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4 de dezembro de 2018
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10:18

Casa da Estrela, símbolo de luta pela preservação do patrimônio, se tornará centro cultural

Por
Sul 21
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Casa da Estrela foi construída nos anos 1940 | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

A Prefeitura de Porto Alegre anunciou, na semana passada, que um casarão histórico no bairro Petrópolis será transformado em um centro cultural. O poder público lançou edital, a partir da Secretaria Municipal de Cultura, para que instituições se apresentem para restaurar e reformar a casa de estilo neocolonial californiano construída em 1946, localizada na rua Camerino. O imóvel, um dos primeiros do bairro a serem inventariados, está relacionado à história do Petrópolis e do movimento que busca preservar as suas casas.

A chamada Casa da Estrela era um dos onze imóveis inventariados no Petrópolis antes de 2013, quando teve início o desenvolvimento do Inventário do Patrimônio Cultural feito pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC). Sua trajetória se entrelaça à do movimento Petrópolis Vive, que surgiu no início dos anos 2000, quando moradores do bairro perceberam um aumento na construção de “espigões” no que era até então uma zona composta predominantemente por casas.

“Fomos notar que começaram a aparecer prédios muito altos no bairro, então começamos a conversar, daí que começou o movimento para tentar alterar, queríamos que voltasse ao que era antes”, lembra Janete Viccari Barbosa, integrante do movimento que acompanhou o processo desde o início. Na época, já havia sido criado o Moinhos Vive, para lutar pela preservação de quatro casas históricas na rua Luciana de Abreu, o que inspirou os moradores do Petrópolis.

Duas vizinhas lançaram um abaixo-assinado para impedir a proliferação dos espigões e, com o desenvolvimento da ideia, foram conversar com o Moinhos Vive. “Começamos a ir a reuniões da Prefeitura, do Conselho do Plano Diretor do nosso bairro e acabamos conhecendo gente de outros bairros da cidade e realmente constituímos um grande grupo que é o Porto Alegre Vive”, relata Janete.

Nesse processo, foram identificados dois locais específicos que o bairro lutou para preservar. Um deles foi a praça Mafalda Verissimo, onde fica a histórica caixa d’água do bairro, na rua Felipe de Oliveira, e o outro foi justamente a Casa da Estrela e a escadaria adjacente a ela. “A gente fazia reuniões, visitava o bairro, e numa dessas a gente soube dessa casa. A questão é que ela é num lugar muito especial, à beira de um barranco onde tem uma escadaria que forma um ‘V’, tem um desnível no terreno, uns metros de caimento do terreno brusco e ali tem essa escadaria”, descreve.

Além da casa, a escadaria adjacente também é listada como patrimônio da cidade | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Na frente da casa, há um desenho composto por pedras que formam uma estrela, que deu origem ao batismo. “Era uma casa que para a vizinhança era uma coisa um pouco fantasiosa, teve um senhor que morou lá que era muito isolado, diziam que era dado à magia, alguma coisa meio esotérica. E no jardim da frente da porta tem, feito de pedras, uma estrela”, resume Janete.

Na época, os moradores ficaram sabendo que havia a intenção de se construir um prédio no local, que já havia sido comprado, mas o projeto estava há muitos anos parado. “A gente começou a achar que era um lugar especial, tinha um projeto da própria Prefeitura que se chamava áreas especiais de interesse cultural (AEIC). E aquele ponto era o centro de uma área dessas”, conta a moradora.

A comunidade passou a realizar diversos atos em defesa da casa, dos quais o maior ocorreu em janeiro de 2004, quando houve intervenções artísticas, incluindo a do vizinho Luis Fernando Verissimo. Em 2006, uma liminar atendeu Ação Civil Pública ajuizada pela Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, proibindo o Município de autorizar a demolição ou modificação das características do imóvel e da escadaria, ambas já consideradas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) como integrantes do patrimônio cultural da cidade.

Em 2009, foi feito um acordo com a proprietária e o imóvel foi repassado ao município. A partir daí, começou a se estudar um destino para a casa de 165 m². Segundo Janete, a própria desapropriação foi recebida com surpresa pelo bairro. “A Prefeitura de repente decidiu desapropriar essa casa, o que é um mistério. Nunca pensamos nisso, pensávamos numa solução privada”, afirma.

