“Futuro roubado”: pesquisadora estuda sofrimento social provocado pela construção de barragens

Por
Sul 21
[email protected]
Carmem Giongo: “Estamos falando de um dano existencial que mudou os projetos de vida e de futuro dessas pessoas”. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Marco Weissheimer

Estima-se hoje que cerca de 70% da energia consumida no Brasil é produzida por hidrelétricas. Segundo a Agencia Nacional de Energia Elétrica, há mais de 2 mil barragens construídas em diferentes estados e que são responsáveis pela produção dessa energia. Além do impacto ambiental que provoca, o processo de construção e implantação dessas barragens tem um custo social que costuma ser invisível ao conjunto da sociedade. Comunidades inteiras são forçadas a deixar suas casas e suas terras para dar lugar à barragem. Outras famílias, que não têm suas terras diretamente atingidas e permanecem vivendo nas áreas ao redor das barragens, acabam sofrendo um agudo processo de isolamento geográfico e social. Oficialmente, não são consideradas como atingidas. Na prática, sofrem uma situação de abandono, ruptura de laços sociais e comunitários e isolamento.

A situação das famílias deste último grupo no entorno da barragem da Usina Hidrelétrica de Itá, no norte do Rio Grande do Sul, foi objeto de uma extenso estudo de campo realizado pela pesquisadora Carmem Giongo, professora de Psicologia na Universidade Feevale, que resultou em sua tese de doutorado, apresentada no programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob a orientação da professora Jussara Maria Rosa Mendes. Carmem Giongo percorreu a região por mais de dois anos, entrevistou 129 pessoas e chegou a morar com agricultores para estudar de perto o sofrimento social relacionado à construção de barragens.

“Elas passam a não ter mais vizinhos, a igreja não funciona mais, a escola fechou, não passa ônibus”. (Foto: Carmem Giongo)

Essas pessoas, explica a pesquisadora em entrevista ao Sul21, sofreram o chamado deslocamento in situ, “onde tudo muda ao redor, menos a pessoa”. “Elas passam a não ter mais vizinhos, a igreja não funciona mais, a escola fechou, não passa ônibus. Hoje, o cenário dessas comunidades rurais é muito marcado pelo abandono, tanto por parte do Estado quanto por parte da própria hidrelétrica. Há comunidades que visitei, que tinham 50 famílias e hoje tem apenas uma. Tem uma casa, escola abandonada, igreja e salão da comunidade abandonados e uma família tentando se manter. É uma situação de grande isolamento”.

Carmem Giongo relata na entrevista como esse processo de abandono e isolamento é progressivamente construído ao longo dos anos e como ele causa um sofrimento social e psíquico que não é reconhecido hoje nos processos de licenciamento ambiental e de compensação às famílias atingidas por essas obras. “Não estamos mais nem falando de dano moral, mas sim de um dano existencial que mudou os projetos de vida e de futuro dessas pessoas. Muitos deles expressam isso dizendo: a gente teve o futuro roubado”.

Sul21: Como nasceu o interesse pelo tema do sofrimento social causado pela construção de barragens, que acabou virando objeto central da tua tese de doutorado?

Carmem Giongo: Eu comecei a me interessar e estudar esse tema em 2014, em uma região da bacia do rio Uruguai que pega uma parte de Santa Catarina e uma parte do Rio Grande do Sul. Eu sou daquela região. Minha família vive lá perto e eu já conhecia um pouco daquela realidade. No meu mestrado, eu comecei a me aproximar mais dessa área rural e muitas pessoas, por eu ter formação em Psicologia, me falavam do alto número de suicídios que havia naquela região, especialmente nas comunidades rurais do entorno do reservatório da barragem de Itá. Eu estava começando o meu doutorado e me interessei em entender o que estava acontecendo ali. Nas conversas que tive, as pessoas associavam essa situação à construção da usina hidrelétrica de Itá.

