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31 de janeiro de 2019
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10:15

“Não foi acidente”: em Porto Alegre, movimentos denunciam impactos do desastre de Brumadinho

Por
Sul 21
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Ato em solidariedade aos atingidos pela barragem em Brumadinho ocorreu no SindiPetro | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Débora Fogliatto

“Não foi acidente, a Vale mata bicho, mata planta e mata gente”, denunciaram dezenas de militantes em ato ocorrido na noite desta quarta-feira (30), no SindiPetro, em Porto Alegre. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Marcha Mundial das Mulheres, a Amigos da Terra Brasil e a CSP-Conlutas defenderam uma maior unificação das lutas após o desastre de Brumadinho e criticaram a falta de informações fornecidas por parte da empresa responsável pela barragem rompida, a Vale. S.A. Atos semelhantes ocorreram de forma paralela em diversas cidades brasileiras.

Diante da ausência de explicações concretas sobre a situação, o próprio MAB tem organizado rodas de conversa, que devem ocorrer de forma mais intensa até março, para explicar à população os impactos reais da tragédia. “Temos uma equipe lá desde o primeiro momento para acompanhar todo o processo. E a Vale está proibindo que o nosso pessoal junto com as famílias voltem à região onde aconteceu o rompimento e não está querendo dar informações”, relata Fernando Fernandes, da coordenação estadual do MAB.

Ele explica que, atualmente, há 19 municípios com o abastecimento de água comprometido devido ao rejeito que adentrou no rio Paraupebas. Para além disso, até metade de fevereiro esses rejeitos chegarão ao leito do Rio São Francisco, do qual o Paraupebas é um afluente. “Isso vai causar uma grande calamidade nacional. O Nordeste já tem diversos problemas relacionados à água e o leito principal do rio São Francisco abastece mais de 500 municípios. Tem comunidades que moram na beira do rio, pessoas que tiram seu sustento de lá, uma série de atividades que não vão mais poder existir quando não existir mais o rio, e sim um córrego de lama”, explica Fernandes.

Essa “lama”, inclusive, não é água com barro, mas sim rejeito tóxico, destaca Fernandes. “Isso é rejeito, é lixo da mineração, é de alta toxidade. Vemos que houve um crime, a Vale depois que foi privatizada só quis explorar o território, mandar dinheiro para fora e não fazer investimento nas suas estruturas locais. Sobre Mariana a gente já alertava muito antes de romper, ativamos o Ministério Público e a Vale não tomou nenhuma providência. É provável que mais rompimentos ocorram”, lamenta.

Segundo Fernandes, o MAB já havia alertado para a possibilidade de rompimento em Mariana | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Um dos problemas é que as próprias empresas têm permissão para fazer as suas regulações, ou seja, não há uma fiscalização eficiente nestes empreendimentos. O MAB defende que isso seja mudado e já deslocou militantes para Brumadinho para orientar as famílias sobre seus direitos. Segundo Fernandes, as vítimas de Mariana, três anos depois, ainda não receberam nenhum tipo de ressarcimento ou foram reassentadas. “Não podemos deixar com que essa negligência acontece novamente em Brumadinho”, afirma.

O que o movimento defende é um projeto minero-energético popular, que não beneficie as grandes empresas multinacionais e o capital financeiro, como faz a Vale. “É uma série de medidas que faria com que as nossas riquezas naturais, a água, o minério, sirvam para o povo brasileiro, sejam exploradas sob controle e dentro de um ritmo que favoreça o povo brasileiro e não o ritmo desenfreado que só favorece o capitalismo, o lucro”, aponta.

Essa relação dos crimes da Vale com o capitalismo desenfreado da sociedade atual foi destacada por outros militantes presentes no evento. “Nessas empresas, é o dinheiro acima de tudo. E não tem ninguém que coloque as empresas num patamar de igualdade”, criticou Fernando Costa, da Amigos da Terra, citando a ideia de que seja criado um tribunal que possa condenar essas empresas internacionalmente. Da mesma forma, Vitor Martinez, do Levante Popular da Juventude, classificou a tragédia como “o tipo de desastre proporcionado pelo capitalismo”.

Também do MAB, Cecília Zarth relatou que as brigadas do movimento que foram até Mariana ainda em 2015 viram os atingidos vivendo em condições insalubres, sem acesso à água. “A gente tem que continuar organizando formas de ajudar Brumadinho. E não podemos esquecer que aqui no RS lutamos contra a barragem Garabi-Panambi, temos que lembrar de casos de problemas ambientais que podem estar acontecendo aqui no nosso quintal”, destacou.

Ela mencionou a importância das entidades e movimentos permanecerem organizados e chamou para a construção de um ato a ser realizado no dia 14 de março, data que marca o dia de luta contra as barragens e momento em que se completa um ano da morte da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL). “Só vamos conseguir impedir esse tipo de crime se estivermos organizados”, constatou.

Cecília mencionou importância da unificação das lutas | Foto: Joana Berwanger/Sul21

É nesse espírito que a Marcha Mundial de Mulheres vem colaborando com o MAB, segundo a militante Maria do Carmo Bittencourt, que explica a ligação entre a luta dos atingidos por barragens e as pautas feministas. “A Marcha tem uma aproximação histórica com o MAB, que surge principalmente com a construção da barragem de Belo Monte. A empresa que foi para lá montou uma cidade com trabalhadores, que em sua maioria eram homens. O que acontece com as mulheres empobrecidas das cidades vizinhas? São chamadas para trabalhar como prostitutas no entorno da Vale, então se estabelece uma grande exploração das mulheres”, relata.

Quando ocorrem tragédias como a de Brumadinho, as mulheres ficam sem casa e muitas vezes suas famílias acabam se desmembrando. Com a falta de empregos nos locais, muitos homens mudam de cidade para trabalhar, enquanto elas permanecem em meio à pobreza. “O nosso debate, a nossa relação com o MAB, é em função de que muitas delas começam a entender a construção do feminismo junto com o entendimento da hiper-exploração capitalista”, resume.

Maria do Carmo menciona ainda o momento político pelo qual o país passa, no qual é importante que diversos grupos sociais se unam para garantir direitos. “É o momento de se unir, identificar os companheiros de trincheira e fortalecer a luta. E só vamos conseguir fazer isso nessa construção de um discurso coletivo. A disputa maior é contra esse governo que está apresentando um projeto de Brasil que é, de novo, de completa submissão ao capital internacional. E esse é um projeto de morte das mulheres, [que são] quem já está na fila do desemprego, quem está nos empregos terceirizados, precarizados. Temos noção do que significa um desastre, e para nós é o desastre capitalista que mata a natureza e as pessoas”, afirma.

Confira mais fotos:

Foto: Joana Berwanger/Sul21
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