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23 de março de 2019
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15:00

‘A reforma levará à “desconstitucionalização” da Previdência’: Adufrgs alerta para riscos de mudanças na aposentadoria dos docentes

Por
Sul 21
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“A primeira coisa a ser dita é que esse evento integra o dia nacional de lutas contra a reforma”, iniciou Eduardo Rolim. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Giovana Fleck

A reforma da Previdência, em articulação na Câmara Federal, é a principal proposta do governo de Jair Bolsonaro (PSL) em tramitação até o momento. A reforma impacta na vida de todos os brasileiros; a partir do chamado “rombo”, mudanças estruturais foram concebidas levando em conta um aumento da expectativa de vida e, ao mesmo tempo, uma supressão de “privilégios” que se confunde, nas falas de ministros, deputados e do próprio presidente, com direitos.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, que prevê a reforma da Previdência pelo governo de Michel Temer foi enviada para o Congresso Nacional. No da 20 de fevereiro, uma nova emenda foi adicionada ao texto pela equipe de Bolsonaro. Ao contrário do que se especulava, ela prevê a extinção das aposentadorias especiais. A idade para educadores e educadoras se aposentarem pode, então, ser igualada em 65 anos, assim como a dos outros trabalhadores – com exceção dos militares. Professores que até a data de promulgação da emenda tenham 50 anos ou mais e professoras com 45 anos ou mais poderão se aposentar após cumpridos 30 anos de contribuição, se homem, e 25 anos no caso das mulheres (desde que tenha cumprido um período adicional equivalente a metade do tempo que faltaria para atingir o tempo de contribuição anterior).

O intuito do governo federal é que mudanças nas regras de aposentadoria ajudem a diminuir os gastos públicos. No orçamento previsto para 2017, 562,4 bilhões de reais deverão ser usados em despesas correspondentes a gastos com pagamentos desse benefício trabalhista, bem como pensões e auxílios de trabalhadores e empregadores. O déficit esperado para o Regime Geral da Previdência (conhecido através do INSS) é de cerca de 181,2 bilhões de reais, segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual, divulgado pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

Atualmente, trabalhadores do setor público e privado podem se aposentar com, no mínimo, 65 anos para homens e 60 para mulheres, ou por tempo de contribuição, 35 anos para homens e 30 para mulheres se esse valor, somado à idade da pessoa, corresponder a 85 e 95, respectivamente. Caso a proposta seja aprovada, só será possível parar de trabalhar após atingir a idade mínima de 65 anos. Além disso, o tempo mínimo de contribuição para a Previdência Social passará de 15 para 25 anos.

“Quando estamos na escola, brincamos com a maior palavra do dicionário: inconstitucionalissimamente. É um palavrão. O que o governo quer fazer também é um palavrão: ‘desconstitucionalisar’ a Previdência”. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Até o momento, professores de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, policiais federais e civis dos Estados e cargos que se expõem a agentes nocivos à saúde têm direito à chamada aposentadoria especial. Essa separação decorre do fato de tais profissionais estarem expostos a trabalhos mais desgastantes ou arriscados. No caso dos docentes, a idade mínima é de 55 anos para homens e de 50 para mulheres. Já o tempo de contribuição mínimo para homens e mulheres é de 30 e 25 anos, respectivamente. Essa regra é válida para quem contribui pelo regime geral da Previdência, o que é o caso da maioria dos educadores da rede particular e pública.

A proposta da Reforma da Previdência inicia a tramitação pela Câmara dos Deputados. Agora, o Congresso deverá ouvir alguns setores da sociedade civil, como centrais sindicais, para que sejam analisadas mudanças no texto.

Por conta disso, a ADUFRGS-Sindical realizou, na tarde da sexta-feira (22), o painel “Reforma da Previdência: Impactos para os Professores”, com o diretor de Relações Sindicais, Eduardo Rolim.  “A primeira coisa a ser dita é que esse evento integra o dia nacional de lutas contra a reforma”, iniciou. Horas depois, os docentes presentes integraram, junto com outros trabalhadores, um ato convocado pelas centrais sindicais contra a reforma da Previdência no Centro de Porto Alegre. “Para além de expor quais são as mudanças comparando as regras de hoje e as possíveis mudanças, precisamos criar um alerta para a perda de direitos”, ressalta Rolim.

Por que os docentes são um caso especial

Durante a apresentação, Eduardo Rolim se opõe às mudanças apresentadas. “As mulheres serão as principais atingidas pela reforma. No nosso caso há uma categoria especialmente afetada, que são as professoras do Ensino Básico.” Ele destaca que condições de trabalho impactam no cotidiano diretamente, como salas superlotadas, stress e a própria responsabilidade da educação infantil. “O aumento da alíquota é desproporcional, o que impacta tanto nos professores ativos quanto nos aposentados.” Para os professores da ativa, deve-se considerar, também o desenvolvimento de suas tarefas fora do período de trabalho, como o planejamento de aulas e a correção de avaliações. Além de terem de trabalhar mais dez anos, as professoras terão de contribuir obrigatoriamente cinco anos a mais para garantir o acesso a 80% do benefício previdenciário. Para ter direito ao valor integral, a contribuição mínima passará dos atuais 25 anos para 40 anos, totalizando 15 anos a mais de contribuição. Segundo dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), cerca de 80% da categoria é formada por mulheres.