De um modo em geral, as pessoas enxergam a hidrelétrica como uma grande obra do progresso. Há muitas visitas de estudantes, de escolas…

“O sofrimento psíquico não aparece no processo de licenciamento ambiental ou nos planos de intervenção posteriores”. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: Como uma atração turística…

Carmem Giongo: Sim. Como uma atração turística. Principalmente a cidade de Itá, que foi reconstruída e é onde está instalada a usina, tem uma glamourização. Poucas pessoas, a não ser quem mora mesmo ali na região, na área rural, conseguem ter essa visão sobre os danos causados pela obra. Foi assim que começou a minha pesquisa. A ideia inicial era investigar as situações de suicídio, mas eu acabei ampliando o foco. Estudando, eu vi que havia muitos estudos sobre o sofrimento das pessoas atingidas e sobre os danos causados pela construção de barragens. Comecei a construir uma pesquisa para tentar entender por que esse dano acaba sendo naturalizado. Passei a estudar a estudar a legislação existente no campo da construção de barragens, os processos de licenciamento ambiental, como se desenvolve o discurso em defesa do processo de implantação das barragens e de produção de energia e como vivem as pessoas depois que a obra é concluída. Qual a realidade que, de fato, fica depois da implantação.

O cerne da pesquisa foi tentar entender por que isso é naturalizado e banalizado hoje no Brasil, por que o sofrimento psíquico não aparece no processo de licenciamento ambiental ou nos planos de intervenção posteriores.

Sul21: Como foi o trabalho de campo que realizou na região, entrevistando e escutando os moradores?

Carmem Giongo: Desde 2014, eu vinha fazendo viagens para lá e entrevistas informais. Em 2016, eu passei um ano lá. A cada duas semanas, eu ia para lá. Acabei morando nas residências dos agricultores que vivem nas comunidades rurais do entorno. Neste ano, eu conheci todas essas comunidades rurais do entorno do reservatório. Entrevistei, formalmente, 129 pessoas. Foram entrevistas gravadas e transcritas. Informalmente foi muito mais. No decorrer do trabalho de campo, a gente também produziu um documentário, onde os próprios participantes auxiliaram na produção e na gravação, com o objetivo de contar um pouco as vivências deles hoje, como foi o processo de implantação do empreendimento e o que eles observam sobre como é viver lá hoje.

A parte da alta antiga igreja de Itá é hoje uma atração turística. (Foto: Carmem Giongo)

Sul21: Essas pessoas que participaram da tua pesquisa foram deslocadas de suas terras pela construção da barragem?

Carmem Giongo: Nem todas. Na construção da barragem de Itá, algumas comunidades foram reassentadas, a maioria delas no Paraná. Algumas pessoas receberam carta de crédito, com um valor em dinheiro, e foram morar na cidade ou em outros lugares. E tivemos pessoas, que foram o foco da minha pesquisa, que não foram consideradas atingidas oficialmente. Elas viviam ali e não tiveram a sua terra alagada. Outras ainda queriam permanecer na região e tiveram que se mudar para uma comunidade próxima. Essas pessoas sofreram o que chamamos de deslocamento in situ, que é um deslocamento onde tudo muda ao redor, menos a pessoa.

Elas passam a não ter mais vizinhos, a igreja não funciona mais, a escola fechou, não passa ônibus. O meu foco, que eu sigo estudando, são as pessoas que ficam, são as pessoas que, legalmente, muitas vezes nem tiveram indenização. Hoje, o cenário dessas comunidades rurais é muito marcado pelo abandono, tanto por parte do Estado quanto por parte da própria hidrelétrica. Há comunidades que visitei, que tinham 50 famílias e hoje tem apenas uma. Tem uma casa, escola abandonada, igreja e salão da comunidade abandonados e uma família tentando se manter. É uma situação de grande isolamento. Não passa mais ônibus porque a maioria das famílias foi embora e tampouco há demanda para ter uma escola. Aos poucos, o padre ou o pastor não aparecem mais. Há muitas igrejas abandonadas.

