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12 de fevereiro de 2019
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18:45

Diante da falta de água, moradores questionam Prefeitura sobre crescimento sem estrutura na Lomba do Pinheiro

Por
Sul 21
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Reunião ordinária da Cosmam na Câmara de Vereadores debateu a falta de água na Lomba do Pinheiro com a presença de moradores | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Débora Fogliatto

Sofrendo com a falta de água desde o início do ano, moradores de diversas comunidades dos bairros Lomba do Pinheiro, Partenon e Morro Santa Tereza participaram, nesta terça-feira (12), de reunião da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara de Porto Alegre sobre o assunto. Com a presença do diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE), Darcy Nunes, eles criticaram a falta de estrutura na região e a permissão para que novos empreendimentos continuem sendo construídos, mesmo diante dos problemas já existentes.

A reunião ocorreu um dia após protesto feito pelos moradores nesta segunda-feira (11), em que foram ao DMAE e à Prefeitura cobrar soluções para o problema. Após não conseguirem se reunir com a diretoria do órgão, os moradores foram recebidos pelo prefeito Nelson Marchezan (PSDB) e o entregaram um documento apontando possíveis alternativas para solucionar o problema.

Representando o Conselho Popular da Lomba na reunião da Cosmam, Isnar Borges citou algumas das soluções propostas pela comunidade e lamentou que a diretoria do DMAE não os recebeu no dia anterior. “A água é um bem público, acho que não devia ser cobrada de ninguém, porque é um direito que as pessoas têm. Se tem uma administração que não prioriza um bem público, o que a gente pode fazer?”, questionou, entregando ao diretor do DMAE e aos vereadores o mesmo documento entregue ao prefeito.

Isnar Borges representou o Conselho Popular da Lomba do Pinheiro | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Nele, os moradores solicitam imediatamente a ativação de todos os reservatórios de água que estão sem uso e a construção de novos, assim como da barragem Lomba do Sabão. “Não queremos mais pagar água até que vocês organizem a nossa água na Lomba. Queremos saber como que a Prefeitura permite construção de condomínios na Lomba se não tem água? Como vai botar um monte de casa lá sem água?”, acrescentou.

Explicações e retirada de faixa

Antes da reunião começar, os moradores penduraram duas faixas que representavam as suas reivindicações em frente à mesa onde os vereadores e autoridades se sentariam. Com o questionamento “cadê nossa água prefeito?”, as faixas ficaram no local até a chegada de Mauro Pinheiro (Rede), líder do governo Marchezan, que exigiu sua retirada argumentando que não poderia sentar na mesa atrás daqueles dizeres, pois eles “não o representavam”. Diante da situação, uma moradora questionou: “tu ficou tão reacionário assim, Mauro?”, provocando o parlamentar que iniciou sua carreira política no PT.

Após a retirada dos cartazes, o diretor-geral do DMAE iniciou sua fala afirmando que a Prefeitura vem investindo “bastante” na distribuição de água nas regiões do Extremo-Sul e Lomba, mesmo “sabendo que não é o suficiente”. Darcy relatou que o problema já havia sido identificado em 2012 e aparecia no Plano Diretor de Águas de 2013. O órgão argumenta que, agora, a Estação de Tratamento de Água Belém Novo, na Zona Sul, que abastece a região, chegou ao limite devido ao elevado consumo.

Comunidade precisou retirar as faixas após solicitação de vereador Mauro Pinheiro | Foto: Joana Berwanger/Sul21

“Em 2013, foi contratado um projeto de engenharia bastante grande, que foi concluído. E dali em diante o planejamento não foi mais seguido, não se implantou uma nova estação de tratamento de água, novas adutoras, para suprir a região da Lomba. Paralelamente, decidiu-se desativar a água da barragem [Lomba do Sabão] porque se tornou de difícil tratamento. Já recebemos ao longo dos anos várias propostas de tentativa de reativação e nenhum processo de tratamento nos garante que vai ser viável a utilização daquela água”, contou.

Ele frisou que há outras áreas da cidade necessitando de estrutura de distribuição de água, que no total exigiriam R$ 440 milhões de reais em investimentos. Segundo a Prefeitura, a solução do problema seria a construção da Estação de Tratamento (ETA) da Ponta do Arado, uma obra estimada em R$ 230 milhões, os quais o Executivo municipal espera obter de financiamento do governo federal.

Darcy voltou a frisar que os cofres públicos da cidade não têm como arcar com o valor. O diretor do DMAE acrescentou que há obras pontuais sendo realizadas para tentar solucionar o problema de forma paliativa, como a construção de uma adutora de 300mm para a Vila Mapa e Estrada São Francisco e canalizações novas do bairro Restinga, as quais devem ser realizadas ainda no primeiro semestre.

“Mas a única solução definitiva é a construção do sistema que custa R$ 280 milhões. Estive na Secretaria Nacional de Saneamento e o encaminhamento está bem avançado, mas ainda temos etapas a vencer. Nossa expectativa é conseguir assinar o financiamento no primeiro semestre para licitar obras ainda este ano”, afirmou. A solução final, porém, viria após três anos de obras.