“Quando estamos na escola, brincamos com a maior palavra do dicionário: inconstitucionalissimamente. É um palavrão. O que o governo quer fazer também é um palavrão: ‘desconstitucionalisar’ a Previdência”, ironiza Rolim. “Essa é uma das principais perdas que existem nesse processo. Faz com que a geração atual e as futuras, no que se refere às regras de transição, estejam sujeitas à mudanças deliberadas a qualquer momento, por qualquer maioria simples do Congresso Nacional”, ressalta.  Pelas regras atuais, considerando o artigo 201 da Constituição Federal, que respeita o entendimento de que os professores são submetidos a condições penosas e exaustivas de trabalho, as mulheres se aposentam com 50 anos de idade e 25 anos de contribuição e os homens com 55 anos de idade e 30 anos de contribuição. No caso dos professores da rede particular de ensino, não há a exigência de idade mínima, apenas a comprovação de 25 e 30 anos de contribuição mulheres e homens, respectivamente. A proposta de Bolsonaro pretende fixar em 60 anos a idade mínima para professores e professoras da rede pública e privada se aposentarem. A reforma também pretende unificar em 30 anos o tempo mínimo de contribuição para ambos os sexos.

O Atlas de Gestão de Pessoas registrou que, no ano de 2012, na rede municipal de São Paulo, a quantidade de afastamentos superou o número de docentes em sala. Fator correlacionado a isto é o aumento da carga-horária e maiores restrições cotidianas que sobrecarregavam os professores. “O governo pensa no lado financeiro da questão, mas parece desconsiderar ou ser insensível com as especificidades de cada profissão”, destaca Rolim.

Para o diretor, isso é extremamente grave. Ele esclarece que o conceito de Previdência Social está registrado na Constituição como um dos pilares da proteção social, ao lado da Saúde e da Assistência. “A ‘desconstitucionalização’ fere a garantia dos direitos sociais. Outra coisa extremamente grave é a possibilidade de implantação do modelo de capitalização individual.” A capitalização é uma espécie de poupança que o trabalhador faz para garantir a aposentadoria no futuro, na qual o dinheiro é investido individualmente, ou seja, não ‘se mistura’ com o dos demais trabalhadores. O modelo atual é o de repartição, no qual quem contribui paga os benefícios de quem já está aposentado.

Ato contra a reforma da previdência na sexta-feira (22). Foto: Guilherme Santos/Sul21

Procurando dar mais visibilidade ao assunto, no dia 27 de março, a ADUFRGS se baseará na experiência do Chile para promover juntamente com o Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos (CNASP), Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência no RS (Sindisprev) e Sindicato dos Servidores do Ministério da Agricultura no RS (Sindagri) o Seminário “A experiência do modelo previdenciário chileno e a proposta de reforma da previdência brasileira”.

“A capitalização individual é grave por desengajar o Estado e os patrões da contribuição previdenciária. Transforma-se a noção de Previdência em algo social, com a noção de geracionalidade simplesmente como uma mercadoria, uma moeda de troca. No dia em que esse sistema for implementado, não existirá contribuintes para o atual fundo. Na medida em que eles se aposentam, a fonte seca. Isso levaria a uma quebra do regime-geral de Previdência Social e a uma quebra de estrutura do funcionalismo público”, alerta. Segundo o sistema atual, servidores em atividade estão categorizados em quatro gerações distintas, cada uma regida por regras vigentes durante o governo em que iniciaram seu trabalho. A maior parte dos docentes se encontra na terceira geração. Com Bolsonaro, seria criada uma quinta geração, de transição, e uma sexta, permanente.

Além de abrir precedentes para a capitalização, a proposta de Bolsonaro acaba com a aposentadoria por invalidez. Ela seria substituída pela aposentadoria por incapacidade permanente, a ser julgada por uma comissão que definiria se o individuo poderia seguir trabalhando ou não. “É algo que acaba com o conceito de proteção, além de não considerar aspectos psicológicos”, aponta Rolim. “Fala-se que o governo quer economizar, em até 10 anos, R$ 1 trilhão. Disso, mais de R$ 800 bilhões vêm da Previdência. De onde virá essa economia? Do fim de programas como o PIS-PASEP (programa de integração social), do fim do Salário Família… Ou seja, a reforma da Previdência vai buscar na sociedade o extrato de pessoas em maior situação de vulnerabilidade e atacar os seus direitos. É absurdo pensar que isso é prioridade quando vivemos em um país onde a sonegação é imensa e não se fala em uma Reforma Tributária.”

 

 

 


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