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10 de julho de 2018
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12:00

Censura, violência policial, crianças abrigadas: relatório traz principais ameaças de direitos humanos no RS

Por
Sul 21
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Deputado Jeferson Fernandes apresenta a publicação mais recente do Relatório Azul | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

2017 foi um ano movimentado na pauta dos direitos humanos no Rio Grande do Sul. O despejo da Ocupação Lanceiros Negros, no Centro Histórico de Porto Alegre, numa noite fria de junho e com emprego de força pela Brigada Militar foi um dos mais rumorosos. Três meses depois, o Estado virou notícia nacional por ver a exposição de arte Queermuseu censurada. Mas o que você talvez não tenha visto nas manchetes foi o aumento das denúncias de violência policial, trazidas por torcedores retirados de estádios de futebol, mães que tiveram filhos vitimados, jovens abordados depois de uma noite de festa. Cresceram também as denúncias de casos de violência sexual contra a mulher e crianças retiradas das famílias e colocadas em abrigos. A pauta indígena e de povos de matriz africana também tiveram capítulos importantes no período.

Esses são alguns dos temas apontados pela edição mais recente do Relatório Azul: Garantias e Violações de Direitos Humanos, lançado nesta segunda-feira (09), pela Casa. Ela contempla casos que foram recebidos pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania e artigos de elaboração teórica sobre os temas. Alguns dos casos, listados, saíram de reportagens do Sul21.

A publicação é uma das mais tradicionais na área. A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul foi a primeira do País a ter uma comissão própria para tratar de questões de direitos humanos, criada em junho de 1980. Antecedendo, inclusive, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

“O primeiro presidente se chama Antenor Ferrari, conversei esses dias com ele. Ele lamenta muito que, de quando ele foi deputado estadual, não consta mais nada de registro na Casa. Ele disse que tinham gravações de presos políticos, descrevendo como era feita tortura, quem eram os torturadores e tudo isso sumiu. Então, o Relatório, instituído na gestão do [ex-deputado estadual] Marcos Rolim, veio para não esconder o que é público”, explica o atual presidente da Comissão, deputado Jeferson Fernandes (PT).

Regina lembrou na apresentação do Relatório de ação do STF que pode rever entendimento da Assembleia gaúcha sobre direitos dos povos de matriz africana | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Um dos registros de casos compilados pelo Relatório 2017 fala sobre a polêmica em torno do direito à alimentação tradicional dos povos tradicionais de matriz africana. O tema foi tratado em uma audiência pública em abril do ano passado. Na época, o pedido era que o Supremo Tribunal Federal não acolhesse uma ação que pretende derrubar a Lei Edson Portilho, sancionada em 2004 no Rio Grande do Sul, criada pela Assembleia Legislativa, para garantir o direito dos povos de matriz africana ao abate doméstico de animais. O STF questiona a competência do Legislativo estadual para decidir sobre a matéria. A decisão deve ir ao Plenário do Supremo em 09 de agosto.

“As palavras são estratégicas. Não é mais ‘abate para consumo’, é ‘sacrifício’. A palavra ‘sacrifício’ fica ligada a uma questão de maus tratos e nós viramos inimigos dos defensores dos animais. Ao contrário, nós respeitamos o animal ao ponto de rezar e pedir a ele para abatê-lo, já que ele faz parte da minha cadeia alimentar. No STF, [estão dizendo] que isso não é competência do Estado, mas o abate para consumo é legislação estadual. Isso fere o estado laico. O Estado de São Paulo tem, desde 2000, uma lei que garante aos judeus e muçulmanos o mesmo tipo de abate e nunca foi processado por isso”, diz Regina Nogueira, a Mulanji, coordenadora do Fórum Nacional de Segurança Alimentar dos Povos Tradicionais de Matriz Africana.

Outra questão presente no Relatório é o caso Queermuseu, a exposição de arte colocada em cartaz pelo Santander Cultural, em Porto Alegre, que foi fechada depois de pressão de grupos conservadores. Eles alegavam que as obras, reunidas sob o tema da diversidade e sexualidade, eram “apologia à pedofilia e zoofilia”. As acusações foram desmentidas por uma investigação do Ministério Público. Na publicação da ALRS, o curador da mostra, Gaudêncio Fidelis escreveu um artigo sobre o que ela representou na conjuntura atual.

