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10 de novembro de 2018
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10:35

Efeito eleições: como tem sido a procura por obras com teor político na Feira do Livro

Por
Sul 21
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Livro de Trump exposto ao lado do sobre Che Guevara na Feira do Livro | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

As eleições presidenciais de 2018 mexeram, de uma forma ou de outra, com diversos setores da sociedade brasileira. Ocorreram conflitos familiares e geracionais, a discussão afetou as minorias sociais e chegou às escolas, dando força ao movimento Escola sem Partido. Uma semana após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), teve início a 64ª Feira do Livro de Porto Alegre. Será que o mais tradicional evento literário da capital gaúcha foi afetado pelo clima de acirramento político que tomou conta do país?

Para João Carneiro, da Tomo Editorial, a procura por livros com teor político aumentou nesta edição da Feira. A editora é responsável pela Coleção Filosofinhos, que traz autores clássicos das ciências sociais em uma linguagem adaptada para o público infantil. “Inclusive o best-seller da nossa banca é o Marx, dentro da coleção, ele se sobressai mais ainda neste ano”, afirma. A obra “Direitos humanos em uma época de insegurança”, coletânea lançada em comemoração ao sexagésimo aniversário da Declaração Universal de 1948, também tem sido muito procurada, segundo ele, entre outros livros de temática semelhante.

“Está tendo uma repercussão positiva. As pessoas estão buscando se informar, buscando ter argumentos. Tem o livro do professor Antonio Cattani, que se chama ‘Ricos, podres de ricos’, que também tem tido ótima repercussão. Livros que dão instrumentos para que as pessoas possam argumentar corretamente”, relata Carneiro.

Ele conta que a coleção Filosofinhos segue sendo o carro-chefe da editora e que chegou a acontecer de pessoas questionarem sobre a escolha dos pensadores. “A gente reparou algumas vezes pessoas dizendo ‘mas não tem aqui o [Ludwig von] Mises’, por exemplo, ou o Adam Smith. E até possivelmente venha a ter o Adam Smith. Agora, alguns não têm estatura intelectual para constar numa coleção tão importante quanto a dos pensadores”, provoca. Mises e Smith são dois dos economistas que estão entre os ídolos do pensamento liberal.

Obra sobre Marx da coleção Filosofinhos mostra os pensamentos do sociólogo em linguagem voltada para crianças | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Para ele, porém, o número de provocadores foi “infinitamente menor” do que daqueles que demonstram gostar da coleção e se identificar com os pensadores ali colocados. Isso pode se dar, segundo Carneiro, devido ao próprio público da Feira.

O mesmo foi observado por Mauro Messina, da Ladeira Livros. “Os caras apoiadores do Bolsonaro mais militantes não viriam aqui, não são as pessoas que vêm na Feira. Até tem quem procure Olavo de Carvalho, às vezes a biografia do [coronel] Ustra. Outro dia reclamaram que tinha ‘muito livro feminista'”, conta. Na Ladeira, que em geral conta com livros de ciências humanas e sociais, ele aponta que as vendas estão semelhantes aos anos anteriores, sem ter notado um aumento específico na demanda, que sempre existiu na livraria, por livros políticos.

Nas bancas, é possível encontrar desde livros de Luiz Felipe Pondé, sobre Sérgio Moro e a biografia de Hitler até obras sobre Che Guevara, do sociólogo Jessé de Souza ou de Karl Marx. Isso tudo em meio a romances, obras espíritas, de auto-ajuda, culinária, acadêmicas, etc.

Em meio a romances e auto-ajuda, obra sobre fascismo é uma das mais vendidas na Mania de Ler| Foto: Guilherme Santos/Sul21

A obra “Fascismo: como as democracias morrem”, dos professores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, está praticamente esgotada na banca da Mania de Ler. A livreira Fátima Rhoden conta que, além desse, estão vendendo muito também os livros “A Ralé Brasileira” e “A Elite do Atraso”, do sociólogo Jessé de Souza, professor da Universidade Federal Fluminense que escreve principalmente sobre desigualdades no país.

“Realmente, eu faço a Feira há 12 anos e nessa edição notei uma diferença nesse sentido. Já esse do Sérgio Moro não vendi nenhum”, disse. As outras vendedoras informaram que, na verdade, chegaram a ser vendidas uma ou duas cópias da obra de Vladimir Neto sobre a Lava Jato. Em outras bancas, vendedores consideram que o movimento é semelhante ao de anos anteriores, e que muitas pessoas até olham os livros com teor político, mas acabam não comprando.

Na Multilivro, Gustavo Vultura já pensou que poderia haver essa procura quando montou o estoque que trouxe para a Feira, e disse que sua expectativa está sendo alcançada. “Eu já imaginava que haveria essa demanda, então já viemos preparados”. Ele observa, assim como Mauro, algumas pessoas com camisetas do Bolsonaro, pedindo livros do Ustra e até perguntando se havia algum livro sobre o próprio presidente eleito. Da mesma forma, o filósofo Olavo de Carvalho também é procurado, mas ele “sempre vendeu bem”, segundo Vultura.

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Foto: Guilherme Santos/Sul21
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