Construção tem estilo neocolonial californiano | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Uma das ideias dos moradores do bairro a partir daí, apoiadas pela vereadora Sofia Cavedon (PT), que começou a acompanhar o assunto, era que o local servisse como nova sede para a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e a Associação Cultural Chico Lisboa. Chegaram a ocorrer reuniões na Prefeitura sobre o assunto, mas o acordo acabou não se concretizando.

“Foram muitos movimentos, o município inclusive estava ameaçado de ser multado se não tomasse providências”, lembra Sofia. Mas, devido à impossibilidade da a Agapan de realizar a recuperação da casa, a proposta não foi para frente. “Se a Agapan recebesse a casa restaurada eles poderiam ir para lá, mas não teve como. No final do governo anterior isso não apareceu como perspectiva. Eles não têm como fazer o investimento, e segue o problema”, conta a vereadora.

Inventário do bairro

A questão dos imóveis inventariados do Petrópolis vem dividindo opiniões de moradores há anos. São mais de 500 imóveis listados como patrimônio da cidade a partir de 2013, o que agrada aqueles que defendem a preservação do bairro, mas causa controvérsia entre os que gostariam de vender suas casas. Alguns moradores chegaram a entrar com recursos contra a medida que os define como patrimônio, e em junho deste ano a Justiça determinou o bloqueio preventivo de todos os imóveis que constam no inventário, a pedido do Ministério Público.

A lista do Inventário do Patrimônio Cultural do Petrópolis passou a ser elaborada em 2012 e foi publicada em 2014. Anteriormente, apenas onze casas eram listadas, o que inclui a Casa da Estrela. A sua listagem foi conquistada ainda nos anos 2000, quando moradores pediram o tombamento da casa e os arquitetos da Epahc decidiram, ao invés, listar o imóvel como bem de estruturação.

Prédio ficou sem destinação oficial por anos | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Edital

Segundo o coordenador de memória da Secretaria Municipal da Cultura, Eduardo Hahn, o imóvel, abandonado há anos, estava ocupado de forma irregular. A Prefeitura havia entrado com reintegração de posse contra o ocupante, que seria um antigo guarda da rua, e ele aceitou sair do local com sua esposa e filho. Após sair da casa, a família já está abrigada, mas o Sul21 não conseguiu contato com os ex-ocupantes.

Após a negociação, a casa voltou a estar vazia, mas a Prefeitura afirma que a ideia é que os trâmites para a instalação do centro cultural comecem a ocorrer durante este mês. “A casa está fechada e nós abrimos um edital público de chamamento de interessados para ocupação do imóvel para fins culturais. No dia 12, os envelopes devem ser entregues, até dia 14 será feita a seleção da instituição por parte da secretaria”, estima Hahn.

A ideia é que, no dia 17, seja realizada a primeira reunião com a instituição que ficará responsável pela recuperação e ocupação do imóvel. “Temos uma expectativa muito grande de conseguirmos colocar no meio do bairro Petrópolis um centro que trabalhe com a cultura no nosso município”, afirma Hahn. Janice, do movimento Petrópolis Vive, conta que a comunidade não havia sido informada que haveria o lançamento de um edital, mas considera a iniciativa positiva. Da mesma forma, a vereadora Sofia também afirma ter sido pega de surpresa pela decisão.

Segundo Hahn, a ideia de transformar o local em um centro cultural veio da própria Secretaria, levando em conta a questão do inventário que está sendo discutida no bairro. “Pensamos que colocar uma instituição cultural ali dentro é uma forma de plantar essa semente. Não sabemos que instituição vai ser essa, que vai se cadastrar, se vai ser voltada a patrimônio, música ou outra manifestação cultural, estamos abertos”, aponta.

Para concorrer no edital, instituições devem apresentar suas propostas, e será escolhida a que for considerada mais favorável à utilização da casa e que traga mais benefícios ao bairro. “Vamos levar em consideração também a capacidade da instituição de manter o imóvel”, destaca Hahn. A Prefeitura receberá as propostas no dia 12 de dezembro, das 9h às 12h e 14h às 18h, na Casa Torelly, localizada na av. Independência, 453. Mais detalhes podem ser encontrados no site da Secretaria de Cultura.

| Foto: Guilherme Santos/Sul21

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