“A exposição Queermuseu ajuda a conectar os pontos e ver que o universo das coisas está representado nesta questão. Quando a gente fala em gênero e sexualidade, está falando de lutas históricas das mulheres, da comunidade LGBT, não podemos esquecer, das comunidades de matriz africana, do próprio Carnaval, de princípios elementares da nossa jovem democracia que anda tão ameaçada”, avaliou Gaudêncio durante a apresentação do Relatório.

Violência policial e situação prisional

Casos de violência policial foram relatados durante o ano à Comissão | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Entre os casos que causa maior preocupação estão os de violência policial, praticada especialmente por integrantes da Brigada Militar, e a atual situação prisional do Estado. Jeferson Fernandes diz que, problemas do sistema prisional gaúcho, tem se agravado pelas prisões provisórias. O deputado cita cálculos que estimam que 50% dos quase 40 mil presos, hoje no RS, não tem nem sentença de primeiro grau. “Essa área nos preocupa muito porque reproduz o crime. Quanto mais violência, mais as facções se empoderam”, afirma ele.

Os casos de violência policial, presentes na publicação, mostram que ela aparece em diversas situações. Há casos sobre torcedores em estádios de futebol que também denunciaram excessos da polícia até casos que ganharam grande repercussão, como o despejo da Ocupação Lanceiros Negros, em junho do ano passado. Jeferson chegou a ser preso na ocasião e mantido em uma viatura da Brigada Militar por alguns minutos, até ser levado ao Palácio da Polícia.

Um deles, também presente no Relatório, foi reportado pelo Sul21, em abril do ano passado. Em denúncia ao Ministério Público, o segurança Maximiliano Soares da Costa relatou como foi agredido por policiais da Brigada Militar, depois de ser vítima de assalto à mão armada em um ônibus, em Porto Alegre, porque acharam que ele, um homem negro, era o suspeito.

“Tomara que agora mude, porque tem uma pressão da Justiça Militar. A gente sempre diz: não é criminalizar toda a corporação, mas quem age dessa forma e quem comanda para agir dessa forma. O Tribunal da Justiça Militar tem sido célere, especialmente o corregedor, Dr. Amílcar. Não queremos antecipar condenações, mas que investiguem”, afirma Jeferson.

Presidente do TJM diz que Corte vai analisar continuidade ou conclusão de casos presentes no Relatório | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O atual presidente do Tribunal esteve presente na apresentação do Relatório. O Coronel Paulo Mendes foi o homem responsável por comandar a Brigada durante o governo de Yeda Crusius (PSDB, 2007-2010) no Estado. Mendes afirmou que a Corte vem se aproximando da Comissão de Direitos Humanos nos últimos tempos. Para ele, o Relatório é um dos mecanismos que a sociedade dispõe para “demonstrar irregularidades praticadas por policiais militares”.

“É do nosso interesse, evidentemente, nem poderia ser diferente, verificar todo excesso praticado por policiais militares em serviço. É da natureza da Justiça Militar controlar todo excesso praticado por PMs em serviço. Esse é nosso trabalho”, diz o Coronel.

Mendes não acredita que os casos de violência policial tenham aumentado nos últimos anos. Segundo ele, a BM processa algo em torno de 4 mil casos de violações cometidas por policiais todos os anos. Destes, calcula, entre 500 e 600 se tornam denúncias do Ministério Público.

“Não é um número extravagante, na nossa opinião, considerando o efetivo da Brigada Militar. Tem violência e não-violência, todos crimes militares. O maior número de ações julgadas pela Justiça Militar são lesões corporais, que nós entendemos que é da prática do dia-a-dia”, avalia ele.

Além de apontar problemas, Jeferson acredita que o Relatório pode ajudar a sociedade a caminhar para soluções deles.“Relatar os casos é importante, mas também saber o que fazer a partir destes problemas. Os 29 autores que assinam [os artigos] dão pistas de como sair dessas dificuldades, em todas as áreas: indígenas, povo negro, mulheres, pessoas em situação de rua, penitenciárias superlotadas, violência policial. Nenhuma área a gente deixou de falar da sugestão de melhora”.


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