A barragem entrou em operação em 2000. Estamos falando, portanto, de um período de quase vinte anos. O que eles relatam, de modo muito forte, é que os danos se agravaram com o passar do tempo. No processo de construção de uma barragem tempos, primeiro, a proposta de implantação e a criação de comitês, o que costuma gerar conflitos com posições contra e a favor. Depois temos o processo de implantação da obra propriamente dito. Nesta etapa da implantação, aparentemente, chegou o desenvolvimento porque vem alguns de milhares de trabalhadores para construir a obra. Eles consomem do comércio local, alugam casas gerando um boom econômico que, aproximadamente dois anos depois, começa a se esvaziar. Os trabalhadores que estavam ali vão para outra obra e o empreendimento que fica não gera emprego ou gera pouquíssimo.

“Quem está lá ainda hoje conta que vinte anos antes do início da obra já sofriam com o medo dela”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Depois de uns dois ou três anos é que as pessoas começam a ver os danos causados naquele território, o esvaziamento, a saída das pessoas. Esse é um processo que vai se consolidando ao longo dos anos. O projeto da barragem começou a ser pensado na década de 70. Quem está lá ainda hoje conta que vinte anos antes do início da obra eles já sofriam com o medo dela. Depois vem a obra e toda a transformação que ela carrega. E estamos aqui, quase vinte anos depois de sua conclusão, falando dos seus efeitos. Se contar o pré e o pós estamos falando de um período de quarenta anos.

Com o passar do tempo, ocorre a desmobilização das famílias que vão saindo ou vão cansando, se isolando. Neste cenário, dá para perceber, entre integrantes dessas famílias, a depressão como um sofrimento social e como resultado do abandono e do isolamento. Temos famílias que moram ao lado da barragem e têm problema de abastecimento de energia elétrica, ficando até dez ou quinze dias sem energia, sem telefone, sem internet e, muitas vezes, sem acesso ao lago, pois há toda uma regulamentação que controla o acesso a ele. O rio, que antes era acessível, passa a ter esse acesso regulamentado. Há restrições para a pesca, para as vacas beber água ou para tomar banho. Há lugares em que a profundidade do rio aumentou até 100 metros.

Sul21: Como é que a depressão e outras formas de sofrimento social apareceram nos relatos das entrevistas que realizou com os moradores da região?

Carmem Giongo: Muitas famílias gostariam de sair dali porque estão sozinhas, sentem que estão isoladas, mas não conseguem sair porque sua terra já não vale muito, por estar num lugar isolado, de difícil acesso. Há relatos muito fortes relacionados à perda ambiental. Essas famílias sempre tiveram um vínculo muito forte com o rio. Vários relatos mencionaram o tema do silêncio, da lembrança do som da correnteza, da história dos balseiros na região. Elas não se reconhecem mais naquele território. Elas não têm mais acesso ao rio e vivenciaram transformações muito grandes, inclusive no clima e nas plantações. Também perderam o sentido do coletivo, da vida em comunidade. Há ainda muitas situações de pendências indenizatórias e de pessoas que desistiram. Há casos de pessoas que foram indenizadas, mas a indenização caiu bem no período do confisco do governo Collor e até hoje não conseguiram retirar o dinheiro.

Outras pessoas ainda tiveram uma parte de suas terras atingida pela barragem e foram indenizadas apenas em relação a essa parte. Só que, em muitos casos, uma parte não vive sem a outra e as pessoas perderam, por exemplo, o poço artesiano e o acesso à água. Resultado: tiveram que abandonar a terra. Encontra-se muitas casas abandonadas porque se tornaram inviáveis de manter. Há relatos de muitos casos de suicídio durante a construção da obra.

“Encontra-se muitas casas abandonadas porque se tornaram inviáveis de manter”. (Foto: Carmem Giongo)

Sul21: Existe alguma estatística sobre esses casos de suicídio?

Carmem Giongo: Não. Muitos casos não foram registrados como suicídio. Seria preciso fazer um estudo pesquisando, talvez, a partir dos registros policiais. Há um depoimento que relata a ocorrência de um suicídio bem no dia da mudança. A família estava saindo da casa, arrumando a mudança para ir para outro lugar, quando encontraram o pai morto na própria residência. Eles usam a expressão: foi como cortar o cordão umbilical. Sair da terra significou perder a identidade. Para quem ficou, a perda aquisitiva foi muito importante, com a desvalorização das terras, e a perda das relações sociais.

