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24 de maio de 2019
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13:22

Brasil se afasta da norma internacional e não desperta mais confiança, diz Celso Amorim

Por
Sul 21
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Celso Amorim abriu ciclo de palestras “Espaços de Resistência”, em Porto Alegre. Foto: Carol Ferraz/Sul21

Marco Weissheimer

Está em curso no cenário global um processo de desvalorização dos organismos internacionais e do sistema multilateral construído nas últimas décadas. O principal patrocinador desse processo é o governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, e suas réplicas que começaram a pipocar pelo mundo, como o governo de Jair Bolsonaro no Brasil e o crescimento de forças de extrema-direita na Europa. Trata-se de um ambiente de regressão civilizatória que ameaça a liberdade e a paz no mundo. O diagnóstico é do ex-ministro de Relações Exteriores e ex-ministro da Defesa, Celso Amorim, que participou de um debate , na noite desta quinta-feira(23), que lotou o auditório do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, sobre o enfraquecimento dos organismos multilaterais.

Promovido pelo escritório Castro, Osório, Pedrassani e Advogados Associados (COP) e pelo Instituto Novos Paradigmas (INP), a atividade abriu o ciclo de palestras “Espaços de Resistência”, que pretende refletir sobre o avanço do fascismo em diversas regiões do mundo nos dias de hoje. O advogado Antonio Escosteguy Castro, um dos organizadores do evento, destacou que o Brasil, nesta semana, parou de pagar sua contribuição na Organização Internacional do Trabalho (OIT), que este ano completa 100 anos. “Trata-se da última instituição ainda existente saída do Tratado de Versailles, após o fim da Primeira Guerra Mundial. O Brasil é fundador dessa instituição e agora decidiu parar de contribuir para o financiamento da mesma”, assinalou Antonio Castro, citando o caso como exemplo do processo de desmonte de organismos internacionais e instituições multilaterais em um ambiente de obscurantismo e histeria conservadora.

Auditório do Sindicato dos Bancários ficou lotado para ouvir o ex-chanceler. Foto: Carol Ferraz/Sul21

Celso Amorim defendeu a necessidade de debater o tema da soberania que vem sendo apropriado, de forma distorcida, pelo nacionalismo populista de Trump e suas réplicas regionais como Bolsonaro. A soberania defendida por Bolsonaro e pelo seu ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, repudia a normatividade internacional. “Esse termo está sendo usado para justificar uma conduta regressiva em relação à ordem internacional”, afirmou o ex-chanceler do governo Lula. O que está acontecendo no âmbito da OIT, acrescentou, é um exemplo muito significativo desse processo. “Em várias situações recentes na OIT, o Brasil assumiu posições vexatórias. Com isso, o Brasil começa a se afastar da norma internacional.”

As convenções da OIT, lembrou ainda Amorim, foram respeitadas por todos os governos democráticos após a ditadura, inclusive pelo governo Collor, que assinou a convenção sobre o trabalho de povos indígenas. Hoje, o Brasil está rompendo com essa norma e várias outras, como o Acordo do Clima e o Acordo das Migrações. “As normas internacionais têm um papel civilizatório. Apesar dos limites e problemas que apresentam, nós precisamos do sistema multilateral e dos organismos internacionais onde há instâncias de mediação que interessam a países como o Brasil para enfrentar contenciosos com as grandes potências. O sistema multilateral tem seus problemas, é verdade, mas é melhor do que a lei da selva”, defendeu Celso Amorim.

“Nunca vi, na história da humanidade, algo como a atuação do atual chanceler”. Foto: Carol Ferraz/Sul21

Alem de se afastar de normas e tratados internacionais, observou ainda o embaixador, o Brasil vem assumindo uma postura de completa submissão e entreguismo das riquezas e do patrimônio nacional. “O ministro da Economia disse que vai vender tudo e que o Banco do Brasil vai virar Bank of America. O Banco do Brasil, cabe lembrar, foi criado por Dom João VI, antes do Brasil se tornar uma nação independente. Me espanta que não haja uma reação contra essas declarações no Congresso Nacional”.

Com uma carreira de cinqüenta anos na diplomacia brasileira, Celso Amorim disse nunca ter visto algo como está ocorrendo agora na condução da política externa brasileira. “O presidente Lula gosta de usar a expressão nunca antes na história desse país. Pois eu nunca vi, na história da humanidade, algo como a atuação do atual chanceler. Não lembro de algo parecido. Ele era um funcionário discreto no Itamaraty. Hoje, adota a loucura como método. É um caso raro”, afirmou. A atuação de Ernesto Araújo e do presidente Jair Bolsonaro, no caso da Venzuela, quase envolveram o Brasil em uma guerra. “Estivemos muito perto de uma guerra”, alertou.

Ao falar sobre o cenário geopolítico global, com as crescentes tensões entre Estados Unidos e China, Celso Amorim falou sobre a importância de se defender a paz. “A defesa da paz e da liberdade é repete o que ocorre com o ar. A gente só percebe a sua importância quando eles faltam. Não sei até onde vai esse enfrentamento entre Estados Unidos e China, mas podemos ser arrastados a situações que não nos interessam, como uma guerra por procuração na América Latina”.

Além disso, o alinhamento direto com os Estados Unidos já causa desconforto entre os países com os quais o Brasil conformou o bloco dos BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul). Em uma recente reunião dos BRICS, observou Amorim, a posição do Brasil favorável aos interesses dos Estados Unidos na Venezuela e na OMC destoou da dos demais integrantes do bloco. “Hoje, o Brasil é um país que não desperta mais confiança em seus antigos parceiros”, resumiu o ex-chanceler.

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Foto: Carol Ferraz/Sul21
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