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29 de novembro de 2018
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20:13

Em Mostra Pedagógica do Cpers, trabalhos refletem a pluralidade da escola pública

Por
Sul 21
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Mostra Pedagógica do CPERS contou com escolas indígenas | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

Pelo terceiro ano, o Sindicato dos Professores Estaduais do Rio Grande do Sul (CPERS Sindicato) promoveu, nesta quarta e quinta-feira (28 e 29) sua Mostra Pedagógica, na qual estudantes e professores de diversos núcleos do sindicato apresentaram trabalhos científicos desenvolvidos nas escolas. Com o tema “A qualidade da escola pública fortalece a resistência”, a apresentação ocorreu na Praça da Alfândega, em Porto Alegre, e premiou os melhores trabalhos em cinco diferentes categorias, dentre os quais os primeiros colocados irão para o Encontro Nacional de Educação.

Na abertura do evento, a diretora e coordenadora do Departamento de Educação do Sindicato, Rosane Zan, destacou a alegria de realizar a 3ª edição da iniciativa. “É preciso acreditar no trabalho que desenvolvemos nas escolas, mostrar a dedicação de professores e estudantes da rede pública. Nós não doutrinamos ninguém, ensinamos os nossos alunos a pensar, criar e desenvolver projetos maravilhosos”, afirmou.

Esta foi a primeira vez que a Mostra contou com a categoria de trabalhos indígenas, realizados em escolas nas próprias comunidades. Um deles foi o “Sarau Arte e Poesia”, desenvolvido pela Escola Estadual Indígena Karai Arandu, de Viamão, que integra o 22º núcleo do Cpers. No projeto, coordenado pelas professoras Ana Luci Colleoni e Édina Agliardi, os estudantes indígenas criaram poemas, histórias e contos, além de registrarem a oralidade de seu povo. Na apresentação do Sarau, feita na própria comunidade, declamaram as poesias e realizaram atividades diversas, incluindo encenações culturais.

“Os mais velhos da comunidade pediram que os estudantes articulassem mais as falas em português, para poderem reivindicar seus direitos. Na escola, já trabalhamos com poesias, com temas sociais, políticos e culturais, e então tivemos a ideia de articular isso através da poesia”, relata Édina, professora de História. Em suas aulas, foram desenvolvidos os temas dos textos, enquanto o formato foi ensinado por Ana Luci, que ensina Linguagens.

Estudante indígena Jane é uma das poetas da escola, que fica na comunidade guarani em Viamão |Foto: Guilherme Santos/Sul21

“Dentro da poesia, existe o conhecimento lírico e o social. Eu ministro aulas de Literatura e Linguagens, e isso inclui toda essa necessidade de se expressar trabalhando com estruturas do poema”, explica a professora. Segundo ela, os alunos, cuja primeira língua é o guarani, apresentaram poemas em português, inglês e espanhol e também criaram os seus próprios textos, em português. “Isso fortalece a inspiração deles, desenvolvem a criatividade”, aponta.

Toda a escola se envolveu com o projeto, mas três estudantes vieram a Porto Alegre participar da mostra. Uma delas foi Jane Dinarte, que foi a responsável por escrever mais poemas dentre os estudantes. Quem também escreveu um texto foi Gelmina Acosta, que se inspirou na retomada Mbya Guarani da fazenda do Arado Velho, da qual seu pai está participando. “Fui lá e falei com os mais velhos sobre a terra, porque é importante para eles, a terra é sagrada”, conta.

Dentre os temas dos poemas, está o valor da terra, a cultura, biodiversidade, direito, educação, assim como a identidade indígena. “O objetivo foi estimular a leitura e conseguir falar em público. Está nos ajudando bastante a se comunicar com não-indígenas e podermos nos defender nas questões governamentais”, afirma o estudante Diego Benites.

Acessibilidade

Outro projeto que lidou com a inclusão foi desenvolvido pela Escola Estadual de Ensino Médio Melvin Jones, de Caxias do Sul, do 1º Núcleo Cpers. O trabalho “Acessibilidade: a importância do braille para uma inclusão social da pessoa com deficiência visual”, coordenado pela Professora Karen Ambrosi, foi premiado com o primeiro lugar na categoria Ensino Médio. Emocionadas, as estudantes comemoravam enquanto explicavam o projeto.

Estudantes que desenvolveram trabalho voltado para acessibilidade e Jeise, que atuou como consultora | Foto: Guilherme Santos/Sul21

“Pesquisando na internet, eu vi uma publicação de que no Japão tinha uma marcação em braille na latinha de refrigerante explicando para que lado se abria a latinha. Só que eu, conversando com a minha colega Mônica, pensei: pra que [a pessoa com deficiência visual] vai querer saber para que lado abrir se não sabe o que vai consumir?”, apontou Yngrid Lorena Pereira Mesquita, estudante do 2º ano e uma das idealizadoras do trabalho.