Sul21: Essas perdas não são incluídas nos processos de licenciamento, de avaliação de riscos e impactos da obra?

Carmem Giongo: Eles reconstruíram fisicamente o que foi destruído. Se uma igreja foi alagada, eles construíram outra igreja. Se uma escola foi atingida, eles reconstruíram outra escola. As famílias que tiveram seu território alagado foram indenizadas. O que não foi previsto é que não haveria pessoas para ocupar a escola, para freqüentar a igreja. Não foi contabilizado o dano social e como intervir nisso. Só foi previsto o dano físico. A nossa lei é baseada na ideia de propriedade mesmo. Você é considerado um atingido se teve a sua terra alagada. Se você mora a 30 metros da barragem, não é considerado um atingido. A previsão da reparação foi só física e financeira. As pessoas não imaginavam que iria ocorrer esse esvaziamento. Os planos que acompanham a população acontecem até dois anos depois da inauguração da obra, mas estamos vendo que esses danos permanecem e tiveram um caráter progressivo.

Sul21: A tua pesquisa envolve um universos de quantas pessoas aproximadamente?

Carmem Giongo: No total, foram atingidas cerca de 15 mil pessoas em uma área que envolve 11 municípios. Saíram dali umas 800 famílias, outras foram para cidade. Calculo que ficaram ali algo entre três e quatro mil pessoas. Há algumas comunidades que ainda têm mais famílias, mas a maioria das comunidades atingidas tem uma, duas ou três famílias.

“Há famílias que foram atingidas por três barragens”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Sul21: Como elas conseguem sobreviver economicamente em meio a essa situação de isolamento?

Carmem Giongo: É basicamente agricultura familiar. Muitos plantam laranja que é bastante cultivada na região. Alguns têm vacas de leite. Todos sofrem com o problema do acesso. Muitas cooperativas não querem integrar essas famílias porque o acesso é horrível. Até para mim, era muito difícil chegar nas famílias. As estradas de chão são muito ruins. Por outro lado, a gente vê a legislação e o discurso estatal vendendo a hidrelétrica como produtora de uma energia limpa, renovável, de baixo custo e sustentável. É de baixo custo porque não contabiliza todos os danos. Essa é a conta que não fecha.

Apos terminar a pesquisa na barragem de Itá, nos últimos dois anos venho estudando as barragens do lado, a da Foz do Chapecó e a Monjolinho. Na bacia do rio Uruguai, há 22 hidrelétricas, ou prontas ou em construção. As pesquisas e os estudos de impacto ambiental não consideram o dano integrado das obras, não avaliam essa conjuntura integrada da bacia como um todo. Elas olham cada uma individualmente. Só que há famílias que foram atingidas por três barragens. Essas três que eu estudo, se olharmos no mapa, formam um triângulo. Encontrei famílias que foram atingidas pela barragem de Itá e tiveram que se mudar. Após dez anos em uma nova área, foram atingidas pela Foz do Chapecó e tiveram que se mudar de novo. Além disso, uma barragem fica abaixo da outra. Se houver um rompimento o estrago será enorme. Quem mora do lado das barragens vive em constante alerta e não tem conhecimento de plano de fuga ou de resgate.

Na Foz do Chapecó há também um problema muito grande com os pescadores. A barragem deveria ficar com uma determinada vazão de água para manter uma parte do rio, mas volta e meia fecha a vazão e morrem todos os peixes. Eles colocam peixes de novo, mas o problema se repete. Há um problema muito sério naquela parte do rio que afeta diretamente os pescadores.

Sul21: A tua pesquisa incluiu conversas com autoridades e as empresas que gerenciam essas barragens?