Diretor do DMAE, Darcy Nunes reafirmou necessidade de se construir ETA na Ponta do Arado | Foto: Joana Berwanger/Sul21

A Defensora Pública Regina Célia Borges de Medeiros relatou que o órgão conseguiu, após negociação com o DMAE, que haja atendimento de caminhões-pipa em horários considerados bons para os moradores (entre 10h e 12h e entre 18h e 20h), até a regularização do abastecimento, nas localidades afetadas pela falta de água, nos bairros Lomba do Pinheiro, Agronomia e imediações. Além disso, a Defensoria questionou a cobrança da água da região, considerando as interrupções frequentes no serviço. “Fizemos a sugestão de fazer novo cálculo e descontar suspensão de investimentos. Queremos que consumidores paguem o que consumiram”, resumiu Regina.

Reivindicações

Moradora da região, a ex-vereadora Maristela Maffei, que integra o Conselho Popular da Lomba do Pinheiro, afirmou que a comunidade não foi à Câmara “fazer afronta”, mas sim pedir soluções. “A Prefeitura não barra empreendimentos na Lomba e no Partenon, então seguem construindo. Os empresários vão lá e fazem o investimento, a contrapartida poderia resolver nosso problema”, sugeriu.

Cibele Mendes, que está construindo uma casa na comunidade Menina Alvira, relatou que ainda não conseguiu se mudar por causa da falta de água. No local, o único abastecimento é um caminhão-pipa que vai às quartas-feiras. Mas o caminhão-pipa como solução para o problema também foi criticado pelos moradores. “A gente não tem asfalto, temos que ir com balde até onde está o caminhão-pipa. A gente está muito insatisfeito. Convidamos vocês a passar um dia, porque poucos vão na comunidade”, acrescentou Mãe Pati, que representou os moradores da Vila Lapa.

Para o vereador Roberto Robaina (PSOL), “não se pode usar o carro-pipa como solução, seria encerrar a luta por serviços. É o cúmulo lutar por carro-pipa”. O mesmo foi colocado por sua colega de bancada, Karen Santos, que afirmou que “não é uma questão de carro-pipa, até porque quem é de comunidade sabe que nem entra em algumas ruas. Precisamos de soluções estruturais, é uma questão de prioridade de recursos por parte da Prefeitura”.

Vereadora Karen destacou que a água é apenas uma das diversas ‘faltas’ das comunidades | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Ela ainda destacou as diversas precariedades que a comunidade sofre, assim como outras periferias de Porto Alegre. “Não é só uma questão de água, a Lomba, como outra periferias, é fruto de um processo de remoção. É um processo de higienização e não é só a água. É falta de transporte público, calçada, saneamento básico, ruas esburacadas, desmonte dos direitos, das escolas públicas, falta de luz, falta de segurança”, colocou.

Diretor do Sindicato dos Municipários (Simpa), Jonas Reis representou os funcionários do DMAE, os quais têm denunciado desde 2017 a falta de abastecimento, segundo ele. “Temos menos 224 servidores desde o início do governo Marchezan. Tem pessoas há um ano esperando relógio, isso é sucateamento do serviço público com objetivo de privatizar”, denunciou, sugerindo a colocação de novos reservatórios de forma paliativa e a nomeação de funcionários.

Para Andréia Teles, moradora do Morro Santa Tereza, “deveria ser considerado crime humanitário privar o acesso à água”. Ela relata que a comunidade sofre todos os anos com o mesmo problema há muito tempo, e que recentemente um disjuntor estourou e os moradores ficaram sem água e sem luz. O morador do Jardim Bento Gonçalves Antônio Santos considera que “ignorar esse problema é omissão” por parte do poder público.

Encaminhamentos

O vereador Mauro Pinheiro afirmou estar representando o governo Marchezan e ouvindo todos os relatos. “A comunidade precisa de água, e a disputa política faz parte do jogo, mas eu estou preocupado com a água”, disse, alguns minutos antes de afirmar que a primeira vez em que a Prefeitura sacou dinheiro do DMAE para colocar em outras áreas foi durante a administração do PT. “Agora é muito fácil vir cobrar, não é com discurso que se vai conseguir. Não se fala em privatizar, mas sim em parcerias público-privadas”, colocou.

“Não é com discurso que se vai conseguir”, disse líder do governo Mauro Pinheiro | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Ao final da reunião, o diretor Darcy garantiu conhecer as comunidades e saber dos problemas, acrescentando que todos no DMAE “estão angustiados, mas não se faz obras em um estalar de dedos”. “Sabemos que problemas se acentuaram e que foram apontados ainda em 2012. Os condomínios novos que estão sendo construídos já foram aprovados, desde abril não aprovamos investimentos novos e só vamos permitir quando conseguir esse financiamento para a construção da ETA”, disse. Ele se comprometeu ainda a ler e responder todos os itens da Propostas feitas pelo Conselho Popular da Lomba.

O vereador Aldacir Oliboni (PT) sugeriu a abertura imediata de concurso público para o DMAE e a criação de uma comissão especial para tratar do assunto, assim como a realização de um novo encontro em local próximo à comunidade e visitas dos vereadores às subestações de abastecimento. O presidente da Comissão, André Carús (MDB) determinou que a nova reunião seja realizada em 30 dias e relatou que, quando estiver em Brasília durante esta semana, irá se reunir com o Ministério das Cidades, para o qual irá encaminhar o documento entregue pelo Conselho Popular.

Confira mais fotos:

Reunião na Câmara de Vereadores debateu a situação da falta de água na Lomba do Pinheiro. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21

 


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