Foi daí que a colega Mônica Aparecida Siqueira da Silva sugeriu que o trabalho feito fosse exatamente este: desenvolver latinhas de refrigerante com marcações em braille. Para pessoas que não têm deficiências visuais, ao ir ao supermercado, é possível facilmente localizar os produtos que se quer comprar. Mas, para quem tem limitações de visão, até escolher uma bebida se torna uma dificuldade. “Lata é tudo lata, seja refrigerante, cerveja, energético, não sabemos qual é qual”, relata Jeisecler Maciel Boeira, que atuou como consultora para as estudantes.

Ela participa de organizações de direitos de pessoas com deficiência na Serra gaúcha e já foi consultora de diversos projetos. “Eu abracei a causa e avaliei que o trabalho seria útil para nós deficientes visuais. Porque a gente ia ter mais autonomia de chegar no mercado, de escolher nossa própria bebida. Fico admirada de saber que são gurias tão jovens que pensaram na gente”, elogia Jeisecler.

A ideia, segundo Mônica, é que se tenha mais inclusão dentro da sociedade. “Tivemos a ideia de colocar em alimentos, então estamos fazendo um estudo porque plástico fura fácil. Então é um novo estudo que tem que ser feito para não furar”, relata. “Uma escada começa no primeiro degrau”, afirma Jeise, lembrando que nas embalagens de medicamento já existem inscrições em braille, o que aponta tê-la ajudado muito.

Mostra contou com trabalhos de diversos núcleos e níveis de ensino | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Presença feminina no campo

Outra escola premiada na mostra foi o Colégio Agrícola Estadual Ângelo Emílio Grando, de Erechim, do 15º Núcleo do CPERS, que levou dois trabalhos para a mostra: um sobre plantas medicinais e um sobre a presença de mulheres no campo. Primeiro colocado na categoria de Ensino Técnico, o estudo sobre as plantas consistiu na criação de uma estufa para desidratação de ervas medicinais. Ambos os trabalhos do colégio já arrecadaram diversos prêmios na cidade e no Estado.

Já o projeto “Igualdade de gênero: a mulher como protagonista no campo” reflete a respeito da presença feminina na própria escola, de maioria masculina, e no campo em geral. “O projeto surgiu de uma inquietação minha. Quando eu comecei na escola, tinha apenas cinco meninas inscritas; em 2017, 26 meninas se inscreveram e agora em 2018, foram 46. Então isso demonstra o interesse da menina em se profissionalizar para trabalhar no campo”, relata a professora Simone Castelan, que coordenou ambos os trabalhos.

As duas estudantes que vieram a Porto Alegre apresentar o projeto são “a vivência do trabalho”, segundo ela. “Elas são filhas de agricultores que estão sofrendo os preconceitos que acontecem na escola, as dificuldades de ir e vir”, afirma a professora. “A gente vem mostrar isso que a professora falou, a mulher hoje na sociedade é muito excluída e nosso colégio tem muito essa desigualdade”, destaca Franciele de Abreu Marchetto, estudante do 2º ano da escola.

“Os homens não têm confiança na mulher, acham que por sermos consideradas sexo frágil a gente não vai conseguir realizar o que um homem realiza. Quem vê uma mulher e pensa que não vai conseguir comandar a propriedade está muito enganado”, complementa Isabel Cátia Scherpinski, do 1º ano. Ambas as estudantes relatam com orgulho que pretendem se profissionalizar e seguir morando no campo, como chefes de fazendas.

Estudantes Isabel e Franciele relatam vontade de seguir atuando no campo | Foto: Guilherme Santos/Sul21

“A mulher quer sim e cada dia mais vem se profissionalizando e quebrando essas barreiras que a sociedade impõe. Um exemplo é esse aumento de gurias que querem vir estudar no colégio agrícola”, garante Franciele. Ela relatou um exemplo de machismo que ocorreu dentro da própria escola, o qual deixou as estudantes chocadas e indignadas. “Um professor da área técnica separou os grupos e os meninos foram lidar com as máquinas, com trator, e as meninas foram limpar flor, porque ‘flor é trabalho de mulher’. Eles não têm confiança de dar máquina para uma mulher”, relatou.

A escola, além de abranger as disciplinas do ensino médio regular, também tem o ensino técnico voltado para o campo, o que inclui criação de bovinos, suínos e aves, assim como mecanização e agroindústria. “A nossa região é muito agrícola, mas acontece uma migração para a cidade. Os jovens se formam no colégio agrícola e vão tudo ser empregado, abandonado suas propriedades. Então é hora das meninas estudarem, se profissionalizarem e exigirem essa valorização no campo”, resume a professora.

O CPERS disponibilizou, em formato online, uma revista em que estão colocados os resumos de todos os trabalhos participantes.

Veja mais fotos da mostra:

Foto: Guilherme Santos/Sul21
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