Carmem Giongo: Sim. As 129 entrevistas que realizei incluíram agricultores (que foram o foco principal), profissionais da saúde, comerciantes, vereadores, pessoas ligadas à Secretaria da Agricultura, técnicos da barragem e o gestor geral da barragem. Há um jogo de empurra-empurra aí. As autoridades dos municípios dizem, muitas vezes, que os danos gerados às pessoas que vivem ali são responsabilidade da barragem e a barragem diz que isso é responsabilidade do Estado. O gestor da barragem com quem conversei disse que eles tinham conhecimento de tudo o que eu estava relatando e questionando. Algumas coisas ele sabia até melhor do que eu. Só que, disse, temos hoje no Brasil uma legislação ambiental muito mais avançada do que aquela que existe para as questões sociais. Se a gente cortar uma árvore aqui, ele exemplificou, a gente vai preso, mas seu eu fizer algo para um dos atingidos…Nós cumprimos o que diz a legislação, resumiu.

Os municípios atingidos recebem royalties pela produção da energia. Na minha visão, esses royalties deveriam ser direcionados para as áreas atingidas. Os municípios alegam que isso, muitas vezes, não ocorre porque eles precisam direcionar esses recursos para atender demandas de áreas onde há maior concentração populacional. O município de Mariano Moro disse que investe o que consegue na agricultura e que, mesmo assim, eles perderam muito com a barragem, tanto na agricultura como na arrecadação de ICMS.

Sul21: Tu esteve em Brumadinho recentemente. Como avalia o que vivenciou lá, considerando também a experiência da tua pesquisa aqui no Rio Grande do Sul?

“Como é que a gente pensa uma indenização por um dano existencial?” (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

 Carmem Giongo: Eu fui a Brumadinho em função do vínculo que tenho com o Movimento dos Atingidos por Barragens. A gente sempre trabalhou junto e eles me ajudaram muito na pesquisa. Fui a Brumadinho para trabalhar junto com eles, principalmente nas comunidades não diretamente atingidas que vivem na margem do rio em áreas localizadas depois de onde houve o rompimento. Atuei com eles na organização das comunidades, no levantamento dos danos e das necessidades dessas comunidades, para encaminhar essas informações ao Ministério Público. Estive lá quinze dias depois do rompimento e fiquei oito dias na região realizando esse trabalho.

Sul21: Qual o cenário de futuro que vislumbra em torno desse tema?

Carmem Giongo: O que é mais preocupante é que estamos vivendo um processo de aprofundamento de flexibilização da legislação, que já existia antes. Agora deve se agravar. A ideia de que empreendimentos considerados “estratégicos” não precisam de licenciamento é uma pauta forte no Congresso. Se, com licenciamento, já temos o que temos hoje, imagine sem…

As hidrelétricas estão aí. Não tem como voltar atrás. Uma das coisas que podemos fazer é trabalhar para construir uma legislação que direcione os recursos dos royalties pagos aos municípios para essas pessoas que foram mais penalizadas, que tiveram os maiores danos. Devemos ter também planos que prevejam esses riscos de rompimento e projetos de acompanhamento das pessoas que vivem em volta dessas barragens. Outra questão importante é a seguinte: como é que a gente pensa uma indenização por um dano existencial? Não estamos mais nem falando de dano moral, mas sim de um dano existencial que mudou os projetos de vida e de futuro dessas pessoas. Muitos deles expressam isso dizendo: a gente teve o futuro roubado.

Sul21: Essa categoria de dano existencial já é reconhecida juridicamente?

Carmem Giongo: Há alguns estudos sobre isso. Eu estive recentemente em uma banca de doutorado que discutiu o dano existencial no caso do rompimento da barragem de Mariana. Mas, no Brasil, ainda é uma categoria pouquíssimo utilizada. Aqui, tudo ainda cai em dano moral, mas o dano existencial vai muito além do dano moral e requer outras reparações. Se ampliarmos o conceito de atingido, também vamos ampliar o olhar para a reparação e os projetos de acompanhamento dessas pessoas, pensando em outras alternativas que vão além de reconstruir a casa ou reconstruir a igreja. Só isso não dá conta.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora