão seja alterado após a finalização da consulta pública. “Vai depender das contribuições econômico-financeiras que a gente tiver em relação à isso. Se vários interessados apresentarem modelos que mostram que com 20 anos já é sustentável ou algo do tipo, a gente pode sim pensar em uma alteração”.

Conforme Ribeiro, após a concessão da administração do Mercado para a iniciativa privada, a Prefeitura atuará na fiscalização da concessionária. “O papel da Prefeitura é de agente regulador daquele contrato. Haverá uma série de encargos e obrigações que a concessionária deverá cumprir e quem vai fiscalizar se ela está cumprindo ou não aquelas obrigações, sejam elas de operação ou de investimento, é a Prefeitura”, explicou. Segundo ele, no contrato de concessão existem multas previstas para o não cumprimento dessas obrigações. “No final das contas, terminado o período de concessão, o Mercado Público volta para a Prefeitura e ela reassume a administração, podendo fazer uma nova concessão. A Prefeitura continua responsável por fazer a fiscalização do espaço que está concedido para a iniciativa privada, mas que continua sendo público”.

Um dos medos da população da Capital era que o Mercado virasse mais um shopping da cidade. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Desde que o debate acerca de uma parceria público-privada para o Mercado surgiu, um dos medos de comerciantes e de frequentadores do local é que o espaço vire mais um shopping center da cidade. Porém, segundo Ribeiro, o projeto de concessão que está em consulta pública delimita quais tipos de bancas poderão ser instaladas no Mercado, vedando, por exemplo, a presença de lojas de vestuário ou calçado. “A ideia é manter o caráter do mercado público e não permitir de forma alguma que ele se transforme em um centro comercial com uma cara de shopping center”, disse.

Após o lançamento da consulta pública, o secretário, juntamente com a equipe que trabalha na estruturação do projeto de concessão, participaram de uma reunião com permissionários para responder questionamentos acerca da concessão do Mercado. De acordo com a presidente da Ascomepc, os comerciantes locais não são contra “qualquer coisa que seja favorável ao Mercado”, mas apenas estão preocupados com como será feita a transição do contrato que os mercadeiros têm com a Prefeitura para um gestor privado. “Precisamos saber como isso irá acontecer. Ainda não existe um sim ou um não, ainda temos muitas coisas a entender sobre esse projeto”, afirma.

A presidente também ressalta que os comerciantes tiveram um importante papel na manutenção do Mercado ao longo dos últimos anos. “Os permissionários investiram muito dentro do mercado, pagaram boa parte da reforma de 1996, colocaram muito dinheiro na época do incêndio. Faz dois anos que os permissionários colocam todo dinheiro de manutenção. Não adianta simplesmente darmos o Mercado, passar para um gestor privado, sem respeitar o que os permissionários fizeram e fazem até agora pelo Mercado. Ele só está aberto em função dos comerciantes”, afirma.

Veja mais fotos do Mercado Público de Porto Alegre: 

Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

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